A Venda da Folha de Pagamento

      terça-feira - 09/fevereiro
      Com a globalização da economia, termos como “excelência em qualidade, gestão total e gerenciamento de custos” migraram para os países do terceiro mundo, não em porões de navios como as antigas pestes medievais, mas por aeroportos internacionais nos laptops dos empresários e, como vírus, se espalharam pelas bocas contagiosas dos políticos, até chegar nas novas gerações de administradores públicos municipais espalhados por estes brasis sem fim.
      Munidos de uma parafernália de indicadores fabricantes de gráficos, consultorias contratadas a altos custos pelos órgãos públicos fazem tábua rasa de toda a cultura de administração pública profissionalizada que tem mantido de pé este país, apesar da sangria ininterrupta dos cofres públicos feita pela histórica corrupção dos políticos e sua demagogias. Neste entra e sai de governos, já estou me aposentando e praticamente nada mudou no âmago da estrutura da administração pública, apesar de toda a revolução provocada pela informática. Os problemas gerenciais continuam sendo escancaradamente os mesmos e permanecem intocáveis, apesar de todos os discursos modernizantes de ideologias esquerdistas ou conservadoras. Foi sempre assim: eles fingem que estão fazendo alguma coisa inovadora, e a gente finge que acredita.
      Então, em final de carreira, não me compete mais debater as grandes causas (já fiz isto inutilmente com muito empenho e por tempo demais), me agrada agora comentar as causas perdidas ou aquelas mais caricatas e tragicômicas. É o caso da atual obstinação pela busca de novas fontes de recursos, captando grana quer na iniciativa privada, terceirizando o que puder (de preferência tudo), ou mesmo de outros órgãos públicos, especialmente do sistema financeiro que tem apresentado os maiores lucros (também pudera, com tantas taxas!).
      Pois a Prefeitura de Porto Alegre encontrou um modo inusitado de captar dinheiro para os seus cofres, qual seja, vender a folha de pagamento para o banco público que apresentar melhor oferta pelo seu lote de milhares de trabalhadores. Isto implica compulsoriamente no desmonte de toda a organização familiar bancária da vida das pessoas, seus débitos em conta e financiamentos, o crédito pessoal de cada um devido ao seu tempo como correntista de um mesmo banco, em suma, toda a liberdade de opção, essência de uma democracia, foi “amordaçada” pelo próprio prefeito-poeta que previa uma viração pelo Vento Negro. Eu, como centenas de colegas (quantos milhares em toda a prefeitura?), tivemos que manter as duas contas bancárias e arcar com seus custos, em função de compromissos financeiros de longo prazo assumidos anteriormente com o Banrisul. Como um lote de escravos vendidos em praça pública, os servidores municipais tiveram que obrigatoriamente assinar contrato com o seu novo Senhor Banqueiro, que chegou prometendo mundos e fundos de isenções, mas que já mostrou nos primeiros dois anos do seu reinado o uso do duro pelourinho de suas taxas a chicotear no lombo dos salários dos servidores municipais.
      A Prefeitura se vangloria que arrecadou R$ 80 milhões pela venda de seu lote de subjugados à CEF, a duras custas dos servidores que, para manterem seus compromissos bancários em seus bancos de origem, terão que gastar valores exorbitantes com taxas de transferências bancárias ao longo dos cinco anos de duração deste contrato imposto ditatorialmente aos assalariados municipais. O pior é que este alegado lucro tido como recolhido aos cofres públicos é uma falácia, pois não foi computado neste cálculo o valor de uma variável importante, qual seja, que o Banrisul por ser o banco mais utilizado para o pagamento das taxas públicas municipais, inclusive as contas de água, não cobrava taxas por estes serviços, tendo em vista que mantinha a folha de pagamento inclusive do DMAE. A partir de então o DMAE teve um acréscimo considerável de custos com taxas deste banco estadual.
      No final das contas, diante de tantos transtornos e insatisfações geradas no meio de seus funcionários, cabe ainda perguntar: será que valeu a pena vender a folha de pagamento dos servidores municipais como se eles fossem um lote de escravos?...
     Este texto, que escrevi originalmente em março/2008, quando da imposição da CEF como monopolista da folha de pagamento da prefeitura, está sendo atualizado hoje por termos verificado no decorrer do tempo que os nosso prejuízos não foram só financeiros, mas também na perda da qualidade e da quantidade dos serviços prestados.
      Além de praticamente não existir terminais de auto-atendimento para pagamentos de contas fora das agências bancárias pela cidade, os terminais instalados no entorno do DMAE estão sempre com problemas. Quando não estão com sistema congelado, estão sem papel ou os seus leitores óticos de código de barras estão analfabetos ou as máquinas estão desligadas. Como já é praticamente de costume, hoje percorri inutilmente os três terminais da redondeza e decidi recorrer ao recurso especial que a CEF oferece, que é o uso das lotéricas. Esta opção para pagamento de contas, entretanto, tem a restrição de funcionar dentro do limite de saques, o que não possibilita o pagamento de muitas contas e, às vezes, nem uma única conta alta tipo a do cartão de crédito da própria CEF. Hoje, convenhamos, foi um caso extremo: a lotérica estava fechada com um cartaz anunciando “férias coletivas”!...

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