A Indústria de Horas-extras

segunda-feira - 25 de janeiro

      Entre os vários tópicos monitorados nas reuniões do Grupo de Gerenciamento Matricial de Despesas (GMD), há os referentes a redução de custos na área dos recursos humanos, entre os quais, farmácia, insalubridade e horas-extras. Na reunião que houve nesta semana, na qual apresentei o meu pedido de demissão sem poder ainda indicar o meu substituto por falta de definição, foi relatado a questão da dificuldade de se estabelecer metas de redução das horas-extras no DMAE...Na oportunidade não pude deixar de resgatar a minha experiência traumática com este tema das horas-extras, creio que arrebatado pela força deste sentimento pré-saudosista de que estou vivendo os últimos dias neste universo denominado DMAE, antes da aposentadoria que me conduzirá para outras esferas da minha existência.
     Quando assumi a Direção da DVM, que tinha 150 funcionários em 1997, busquei implementar várias ferramentas dos compêndios de “Gestão de Qualidade”, tais como indicadores com metas gerenciais, check-lists, procedimentos operacionais padronizados (POPs) e valorização do enfoque preventivo da manutenção visando minimizar ao máximo a necessidade de intervenções corretivas. Praticamente tudo isso que agora, mais de dez anos depois, está finalmente se espraiando em todo o Departamento.
      Buscando criar uma gestão democrática estimulei, na época, a criação de um Conselho Técnico no âmbito da Manutenção, composto pelas chefias e por representantes dos funcionários, com reuniões mensais. Mas...tudo ia muito bem até que a Direção Geral resolveu instituir um corte de 20% a varrer para cada diretoria, visando combater a chamada “Indústria de Horas-extras” (conotação pejorativa do tema, insinuando que há uma “fabricação em escala industrial” de horas-extras, sem que haja uma real necessidade de sua ocorrência, a não ser por mera complementação salarial sistemática). Significava que, como na Manutenção se totalizava cerca de 6.000 horas-extras (média de 60 horas feitas por 100 funcionários), deveria se extinguir 1.200 horas-extras/mês na DVM, logo cada servidor deixaria de fazer 12 horas na média. Utilizei o critério da divisão proporcionalmente igualitária dos prejuízos, cada funcionário deixaria de fazer 20% de sua própria média histórica de horas-extras. Além do desgaste diário, deu um trabalhão para gerenciar a equanimidade das perdas e danos!
      Alcançamos a meta, mas esta realização custou o meu pescoço: fui defenestrado do cargo de diretor da Manutenção, com pouco mais de dois anos na função (ainda bem que com o tempo suficiente para incorporar a função gratificada ao salário). A degola foi executada pela nova Direção Geral (que referencio ironicamente como a da “invasão dos bárbaros do DMLU no DMAE’) que assumiu no meio do mandato, em função de que a diretoria antiga, que havia me nomeado para o cargo, estava assumindo a CORSAN no governo estadual, território recentemente conquistado pelos, até então, “companheiros petistas”, através da eleição de Olívio Dutra como governador.
      Pela primeira vez na história deste Departamento...ele era assumido por um grupo de alienígenas, militantes partidários vindos em bando de fora dos quadros do DMAE. Politicamente este grupo aproveitou o descontentamento funcional provocado pelo corte das horas-extras para abrir espaço gerencial a fim de empregar os seus membros. Assim, guardadas as proporções, feito os líderes da Revolução Francesa, eu fui levado à guilhotina pelo mesmo movimento sindical que eu próprio havia criado dentro da DVM, do DMAE e da Prefeitura como um todo.
      Aprendi na carne, a duro custo do esfacelamento das minhas ilusões, que na política não basta querer fazer acontecer “um mundo melhor”, tem que se estar no lugar certo, na hora-certa e do lado certo em que a história vai se realizar. É a fenomenologia da dialética hegeliana, pois de boa intenção o inferno está cheio!
     Na época até fiz um poeminha:

Demissão da Direção da DVM


A Dona DVM
ocupa todo o meu tempo
me enche tanto a cabeça
afeta muito os meus nervos
e não me faz mais feliz
A Dona DVM
suga toda a minha força
e toda a minha criação
monopoliza os meus atos
deprime o meu coração
A Dona DVM
já teve o seu reinado
(tiranizou-me um bocado)
que agora chega ao fim
A Dona DVM
que me viu crescer
agora eu quero
vê-la novamente nova
vê-la com bem querer.
                                         29/05/99
     Hoje esta questão do enfrentamento da “indústria de horas-extras” evoluiu, é equacionada racionalmente pelo estabelecimento de cotas limites, diferenciadas por área de trabalho e tipos de atividades; cotas estas que vão sendo gradativamente reduzidas ao longo do tempo, sem provocar mais grandes motins e revoltas operárias. Mas, mesmo assim, este ainda é um torniquete difícil de apertar, como pudemos verificar no relato dos recursos humanos na reunião do GMD.
      Pra finalizar o assunto, a minha melhor obra na Direção da Manutenção, divisão onde fiz praticamente toda a minha carreira profissional (iniciei na Secretaria da Fazenda Municipal em 1974 como auxiliar de escritório, em seguida fiz concurso para o DMAE como escriturário em 1976, com vinte anos de idade, depois fui auxiliar de serviços técnicos, fui técnico industrial e, finalmente, engenheiro), resultou sendo a realização da “Festa de 30 Anos da DVM” em 1997, por ocasião da inauguração dos novos prédios da Divisão. Foi realmente um evento marcante na época, com o impacto da contratação de todo o serviço de comes-e-bebes servidos por uma equipe de garçons com trajes a rigor, inclusive com a edição impressa de um volume contando a história da criação e desenvolvimento da DVM, trabalho que também também foi apresentado numa exposição em murais naquele dia. Mas o destaque da festa foi mesmo o caráter de convite especial que enviamos a cada ex-colega aposentado, como sendo aquela uma festividade de homenagem às pessoas que construíram a história da Manutenção, enfoque que contrariou bastante a espectativa da Direção Geral,  para quem a festa era de inauguração dos novos prédios. A foto reunindo os aposentados presentes na Festa de 30 Anos da DVM está pendurada na parede da nossa sala de trabalho (da qual bati a foto digital acima); e como dizia a velha e boa canção do Belchior: “na parede da memória esta lembrança é o quadro que dói mais”.

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