MEMÓRIAS DE VIAGEM: BARCELONA

         Fui, vi e voltei inflado. Estou mesmo sentindo o meu peito estufado com as antiguidades e novidades que encontrei na realização da minha “viagem dos sonhos”, programada desde a muito tempo como um evento comemorativo pela conquista em definitivo da libertária aposentadoria.
        Memórias de viagens é um ”gênero literário”, cabe ao estudante de Letras exercitar sempre que tiver oportunidade. Esta é, pois, uma ótima chance.
Antes de irmos, foram semanas de definição dos locais e dos tempos de permanências e dos detalhamentos dos modos de transportes para fazer os deslocamentos entre eles. Apesar de tudo feito e pensado para contratar um pacote turístico personalizado com uma agência de viagens, de modo a não dar chance para o azar de algo dar errado pela inexperiência de marinheiro de primeira viagem, de saída quase que o projeto todo naufragou feito um Titanic.
         O voo para a Europa não era direto, dependia de uma conexão noturna com um avião da companhia espanhola Iberia no Rio de Janeiro. No Rio o caso se tornou aterrorizante, foi onde ficamos sabendo que o voo havia sido cancelado devido ao movimento grevista dos espanhóis em protesto pelas medidas econômicas impostas pela crise europeia. Naquele instante ficamos entre a cruz e a espada: ou esperávamos o voo do dia seguinte (se é que haveria) e ficávamos rezando na cruz ou, de espada em punho, íamos à luta para fazer com que a Companhia Iberia buscasse encaixar a gente em voos de outras empresas que possibilitassem conexões em outros países. Resumindo, acabamos voando naquela mesma noite para Paris e, de lá, finalmente, conseguimos chegar em Barcelona, por muita sorte (dentro do azar de ter havido uma paralisação justo naquele dia) com poucas horas de atraso em relação à programação inicial.
Contudo, apesar de não termos entrado oficialmente na França, onde só circulamos na área de conexão internacional do aeroporto de Orly, acabamos entrando na Espanha como passageiros em trânsito dentro da Comunidade da União Europeia, ou seja, sem passar pela migração e, portanto, sem visto: como clandestinos! Mas esta ficha só foi cair mais adiante na viagem.
Barcelona é uma Babel, festa universal e permanente dos turistas do mundo todo, especialmente de grupos de estudantes da própria Europa. Funciona como uma espécie de Bariloche, destino preferido das turmas de formandos do ensino médio no sul do Brasil. O surpreendente na cidade é o seu centro histórico por permanecer absolutamente medieval, fiel à imagem cinematográfica que adquirimos de vielas sombrias e labirínticas, ótimas para serem percorridas de bicicleta.
Os ciclistas da Massa Crítica têm toda razão, a bicicleta é tratada como um meio de transporte público de massa, e como tal recebe investimentos e tratamento preferencial na Europa. As ciclovias são espaços respeitados, tanto quando localizadas nas calçadas quanto dispostas na faixa dos veículos, e estão presentes por toda a área urbana das cidades.
 Com bicicleta se entra em qualquer lugar, até em shoppings e trens. Realmente o ciclismo foi incorporado como um bem necessário para as metrópoles contemporâneas. Eu próprio, que não me arrisco a pedalar em Porto Alegre, fiz turismo pedalando em Barcelona e em Sevilha, se mais não fiz foi por falta de tempo.

Fiquei muito impressionado com a aridez do território espanhol entre Barcelona e Madri...Mas Madri fica para a próxima postagem, não perca.

A CLASSE MÉDIA VAI À EUROPA

Classe média,eu? A idéia surpreende moradores tanto da Rocinha no Rio quanto do Morro São José e Vila Restinga em Porto Alegre, bem como de milhares de  favelas por este Brasil afora. Dentro de casinhas apertadas tem uma televisão de tela plana de 29 polegadas equipada com serviço de TV por assinatura e DVD. Tem freezer,  geladeira, computador e videogame. Na laje, tem um extenso varal com roupas da moda e uma lavadora de última geração, tudo comprados em parcelas a perder de vista. Este é o perfil  de uma família típica da nova classe média brasileira, segundo pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com esse estudo, na última década dezenas de  milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social. Até há pouco tempo classificados como pobres ou muito pobres, eles melhoraram de vida e começam a usufruir vários confortos típicos de classe média. Sua ascensão social revela o maior fenômeno sociológico brasileiro: pela primeira vez na História, a classe média passa a ser maioria no Brasil.
Outro dia assisti na TVE-RS a brilhante filósofa Marilene Chauí (descontando o seu “petismo” fervoroso) comentar que ela gostaria de alertar a presidenta Dilma de que os milhões de brasileiros que saíram da pobreza não se constituem uma classe média tradicional, e sim uma nova classe proletária que conquistou o mercado formal de trabalho e consumo. Portanto, em que pese o esforço da mídia em convertê-los por reprodução  ideológica em classe média típica, cabe à esquerda  mantê-los alertas de quem são seus inimigos de classe. Tecnicamente, segundo a filósofa, classe média é o segmento da sociedade que reproduz a ideologia da classe dominante, detentora dos meios de produção, sobre a força de trabalho, fazendo a cabeça  de quem bota a mão na massa. Com a ilusão de um dia vir a ser classe dominante e com o medo de ficar desempregada e decair na pobreza, a classe média não tem uma função preponderante no sistema capitalista a não ser o de manter as coisas ideologicamente como estão, cada um no seu quadrado, e o consumismo desenfreado correndo solto como forma de afirmação social...
Enquanto os membros da chamada nova classe média (com renda familiar entre R$ 1,2 mil e R$ 5,3 mil) estão começando a viajar agora, estão andando de avião e se hospedando em hotéis  pela primeira vez, naturalmente deslumbrados pela novidade, eu ludibriado quase me convenço que fui promovido socialmente para a  elite econômica (classes A e B) que tem renda familiar superior a dez salários mínimos. Mas, dura e crua, a matemática familiar mostra que continuo no mesmo patamar social, ou seja, no segmento central da classe média.
Classe alta, eu? A idéia contrabandeada pela mídia ilude muita gente da antiga classe média tradicional, consumidora voraz e entediada de todos estes produtos que tanto deslumbra a nova Classe C. O certo é que o de trás empurra o da frente e a fila anda: enquanto a nova classe média descobre o turismo nacional, a antiga classe média se encoraja e vai desbravar a Europa, lazer que era exclusividade da elite.
Elite, eu? Sei apenas que, deslumbrado, estarei realizando agora em abril o meu sonho de consumo de fazer um roteiro turístico pela Europa Ibérica: Barcelona, Madri, Lisboa, Sevilha, Algeciras, Tânger (África!), Granada e Paris. É um merecido prêmio que me dou (pacote parcelado em dez vezes e pegando dinheiro vivo emprestado para converter em euros) por ter tido persistência suficiente para conquistar a tão almejada aposentadoria.

Europa, a primeira vez a gente nunca esquece!