DEU A LOUCA NO MUNDO?

       O dólar caí e atinge a  menor cotação desde 1999. Perigosamente à beira do calote, Obama vai pra TV pedir o apoio da oposição republicana para o Congresso elevar o limite da dívida pública Americana. Ao mesmo tempo, sinalizando o fim de uma era de absoluto domínio imperial dos EUA sobre o planeta, o governo americano encerra o Programa de Ônibus Espacial.

O programa começou com o lançamento do Columbia (1981), que se desintegrou em fevereiro de 2003 matando sete astronautas, quando regressava à atmosfera. Em seguida foi o Challenger (1983) que explodiu segundos após decolar em 1986, onde todos os sete tripulantes também morreram. O Discovery (1984), Endeavour (1992) e o Atlantis (1985) funcionaram com sucesso até serem  aposentados sucessivamente nos últimos três meses, encerrando com 135 voos os 30 anos do programa. Com estes ônibus nossas fantasias espaciais obtiveram um meio de transporte real para nossos sonhos de voar pelo espaço, nossa visão do universo se ampliou  quando o Discovery implantou o telescópio espacial Hubble e a construção da Estação Espacial Internacional nos possibilitou uma pousada concreta no infinito.
Com os EUA em crise, o futuro do ônibus espacial será de atração turística nos museus. Mas estará indo para o museu também o capitalismo ortodoxo do ocidente por estar sendo superado pelo new-capitalismo da China comunista? Os chineses são hoje, quem diria, os maiores acionistas da economia americana. Para enviar seus astronautas até a Estação Espacial Internacional, por ironia, os ianques terão que pagar passagem nas naves russas, assim como nós pagamos à NASA para que o nosso astronauta brasileiro pudesse desenvolver a sua experiência do “pé de feijão cósmico”. Ver os americanos se lascarem pode ser divertido, mas como vamos harmonizar nossas fantasias de viagens siderais com direitos humanos e  a fraternidade universal se o modelo político que parece prevalecer é  o do comunismo autoritário da China capitalista?
Que tempos são estes em que ocorrem manifestações de rua em protesto contra o euro em vários países membros da União Européia, por falência e falta de liberdade econômica das nações, e ao mesmo tempo surgem revoluções espontâneas convocadas pela internet em vários países do mundo árabe pedindo liberdade? Deu a louca no mundo? Em que viagem vamos entrar?...

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Obs: Esta postagem já segue as orientações da Oficina de Crônicas que estou fazendo com o lendário jornalista Walter Galvani, dos tempos áureos da antiga e saudosa Caldas Junior não igrejeira, ou seja, contém menos do que 2.400 toques (contando os espaços em brancos)!

OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS

        Ontem  encontrei um aposentado da velha guarda da Prefeitura, digamos que já tenha uma década e mais alguns poucos aninhos usufruindo do benefício, mas daqueles que se aposentou lá pelos 60 anos. O cara era um engenheiro que manipulava com maestria desde a régua de cálculo até a calculadora eletrônica, mas que quando a revolução da informática estava pegando pra valer, ele já estava arrastando as botinas pra se aposentar e sem pique ou interesse para querer se reciclar. Convenhamos que muita gente ainda hoje, que continua arrastando as botinas batendo ponto para não se aposentar, não conseguiu se reciclar para acompanhar o ritmo de mudanças que a informática está exigindo, virando tudo o que se fazia antes de cabeça pra baixo. Muitos velhinhos vão empurrando com a barriga e com a ajuda dos colegas mais jovens, ficando com as  reduzidas tarefas que não se envolvam com as infinidades de sistemas gerenciais informatizados, sistemas que povoam os órgãos públicos feito vermes de geração espontânea.
        Quando encontrei este meu ex-colega da ativa, fiquei empolgado em pegar o seu email para lhe enviar um link de acesso do blog, pois há várias matérias em que ele esteve envolvido pessoalmente:
- E aí, meu antigo colega da ativa e agora meu novo colega nos inativos, firmeza?
- Firmeza. Tu te aposentou?
- Entrei para o Clube dos Inativos, a aposentadoria finalmente chegou, caí na ociosidade! Mas me diz uma coisa, tu acessas estes troços de internet e emails de computador?
- Não, por quê?
- É que estou escrevendo num blog umas historinhas sobre nossos tempos de trabalho, e agora também sobre as questões de aposentados, e queria o teu email para te enviar um link...
- Pois é...Mas tu podes me dar o endereço que eu peço para a minha filha abrir pra mim, lá na casa dela...
       Fiquei a princípio surpreso e desconcertado, desconversei dizendo que depois a gente faz isso e saí apressado para assimilar o real significado daquela revelação que me comoveu tanto. Segui caminhando e profundamente penalizado com o grau de limitação que ficam as pessoas que vivem excluídas da internet.  Percebi que há um divisor de águas profundas entre os antigos e os novos aposentados, que é o cyberespaço!
      Só agora compreendo o real sentido do medo da aposentadoria que tem os filhos da minha geração e adjacências, posto que antes do advento da globalização WWW realmente só restava a televisão e o  sofá da sala, o Windows era literalmente a janela pra rua restrita onde se vivia. Ouço falar muito das políticas públicas de inclusão digital dos jovens da periferia e sempre achei meritória e fundamental esta preocupação, tendo como referência os nossos filhos que mal deixaram de  engatinhar e já  brincavam com jogos didáticos no computador. Sei que tem também várias iniciativas de inclusão digital para a terceiridade, para quem são cada vez mais excludentes as novas tecnologias que norteiam os procedimentos cotidianos das pessoas.
Cada vez que vou pagar uma conta num terminal de auto-atendimento, ou simplesmente sacar dinheiro, ficou pensando na minha mãe diante daquelas telas pedindo senhas de números, de  letras e de sílabas que ficam trocando de lugar para te confundir mais do que aos ladrões...Com quase 90 anos, mesmo estando bem lúcida, ela está completamente excluída  de exercer as triviais atividades de receber seu salário de aposentada e de pagar suas próprias contas. Precisa que alguém faça isso por ela, por ser uma deficiente digital!
         Certamente este não é o caso do meu colega engenheiro aposentado, como não é o de muita gente de meia idade, que constitui um universo significativo de pessoas que conseguem dominar satisfatoriamente estas operações básicas de sistemas bancários informatizados envolvendo senhas e códigos de barra. Gente que se viu forçada a se adaptar aos procedimentos comerciais da modernidade, mas não aderiram ao chamado computador pessoal (PC) com seus emails e chats. Também há muita gente que conseguiu dominar as comunicações pelos emails corporativos das empresas onde trabalham (ou trabalhavam), onde foram forçadas a se adaptarem aos PCs em suas rotinas de trabalho, mas que não acompanharam as revolucionárias mudanças comportamentais no meio digital provocadas pelas redes de relacionamentos, tipo Orkut, Facebook e twitter.

        E pensar que a maioria da população ainda desconhece que se pode produzir blogs pessoais, não sabe que se pode assistir aos vídeos que se quiser no Youtube e, a mais sacana das injustiças, não sabe o que é dispor do maior oráculo de todos os tempos para responder às suas dúvidas através da enciclopédia universal do Google...
        Desde então, eu que felizmente me apropriei minimamente destas ferramentas digitais, passei a ter uma compreensão mais contextualizada do porque é tão temido pelo pessoal da era pré-digital o “tempo ocioso” da aposentadoria, justamente este pessoal que atualmente está tendo que se aposentar. Só agora compreendo melhor este temor, pois até então achava que tudo se resumia a se ter ou não uma vida interior para ser desenvolvida prazerosamente no tempo ocioso. Contudo, com o envolvimento de tempo que o cyberespaço demanda da gente para as meras funções básicas, tais como ler e enviar emails, se informar da agenda cultural e de notícias, além de teclar online com os filhos, cônjuges e amigos, reconheço que o tempo ocioso da era pré-digital poderia ser muito longo, especialmente se nem blogando aqui  eu estivesse!
       Mas a boa notícia aos aposentaNdos que, como eu, dominam minimamente as ferramentas digitais da pós-modernidade (nem tanto como os nossos filhos que fazem isso tudo no celular!), é que não há tempo ocioso na aposentadoria, pelo contrário, falta tempo. É preciso esforço para nos desgrudarmos do computador e buscarmos atividades aeróbicas e socializantes fora de casa. Os aposentados pós-modernos tem, portanto, dois mundos para povoar: o cyberespaço da vida virtual e o espaço mundano da vida real. Acreditem, falta tempo!

PRECONCEITO LINGUÍSTICO, QUEM NÃO TEM?

         Quando iniciou esta polêmica do preconceito linguístico, criando-se um zum-zum-zum na mídia e na faculdade de Letras da UFRGS onde estudo, sem ter visto o tal livro Por Uma Vida Melhor, patrocinado pelo MEC e destinado ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA), pensei se tratar de mais um dos exageros esquerdistas do catecismo do PT.
        Algo como a bobagem de dizer que a noção de certo e errado é a instituição de um preconceito utilizado como instrumento sociolinguístico de segregar as pessoas “ignorantes” do povo das elites “cultas” da classe dominante. Que seria uma pregação panfletária dizendo que também é correto se dizer “os livro” ou “nós pega os peixe”, apenas que com o sério agravante de não ser mais no megafone ou no palanque de uma esquina democrática, e sim nos livros oficiais distribuídos pelo MEC em todo o território nacional. É a voz do poder insultando a própria elite dominante!...

          Entendi que a coisa era pra valer no ensino da língua depois de ver um encarte do jornal ZH de dicas do Cursinho Unificado Pré-Vestibular destinada à prova do ENEM de “Redação e de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias” que, traduzindo do catecismo petista, significa simplesmente “Prova de Português”. O encarte sobre Variação Linguística reproduzia  a seguinte dica: Aquele que engole os esses, que não conjuga o verbo na segunda pessoa e que flexiona o verbo haver no plural está falando português também, embora em uma variedade distinta da norma culta. Então, o Enem quer que os estudantes saibam que a língua varia e que a norma culta é apenas uma das muitas variedades existentes. Acima de tudo, é importante respeitar as diferentes variedades como língua portuguesa.
        Até então, esta conversa de preconceito para mim era bobagem, pois na prática achamos interessante a fala pitoresca da forma popular não culta, será?...Claro que as falas tradicionalistas do interior, os gauchismos, as alemoadas, as italianadas, as arábicas, etc., tem seus encantos ao atravessarem as concordâncias, mas “nós pega os peixe”  do Zé da vila dói, né?...Preconceito, eu? Será?...

           O crachá de preconceituoso entrou na minha cabeça e ficou enroscado no meu pescoço a me sufocar quando, numa conversa familiar em torno da mesa, me peguei corrigindo uma frase dita pela minha mãe, que tem 87 anos e que, sem nunca ter entrado numa escola, lê o jornal todos os dias e escreve com uma letra mais bonita que a minha. Percebi, então, como o preconceito funciona dissimulado, atua como se fosse uma atitude de compaixão, de ajudar ao próximo a corrigir os seus “erros”. Que necessidade teria, a esta altura da vida, a minha mãe de se comunicar na forma culta se o que interessa mesmo é o imenso conteúdo que tem para nos comunicar e o faz com maestria? É como dizia o grande comunicador de massas Chacrinha: Quem não se comunica se trumbica!
         Fiquei com esta pulga do preconceito linguístico coçando atrás da orelha e fui pedir ajuda aos mestres universitários.  O Juremir Machado, mestre de jornalismo, puxou a orelha dos seus alunos opinativos: Na polêmica do que é correto ou não em português, vimos especialistas dando carteiraços a torto e a direito e jornalistas revelando uma ignorância primária, no melhor estilo "certo é certo, errado é errado". Sempre foi assim, assim será ou corremos o risco de ver a língua perecer. Alguns jornalistas revelam o conservadorismo que os caracteriza em qualquer situação. Qual a minha posição afinal? Não estou com os defensores do livro do MEC nem com os seus críticos. Sei que as línguas mudam todo tempo e que servem de sistema de hierarquia social. Não acredito, porém, que todas as variações sejam equivalentes ou que um modelo seja imposto meramente por distinguir os seus usuários. Acredito numa construção coletiva e histórica, uma competição permanente entre fórmulas e modos de expressão. O padrão culto resulta, para mim, de uma espécie de seleção entre formas distintas, sendo aquele que garante o maior grau de expressividade e clareza, até que uma regra é superada por outra ainda mais expressiva, alterando esse padrão. Em alguns casos, uma regra está ultrapassada, mas permanece realmente como mecanismo de distinção social.
        A princípio fiquei alinhado com esta posição, nem contra nem a favor (muito antes, pelo contrário!), e até transcrevi este texto do Juremir no meu facebook. Mas fiquei esperando pelos mestres especialistas que comandam a área de linguística na opinião pública riograndense, os professores Cláudio Moreno e Luís Augusto Fischer.
      O professor Moreno publicou uma sinalização do seu posicionamento sobre a questão: ...essa concessão que o livro do MEC faz às variantes populares, esse tratamento simpático e acolhedor dispensado, por exemplo, ao ”nós pega peixe”, vai contra tudo o que os alunos do EJA esperam da escola que frequentam com tanto sacrifício (e esses eu conheço muito bem; lecionei, por anos a fio, nas turmas da noite do Supletivo). A Linguística, ciência moderna, estuda a língua como um organismo multifacetado, em constante mutação, impossível de ser aprisionado em preceitos que regulem o seu emprego; o usuário comum, por sua vez, quer estudar a língua como um sistema padronizado de regras aceitas pelo consenso das pessoas cultas. O grande contingente que reagiu contra a publicação do MEC não estava, a meu ver, repudiando o saber dos cientistas da linguagem, mas sim enviando um claríssimo recado que os linguistas insistem em não ouvir: não é isso o que esperamos da escola... E continua: Para o lingüista, como para o biólogo, não há certo, nem errado – há o natural, o orgânico, o espontâneo. A escola, ao contrário, é obrigada a proceder uma seleção dos valores de memória cultural que os alunos deverão compartilhar; cabe a ela, em nome da sociedade que representa, determinar o que é pertinente (e o que não é) em História, Matemática, em Literatura e em Língua Portuguesa, onde se faz sentir esse incontornável caráter político da instituição. Mesmo sabendo, graças ao trabalho dos linguistas, que há uma grande variedade de dialetos no Brasil, na escola é necessário difundir uma língua culta que sirva de fator de coesão do tecido social e cultural do país. O que fazem alguns lingüistas de esquerda é tomar a causa pelo efeito: a língua culta não é adotada na escola por ser a variedade adotada pelas elites, mas, ao contrário, ela foi adotada pelas elites por ser um instrumento admirável que vem sendo aperfeiçoada ao longo dos séculos. É uma escolha essencialmente cultural e o ensino da “língua culta” é uma tarefa de Hércules entregue aos professores, sem pretenderem anular as demais variedades, para que os alunos não tenham que carregar o pesado fardo da exclusão social a que ficariam condenados em nome do duvidosos “princípios científicos” contidos no livro do MEC.
         O professor Fischer também entrou no jogo fazendo este meio de campo entre o científico saber linguístico e o seu conflito com a perspectiva de aprendizagem do aluno: Bilac e Rui equivalem a uma aula de língua materna que seja a exposição (e a consequente imposição) de um padrão pedante e incompreensível, assim como equivalem a uma aula de língua materna que privilegie (quando não exclusivize) ortografia e vocabulário requintados. Sim, calma aí: todo o aluno deve ter acesso ao melhor da língua, Machado de Assis, Fernando Pessoa e Shakespeare traduzido, e todo professor tem que se esforçar para ser erudito em seu metiê; mas não é com eles que se começa a conversa, nem é ditando um padrão único que se ensina a entender os mecanismos da língua. Papo para muitas outras mangas ainda, é claro...
Ou seja, os mestres universitários estão pisando em ovos para tratar do assunto, tanto que o notório conservador Percival Puggina aproveitou a bola picando deixada pelo Fischer para lhe dar um bico nas canelas no twiter: O escritor Luis Augusto Fischer, defendendo as teorias do MEC, dá uma aula de sofismas em ZH de sábado.
           Esta polêmica do ensino do português é uma boa oportunidade para “mim adentrar” neste universo no qual sou calouro, o estudo acadêmico de Letras. Doeu no ouvido o para “mim adentrar”? “Mim não fazer nada”, diz o maçete dos cursinhos pré-vestibulares, quem faz sou “eu”! Pois consta que o Celso Pedro Luft, gramático, lingüista e professor de todos os mestres universitários atuais, conforme conta o professor Fischer, assim começou sua intervenção numa conferência para falar sobre seu livro Linguagem e Liberdade (1985): Pediram para mim falar com vocês sobre língua e liberdade”. Diz a frase e faz a pausa dramática que vem  do desconcerto da platéia, todos professores que se policiam muito para não dizer “para eu falar”.  E o grande Celso Luft começa a discorrer sobre a variante popular do Português. Que a escola não devia discriminar  os alunos que usassem variantes não-letradas; a escola deveria acolher essa realidade linguística, para depois ensinar a variante culta, à qual todos deveriam ter acesso. A ênfase de sua defesa do “errado”, entre  muitas aspas, foi combatida e instalou-se a polêmica.
       O professor Paulo Guedes de redação da UFRGS, também no Caderno de Cultura da ZH que homenageava Celso Luft, falando sobre o livro Linguagem e Liberdade que trata do preconceito tradicional sobre gramática como sendo um sistema fixo e morto, cita outro livro, Preconceito Linguístico (1999) de Marcos Bagno, que mudou o rumo da discussão nacional a respeito da língua e do seu ensino. O debate sobre linguagem tem que ver com liberdade por ser também um problema político, considera Guedes: pois Luft não foi daqueles que se dedicaram a informar o povo brasileiro que Lula, por não falar português direito, não poderia ser presidente da República.

       Foi assim, trilhando pelas pegadas dos mestres universitários, sem acatar acriticamente seus “carteiraços de especialistas”, mas precisando desesperadamente afrouxar o sufoco do “crachá de preconceituoso lingüístico” que continuava enroscado no meu pescoço, que acabei comprando o tal livro divisor de águas do Marcos Bagno: Preconceito Lingüístico – O que é, como se faz.
         O cara tripudiou, escancarou o meu preconceito enrustido em túnica de bom samaritano; me deu nos dedos, feito uma palmatória! Doeu, mas o convencimento da minha “culpa” foi feito com bons e contundentes argumentos: Todo falante nativo de uma língua é um usuário competente da língua. Entre os 5 e 6 anos uma criança já domina integralmente a gramática da língua. Portanto, não existe erro de português, existem alternativas de uso em relação à regra normativa. Não confundir com erro de ortografia, que é uma imposição política decretada por algumas poucas cabeças reunidas pelos palácios do poder. A  ortografia é artificial, ao contrário da língua, que é natural. Toda língua muda e  varia, o que hoje é visto como “certo” já foi “erro” no passado. A língua portuguesa segue seu rumo e não pode ser detida em suas transformações. É preciso respeitar a variedade linguística das pessoas, pois a língua está em tudo e tudo está na língua. Nós somos a língua que falamos, e bem ensinar o português é respeitar o conhecimento intuitivo do aluno.
        Depois de escutar tantos mestres sobre Preconceito Linguístico – O que é, como se faz, tive que aceitar o crachá. Como diz o ditado popular, quando um Celso (Luft) fala o outro Celso (eu) baixa as orelhas:
- Preconceito linguístico, eu? Tenho sim, você não?...

O QUE UM APOSENTADO FAZ COM O SEU TEMPO?

Cada um que encontro vem sempre com a mesma pergunta:  O que estás fazendo com o tempo?! Falam exclamativamente como quem diz: Como estás conseguindo ser o tempo todo o senhor do teu tempo, sem ter um esconderijo onde bater o ponto e se esconder para deixar que o tempo da tua vida escoe por oito horas diárias, com um breve intervalo para o almoço, de segunda à sexta-feira?! Ui, que medo que se criou do tempo disponível na aposentadoria!...
Respondo pacientemente da mesma maneira a todos, que é uma deliciosa sensação de liberdade não precisar mais se adiar e agora ter que decidir a cada momento o que fazer com o seu tempo. Estar aposentado implica numa mudança de ritmo e de estilo de vida, em não ficar mais no superficial que a pressa exigia, sempre deixando para fazer e aprofundar as coisas depois, mais adiante...O depois já chegou, é agora: ando pelas ruas batendo fotos das cenas da vida cotidiana (como estas das garças da Av. Ipiranga)!
           A propósito, pensando como abordar este tema no blog de maneira que eu pudesse provar que é uma coisa muito boa estar-se aposentado, até brotou um poeminha que compartilhei no meu facebook, com um sugestivo título: A Prova
           “Aposentadoria integral e com paridade
            É a vida que um ateu pede a Deus
            Para que prove a sua existência e idade
            Mas crente que provará a razão dos ateus.”
Contudo, sinto que há falta de concretude nesta minha descrição de como é a vida pós-aposentadoria. Principalmente por que tenho me dado conta que somente agora o blog Diário de Obra de Um aposentaNdo chegou no âmago de sua temática principal. Até então, vínhamos tratando das expectativas tensionadas pelo medo do desconhecido do além da vida rotineira do local de trabalho, e pelo filão de postagens de memórias coletivas e pessoais contadas por mim, um personagem dessas histórias. Muitos de nós há de ter pensado que o blog já cumpriu a sua função, que já  teria se esgotado em seus surpreendentes mais de 7.500 acessos. Confesso que vinha analisando honestamente esta hipótese, mas acabo de concluir pelo contrário, que agora é que o blog pode vir a ser realmente útil para os novos “aposentaNdos”, mostrando que há vida e como é ela além do horizonte do cartão ponto. No fundo, o que as pessoas realmente estão interessadas é saber como se faz para desmistificar este mito da “figura do aposentado de pijama sentado em frente à televisão e enchendo o saco da família com sua inutilidade”.
      Esta nova etapa do blog, todavia, vai exigir que eu consiga retratar esta realidade desconhecida com concretude suficiente para que os leitores consigam visualizá-la, isso talvez exija um talento para escrever não disponível em mim. Será preciso mostrar mais do que simplesmente descrever com adjetivações a vida de um aposentaNdo, com N maiúsculo!...
Bueno, vamos lá tentar! A nova empreitada  consiste basicamente em responder a uma única questão que permeia geral todas as perguntas: O que fazer com tanto tempo livre, para não cair no tédio e na depressão?
Estou recém completando dois meses consecutivos de liberdade incondicional, maio e junho. É cedo ainda para se ter domínio de como vai funcionar a longo prazo, se em algum momento vai surgir o tal monstro do fundo do lago do tédio para me amedrontar, como quase todo mundo acredita que, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer!...
            Penso que o medo da vida a ser vivida só acontece com quem teve medo de viver a vida já vivida antes, que a viveu confinada nas rotinas coletivas sem garantir espaço para desenvolver sua individualidade e que perdeu de vista a criança que foi. Sou daqueles, como o Saramago, que diz: Quando me for deste mundo sairei de mão dada com a criança que fui.

Concretamente, a minha estratégia  básica de preparação para a aposentadoria foi nunca ter deixado de ser um estudante universitário (sou calouro de 1979!). Depois de já formado em engenharia, quando eu estava às vésperas de me aposentar com apenas 51 anos de idade, antes de entrar em vigor a lei antiga do Fernando Henrique (que passava a exigir 53 anos de idade mínima), eu fiz vestibular para Filosofia e  frequentei este curso por sete anos, até ser ameaçado de jubilamento pela UFRGS. Assim,  quando novamente às vésperas de me aposentar com 56 anos (pelas novas leis do FHC e do Lula), em 2010 fiz novo vestibular (junto com a minha filha!), agora para o Curso de Letras, no qual estou cursando no terceiro semestre ainda as disciplinas do primeiro, posto que fazia apenas uma cadeira por semestre (o limite que era permitido em horário de expediente!).
Devido a esta estratégia básica, atualmente a minha rotina de aposentado contempla três idas ao Campus do Vale (na fronteira com Viamão!) para assistir aulas de “Español I” às 8 horas da manhã. Logo, não é como se poderia imaginar, que eu ficaria dormindo até bem mais tarde todos os dias. Assim, por três dias tenho acordado e saído no mesmo horário de sempre. Em compensação, pelo menos sobram dois dias na semana para eu dormir até mais tarde, né?... Sim, mas não até muito tarde, até às 8 ou 8,30, no máximo 9 horas, senão atrapalha o apetite do almoço que continua tendo o horário rígido estabelecido pelo trabalho da minha mulher.
        Depois das aulas costumo tomar um café-expresso enquanto leio o jornal calmamente numa cafeteria, ao invés de voltar correndo para bater o ponto, o que me dá diariamente a sensação de ser um pássaro libertado da gaiola. Não se trata de uma mera metáfora adjetiva, se trata realmente de uma emoção orgânica de liberdade sentida de fato.
        Durante pelo menos duas tardes por semana tenho procurado fazer caminhadas úteis, tipo ir até o centro para quebrar algum galho e voltar, ou ir até a Padaria da Nona, em frente ao campo do Grêmio, para comprar o lanche, ou outras voltas úteis, para evitar a monotonia de caminhar na esteira sem sair do mesmo lugar. Donde cheguei à conclusão que moro a meia hora de distância de tudo, até do cinema do campus central da UFRGS, onde já fui assistir ao filme Cidadão Kane, no festival sobre Orson Welles, em pleno horário de expediente e grátis, não é o máximo? Estou ligadão na agenda cultural matutina e vespertina da cidade...
A feitura deste blog é uma ocupação prazerosa que ocupa tempo, muito tempo! Primeiro na elaboração dos textos, como esta tarde agora em que estou escrevendo esta matéria sobre o tempo; e outro tanto do meu tempo ocupo “blogando” propriamente, ou seja, editando no blog os textos com a busca das figuras e fotos para suas ilustrações.  Escrever é a minha compulsão, e sempre o texto mais recente é o mais importante do que os outros que já foram os mais importantes ontem e anteontem, e todos tentam furar a fila de espera para postagem no blog. Muitos textos conseguem furo na publicação pela atualidade do tema, tipo o texto sobre a greve dos municipários que tinha que ser publicado na época da greve, senão perdia o impacto e o interesse de ser notícia quentinha.
Também tomei providências para oferecer outras opções de ocupação do meu tempo, tais como aumentar consideravelmente a capacidade do meu provedor de banda larga na internet, para poder acessar mais e melhores conteúdos da rede mundial; como também tratei de adquirir acesso ilimitado aos conteúdos dos canais fechados de televisão, para ter a possibilidade de finalmente conhecer o que está sendo disponibilizado nesta infinidade de canais. Por enquanto, só encontrei tempo de assistir aos jogos de futebol do meu time, o Internacional; nem ao canal TVEspañola consegui assistir ainda para reforçar minhas aulas de español.
Tudo bem, somando e subtraindo e tirando os “noves foras”, sobra algum tempo que tem que ser otimizado com racionalidade para que eu possa dar conta, gradativamente, da “Lista de 100 coisas para fazer da aposentadoria”. A Lista do Celsol eu postei incompleta aqui no blog em dezembro/2010 com 73 itens,  a  qual reapresento agora integralizada com as 100 Coisas, formatada em planilha para monitoramento legendado. Alguma poucas coisas já constam como “realizadas” e outras “em realização”, mas a grande maioria estão como “pendentes”. Com certeza muitas outras coisas surgirão querendo se agregar  à esta “versão 2” da minha Lista de Coisas para fazer: