O Meu Discurso de Rei Gago

          No filme O Discurso do Rei pude me identificar com o drama do personagem que é baseado no caso real do Rei George VI da Inglaterra, casado com a Rainha Mãe e pai da atual Rainha Elizabeth II, cuja gagueira era bem maior do que a minha. Com 12 indicações para o Oscar 2011, o filme ganhou ontem os quatro principais prêmios da Academia de Hollywood: Melhor roteiro original, melhor diretor, melhor ator e melhor filme!
         No mês de maio de 2010 postei um texto aqui no blog, intitulado O Qui-qui-qui, referente a um apelido que eu havia ganho no movimento sindical devido à minha gagueira que se agravava quando discursava para grandes públicos. Naquele texto assumi o seguinte resumo como sendo o descritivo do meu perfil hoje em dia para colocar no facebook: Vejo mal, ouço pouco e falo com dificuldades; mas em compensação agora estou escrevendo tudo!!
Comentei também que quando eu estava cursando jornalismo (fala sério, fica mal um repórter gago fazendo entrevistas, né?) cheguei a frequentar o consultório de uma fonoaudióloga por uns três meses. Consegui parar de dizer “tlês” (feito o Cebolinha), pois aprendi a soletrar o “três” somente com mais de quarenta anos de idade. Mas não tive persistência para desenvolver técnicas de domínio da gagueira, até porque tive que abandonar o jornalismo e não fui forçado pelas circunstâncias a persistir, como o Rei Gago da Inglaterra que teve que dominar a sua gagueira para poder transmitir um discurso convocando todo o seu império a entrar na Segunda Guerra Mundial contra a Alemanha de Hitler.
           O curioso é que, pensando em aproveitar o gancho do filme para  fazer um texto sobre o tema da gagueira, enquanto procurava nas minhas papeladas as folhas dos exercícios trava-língua que a fonoaudióloga Zulmira Martinez me dava para praticar (tipo: o ladrão apedrejou o vidro da vidraça da drogaria, o malandro era da quadrilha Metralha de Madri, mas sua trama teve final dramático na madrugada, traficando drogas trôpego de drinques...) encontrei um texto “prontinho” que fiz sobre o tema naquela época, datado de 2002, aos 48 anos de idade, onde me revelo assustado  com a proximidade de me tornar um “cinquentão”. Texto que veio a calhar e me poupar este esforço de  re-elaborar esta questão  da gagueira que permaneceu intocada de lá prá cá:
Sociologicamente aos 50 anos inicia-se a terceiridade? A expectativa de vida hoje em dia, especialmente a dos gaúchos, supera os 80 anos. Tenho, portanto, mais 30 anos pela frente, quase um outro tanto deste  tempo já vivido, principalmente se descontarmos os 20 primeiros anos, como fases preparatórias que são para o início da longa e solitária caminhada de cada um de nós no rumo de nossos próprios pés. Até mesmo a nova legislação brasileira sobre previdência, recentemente atualizada, ao contemplar a aposentadoria como um direito às pessoas com 53 anos de idade (que já subiu para 60 anos!), acaba por estabelecer esta faixa etária como um divisor de água entre os “novos” e os “velhos”.  Se ao entrar-se na segunda metade, na parte descendente da curva da vida, e ainda persistir latejando nas  têmporas a pergunta que não quer se calar (afinal, quem  sou eu?), então é hora de se redirecionar as buscas para que haja uma interiorização profunda e definitiva, a fim de se promover o encontro entre corpo, alma, espírito, consciência, ego, superego, id e todas as outras entidades que povoam o universo de cada um. É hora da promoção da unidade, do equilíbrio e da serenidade para assumir-se construtivamente a aposentadoria: a tão esperada alforria dos horários e trabalhos forçados e desinteressantes. Portanto, a partir de agora,  minha chance é a de me mover em direção aos outros, externar o que sinto e permitir que os outros me vejam como sou (aí é que entrou o blog!); me permitir uma abertura de interação e enriquecimento com os outros, me permitir ser uma consciência integrada com as demais consciências do universo; me permitir dar vazão e sair em busca, com tudo, daquilo que anseio...”; me permitir romper com a sina de consciência solitária.
Quando jovem, eu costumava dizer que “ouvia pouco, enxergava mal e falava com dificuldade”. Ao longo da vida, movido por necessidades imediatas, fiz uma cirurgia de timpanoplastia que corrigiu a audição e passei a usar óculos a partir dos vinte e poucos anos de idade, mas continuei falando com dificuldades. Contra a minha gagueira nunca tinha havido antes alguma motivação imediatista que me levasse a buscar uma ajuda especializada. A gagueira nunca me diminuiu nem me impediu de nada, mas sempre me incomodou, como uma pedra no sapato, sem que houvesse uma trégua suficiente na longa caminhada para que eu prestasse atenção nela.
          Também a interiorização profunda precisa de motivações imediatistas para conseguir arrombar tempo, espaço e priorização financeira para se realizar nesta nossa cultura e estilo de vida ocidental. Considerando que não tenho nenhuma deficiência orgânica, conforme me foi atestado finalmente pela fonoaudióloga, compreendi que a gagueira é um sintoma manifestado justamente para chamar a minha atenção para a existência de um “nó emocional” que engasga a minha comunicação com os outros. A gagueira é a minha atual motivação imediatista que me move na busca de uma interiorização profunda, que me move para assumir o esforço de ir lá no fundo do poço resgatar a resposta perdida da pergunta “quem sou eu?”. Isto porque agora me interessa evoluir enquanto consciência que se comunica harmonicamente, me interessa deixar de ser uma consciência solitária no universo.
            Em que mares procurar a ostra com a pérola perdida? Certamente nos mares do inconsciente, lá onde estão afundados todos os nossos navios desta vida, da vida intra-uterina e de nossas vidas anteriores, possivelmente. Em que submarino fazer este mergulho com segurança e objetividade? Vamos devagar, vamos por partes, como dizia o Jack Estripador. Primeiramente vamos desenvolver as habilidades exploratórias  fundamentais no interior da cápsula de um consultório de terapia de revivências transpessoais (TRT), como em aulas práticas de mergulhos orientados e supervisionados por uma psicóloga iniciada na contracultura da vida além e aquém do aqui e agora. Nada que os tibetanos já não façam a séculos, apenas que com uma objetividade imediatista própria das terapias. A missão da terapia é buscar, nas práticas de revivências de épocas e vidas passadas, os momentos cruciais que deixaram gravados em nossa essência imutável (imortal) alguns mandatos. Mandatos estes que, como sentenças, maldições ou carmas, vamos cumprindo como autômatos, ao longo das sucessivas existências ( como pode ser o caso da gagueira), até que as suas misteriosas causas sejam revisitadas e seus mistérios desvendados. Assim, como que por um passe de mágica, desatando-se os nós dos complexos emocionais que executavam os mandatos, o indivíduo obtém a cura. O processo de cura é exatamente o mesmo da terapia tradicional, seja ela freudiana ou não; a diferença está essencialmente no método de localização das causas dos nós emocionais. Na terapia de regressões o sintoma, para o qual se busca a cura, orienta o inconsciente nas expedições de buscas para a localização expedita dos eventos vinculados com aquele sintoma, enquanto a consciência meramente assiste e vai registrando  tudo no diário de bordo. Já na terapia tradicional todo o processo de localização das causas se dá, basicamente, através de pesquisa da consciência sobre a memória emocional ou factual. Além da terapia de revivências ser potencialmente um veloz atalho para se chegar às causas, por se orientar pelas emoções e não pela razão, em  muitos casos, quando estas causas são ocorridas antes do nascimento, inacessíveis à razão, é  de fato a única terapia com ferramentas eficientes para produzir a cura.

         Mas, de qualquer forma, a falta de memória é um outro sintoma para o qual preciso buscar cura. Sendo este um dos fatores preponderantes que me fizeram optar por esta terapia, pois este sintoma dificultaria infinitamente a terapia convencional e não apresenta nenhum problema para a terapia de revivências transpessoais. Portanto, um dos fatores que me movem, repito, são as motivações imediatistas de buscar cura tanto para a gagueira quanto para a falta de memória (sendo que possivelmente os dois sintomas estejam de alguma forma vinculados). Mas há um outro fator preponderante que está por trás (e talvez por cima) destes todos: é o de encontrar a ostra com a pérola rara, com poderes de bola de cristal, que responderá definitivamente a pergunta “quem sou eu?”.
         Os mares do inconsciente humano são apenas praias do grande universo esotérico, em suas diferentes dimensões e níveis de consciência e energia; em suas imensuráveis potencialidades que, inclusive, possibilita a projeção extra-física do espírito humano. As questões filosóficas da vida, da morte e da articulação cósmica evolutiva destes estágios, são buscas mais amplas, menos imediatistas, mas que se impõem como pauta obrigatória deste renascimento cinquentenário: das cinzas da primeira metade fazer nascer o eu que sou eu verdadeiramente.

       Barbaridade, até havia me esquecido desta busca que havia feito com regressões a vidas passadas, experiência que este inesperado achado trouxe novamente à tona. Como nada acontece por mero acaso nesta vida, o fato de eu ter encontrado o texto transcrito acima justamente após assistir o filme O Discurso do Rei (Gago), do qual saí fortemente mexido e travado na minha gagueira, pode significar que eu tenha sido o Rei George VI – O Gago, numa encarnação anterior...acho que na minha aposentadoria vou ter que retomar a terapia de regressões a vidas passadas!...

RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE

       No último semestre de 2010 cursei a disciplina de Produção Textual no curso de letras que estou freqüentando na UFRGS, no qual me foi solicitado relatar um caso de emoção forte que eu tenha vivido:
       Um caso de emoção forte aconteceu comigo quando um exame de sangue serviu de sinal de alerta, o qual foi seguido de uma biópsia que me arrastou feito um tsuname “por mares nunca dantes navegados”...
       O primeiro impacto do anúncio da má notícia diagnosticada como sendo a difamada doença incurável denominada câncer, foi de experiências em estreitos canais dolorosos que nos arrastam e nos debatem em suas margens feitas de pontiagudos diagnósticos rochosos. Com rapidez alucinante me arrastaram do pacífico oceano da vida saudável, em que até então eu velejava em suaves ondas de calmarias, no rumo certo de um grandioso horizonte ensolarado, e me levaram até o agitado oceano do instinto de sobrevivência, em que se rema contra tudo: a correnteza, as ondas e o horizonte, e contra o rumo certo e inevitável do grande final de tudo o que é mortal.
       O diagnóstico de uma doença incurável divide a vida em dois: a alegre naturalidade do antes e a angustiante resignação do depois.
           No primeiro dia do resto da minha vida, que se delineava como sombria a partir daquele momento divisor de águas, naturalmente que uma profunda tristeza se instalou no íntimo da minha família, onde desandou uma avalanche de lágrimas convulsivas de desolação. Com a mente e o corpo doídos e os ossos moídos por me sentir suportando pessoalmente a finitude humana, desesperadamente busquei me resignar com a minha sorte e os meus azares, e passei a compartilhar a alegria de ainda estar junto, no aqui e agora, com os amigos, amores e familiares, aproveitando para ensinar e aprender a dizer adeus...
         Pela primeira vez em minha vida a morte e o medo da morte se colocaram como uma questão real e objetiva, não mais apenas como uma poética metáfora de quem encontra uma pedra no meio do caminho, mas como quem cai inesperadamente num abismo e precisa encontrar uma saída durante o curto período de queda livre que dispõe antes de se despedaçar no chão.
        Por isso, no segundo dia do resto de nossas vidas passei a viver uma segunda vida com hiper-realismo, onde cada detalhe do dia, da paisagem e cada pessoa ganhou especial significação e transcendental poesia. No segundo dia do que restou da minha vida a sentença diagnosticada já nem parecia tão fatal...
      Foi assim que no terceiro dia dos restantes da gente, após ter batido com a besta de frente, esse monstro de sete cabeças virou um moinho, um obstáculo a ser removido do caminho, um alvo de guerra neste quixotesco enfrentamento que exige perícia e rapidez nos movimentos. Ao terceiro dia desta andança de triste figura tocou de decidir o local, a data e a postura. Tocou de encontrar um escudeiro treinado em operar, um médico especialista que inspirasse confiança, domínio e tino, nas mãos de quem, cegamente, devia apostar a sorte do meu destino...
          Outras questões e medos povoam, como fantasmas, nossas mentes e corações aflitos nesta conturbada passagem, onde cresce o medo do desconhecido além pós-morte, na tensa expectativa de que mal possa ser curável e não fatal...
        No meu caso, a opção adotada foi pela intervenção cirúrgica através da técnica de “videolaparoscopia”, sem cortes, por apresentar melhores condições de pós-operatório e maiores possibilidades de minimização de possíveis sequelas.
        Concluído o procedimento, após o período de hospitalização, em que fiquei como um ser do filme “Matrix”, entubado no soro, no dreno e na sonda que se carrega pra casa como uma cruz; e sobretudo com uma ansiosa expectativa no resultado do exame laboratorial anatopatológico, que indicaria se o bicho tinha sido totalmente extirpado ou se o danado já havia se espalhado para outras regiões do corpo; voltei para casa com a recomendação que é preciso convalescer...
       Agora, completando três anos de pós-operatório, uma vez constatado o êxito da extirpação radical e total do câncer que estava absolutamente confinado, ainda que haja a recomendação de um monitoramento em exames periódicos ao longo de dez anos, a medicina finalmente diagnosticou a cura em definitivo do câncer deste organismo vivo denominado Celso Afonso Machado Lima.
- Vocês vão ter que me engolir!...

        Link  para a  versão original que é contada em versos:

O “APITA JOÃO!”

          O João, que estava entre aqueles aposentados desaparecidos há muitos anos, nesta semana reapareceu. O encontramos no “Caminho dos Aposentados”, na trilha que leva do Gabinete Médico até a farmácia Panvel conveniada mais próxima, que fica no posto de gasolina Ipiranga. O cara trabalhava no refeitório da DVM, num tempo em que a cozinha fazia café com leite pela manhã para oferecer para todos os funcionário que quisessem.  Nessa época a cozinha também fornecia café preto em térmicas para todos os setores e equipes, tanto pela manhã quanto pela tarde, e até para o pessoal em serviços extraordinários noturnos e de finais de semana.
          Naquele tempo, antes do Prefeito Collares acabar com o fornecimento de café para os servidores, como sendo uma grande economia para os cofres públicos, o refeitório era um local de encontro e de recreação da peonada. Era onde se jogava dominó e carteados rapidinhos, nos intervalos do trabalho. É, havia intervalos do trabalho! A coisa era super ordenada, havia horários limites para tudo: para encerrar o café da manhã, para a hora do lanche matinal e do vespertino (que ocorriam no meio de cada turno de expediente) e para abrir o refeitório para o almoço. Fora destes horários o refeitório ficava fechado para os demais servidores que não trabalhassem na cozinha. Na época do João, era a Vera, hoje já falecida, quem fazia o café e também o almoço para aqueles que contribuíam financeiramente para a compra dos mantimentos.
         Então, todos estes horários para abertura e fechamento do refeitório eram anunciados por uma sirene que soava no páteo de DVM. Como na década de 80 ainda não havia automações eletrônicas, a tal sirene era acionada manualmente pelo João. Assim, quando se aproximavam os respectivos horários de liberar o refeitório para o livre acesso da peonada, o pessoal começava a gritar, pelas portas dos pavilhões, por pura algazarra coletiva, até a sirene apitar:
- Apita João!

          O João, que no Dmae trabalhava como auxiliar de serviços gerais com a nobre função de apitar a sirene, costumava fazer biscates como garçom em bares e eventos noturnos. Seguidamente, portanto, ele vinha trabalhar “virado”, direto da sua atividade de garçom e aproveitava para recuperar o sono durante os horários em que o refeitório estava fechado. Costumava dormir deitado nos bancos de madeira entre as mesas. Então, para não correr o risco do dorminhoco perder a hora de apitar a sirene, o pessoal começou a tradição de gritar o que depois virou um folclore:
- Apita João!
       Com o passar do tempo veio a inexorável evolução tecnológica, e a sirene foi então conectada diretamente ao relógio ponto, de forma que ela passou a apitar automaticamente, sem precisar mais da intervenção do João.
       Contudo, pelo divertido espírito de gozação, permaneceu o ritual de anunciar os horários de abertura do refeitório com os gritos pipocando pelo pátio:
-Apita João!
         Mas o João passou a se irritar com aquela ”zoação” pro seu lado todo o santo dia e começou a responder aos gritos:
- Quem apita é a mãe!
         Por um longo período ainda se ouvia esta trova no páteo da DVM:
- Apita João!
- É a mãe!
         Assim, o João acabou incorporando a sua função como um apelido, e passou a ser conhecido como o Apita João!.
        Quando o vi eu gritei do outro lado da rua abanando para ele:
-Apita João!
-É a mãe! – Respondeu ele, rindo alto e escancarando sua boca nua.
        Pois o Apita João, encontrado rapidamente no Caminho dos Aposentados, diz que continua atuando como garçom, mas está muito envelhecido e completamente sem dentes; parece um alerta avisando que com a decrepitude da idade a gente não apita mais nada...

O DIA EM QUE VI UM RINPOCHE

            Na Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, diz que o termo Rinpoche é um título do budismo tibetano que se dá a um lama considerado precioso em função de seu conhecimento e prática. Rinpoche significa literalmente "um precioso", e é usado para tratar ou descrever lamas tibetanos que são reencarnações de antigos mestres.
          Enquanto um estudioso iniciante que sou do budismo, ainda não sei bem o significado do título Rinpoche, só sei que após três anos meditando diariamente e assistindo a praticamente todas as palestras do Lama Padma Santem, o nosso trilegal Lama portoalegrense, no dia 08 de novembro de 2010 eu vi um Rinpoche. Não como uma aparição em um transe meditativo meu, mas como um ser real: baixinho e gordinho.

Sogyal Rinpoche, autor do aclamado “Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, que já vendeu mais de dois milhões de exemplares em  56 países e em 31 idiomas,  pela primeira vez no Brasil, deu uma palestra em inglês no auditório do Colégio  Rosário. Pra começar, foi uma aula sobre tradução oral, pois durante todo tempo o Rinpoche ficou orientando a tradutora sobre a entonação, pedindo sempre mais vibração e mais ênfase oral em determinados trechos da palestra, conforme a moça ia traduzindo. A guria tradutora sofreu com a exigente preocupação do mestre tibetano em transmitir  para o público, da melhor maneira possível, aquilo que estava ensinando. Ele chegou até a dar uma caminhada lá pelo fundo do auditório, enquanto ela traduzia um trecho do livro, para verificar se todos estavam ouvindo bem a versão traduzida de sua fala. No final, emocionada, a moça foi presenteada com uma  espécie de echarpe tibetano, colocado em seus ombros pelo próprio Sogyal Rinpoche. Para um budista: é a glória! (É como a tatuagem feita pelo Paul McCartney nos braços das suas duas fãs no seu show no Beira Rio).

Sob o título de “A arte do viver e do morrer”, o tema desenvolvido pelo mundialmente renomado mestre budista tratava “da vida e do viver, da morte e do morrer”. Consultada a platéia de cerca de mil pessoas, verificou-se a presença de muitos médicos e de outros profissionais da área médica. O Rinpoche se mostrou satisfeito e esclareceu  que este perfil de público, que vai além dos praticantes budistas, acontece em suas palestras pelo mundo todo. Em todo lugar em que se apresenta há a procura destes profissionais que lidam com a morte dos seus pacientes e familiares, os quais têm consciência de que um dia terão que lidar com a sua própria morte.

E assim falava o Sogyal Rinpoche:
- Dominados e perdidos em nossos pensamentos, a gente desconhece tudo sobre quem pensa, sobre a mente que é uma jóia preciosa.
- Você não é o seu corpo, não é seus pensamentos nem suas emoções. Você é bem maior que tudo isso!
- Como acessar a tudo isso que sou eu? Através da meditação.
- O que é meditar? É alargar gradativamente o espaço entre um pensamento e o próximo, simples assim.
- Meditar é 25% atenção, 25% relaxamento e 50% espaçamento da mente.
- A luz no fundo do túnel de que falam as pessoas que tiveram a experiência de quase morte, é a “clara luz” da própria mente. Quem tiver praticado a meditação a ponto de acessar esta luz, vai reconhecê-la no momento da morte e vai saber exatamente o que fazer, por já estar habituado a transitar por estas esferas mentais.
- No acompanhamento dos moribundos, o importante é estimular para que eles perdoem a todos e a si próprios; auxiliar para que o enfermo se descarregue do carma negativo e possa fazer a travessia da morte de forma leve e solta.
- É preciso promover o desapego profundo na hora da morte.
- Só vive conscientemente bem quem está preparado para morrer conscientemente bem.
- A morte é a parte mais importante da vida, posto que é o seu momento final, onde devemos chegar com os méritos de uma vida bem concluída.
- Desperdiçamos muito tempo precioso ao vivermos como se fôssemos imortais, mesmo sabendo que a morte é a única coisa certa na vida.

           Eu saí da palestra do Sogyal Rinpoche bastante impressionado com a energia viva que alimenta os ensinamentos  proferidos por um tibetano legítimo, é visível que está no DNA de suas células os milênios de vivências meditativas de seus antepassados. Não se trata mais de uma compreensão intelectual dos conceitos e práticas budistas, é o próprio sentido natural e óbvio da vida para quem nasceu e viveu no isolamento imposto pela cordilheira do Himalaia (de antes da invasão dos Chineses).

          No dia em que eu vi um Rinpoche eu entendi melhor o que é que tanto me atrai na doutrina budista. Certamente não é a religião budista, que é uma prática bastante tribal, adaptada conforme a cultura em que esteja inserida (Japão, Tailândia, Índia, Tibete, etc.); também não é só o dogma da reencarnação, pois esta concepção o espiritismo também apresenta e com a vantagem de possibilitar o contato com os desencarnados através dos médiuns. Certamente é a dedicação ao estudo da própria mente o gancho que me pescou para estudar o budismo, mas  sempre foi na perspectiva simples de compreender a vida e o viver. Agora, com o Sogyal Rinpoche, entendi que ao buscar acessar a “clara luz” da mente através da meditação, mesmo que inconscientemente, eu estava buscando dominar o funcionamento do túnel luminoso que conduz a mente da esfera da vida para  o estágio pós morte através do morrer.
         Saí da sessão de ensinamentos convencido que o meu objetivo no budismo é desenvolver “A arte do viver e do morrer”, para tanto vou tratar de comprar o livro do Sogyal Rinpoche, que será mais um item da longa lista de temas de estudos para a minha aposentadoria.
- Valeu Sogyal, pois o primeiro Rinpoche a gente nunca esquece!

O PAULO BUGIO FEZ 60 ANOS

          Outro dia fiquei sabendo que o Paulo da Rosa, mais conhecido como o Bugio, estava de aniversário e se tornando sexagenário, logo tratei de telefonar pra casa dele para lhe felicitar pela chegada da velhice. O Paulo Bugio se aposentou às vésperas da reforma da previdência do Governo Lula, creio que no finalzinho de 2003; lembro que foi uma “chuliada” e que ele escapou por alguns dias da exigência de 60 anos como idade mínima para os funcionários públicos se aposentarem.
        Depois das felicitações de praxe, lhe falei do meu “blog de aposentando”, pedi o email dele para enviar o link do blog e tratei de fazer com que me lembrasse detalhes de sua história pessoal entre nós na DVM:
- Mas e aí negão, como é que foi mesmo esta bosta que deu nas tuas pernas?
-Então, um dia eu estava com o Ciríaco (o Mangona!) pintando a cancha do pátio aí da DVM, quando eu senti que a minha perna ficou dormente.
- Tu soube do triste fim do Ciriaco?
- Pois é, soube que depois que perdeu a filhinha ele pirou e se enforcou!
-É, o Mangona entrou em depressão, não agüentou a aposentadoria; ele que era o xerife do páteo! Mas e daí, quando deu a bobeira na perna tu fostes no médico?
- No dia seguinte fui até o Gabinete Médico do DMAE e consultei com o médico Ivoi (o AAS , apelido referente à aspirina que ele sempre receitava para tudo)...
-E doía? – Perguntei ao telefone.
- Eu senti uma dor tipo do ciático, mas depois de medicado com analgésico até voltei a jogar bola no time do pessoal da EME.
(Paulo Bugio é o segundo agachado à direita)

            Mas um dia, no início de 1982, fui levantar da cama e a perna esquerda bobeou total, depois foi a direita também. Daí em diante deixei de ter dores, perdi a sensibilidade; a não ser a dor das realizações de punções na medula para exames médicos.
- Chegaram a algum diagnóstico conclusivo?
- Não, o laudo final falava em “lesão medular sem causa determinada”, e o médico falou que pode ter sido por algum choque anafilático nos nervos que tenha tirado a sensibilidade das minhas pernas.
- O pior foi aquela fase em que ficastes de cadeira de roda, não é mesmo?
- Pois é cara, foram muitos meses de fisioterapia até que a perna direita voltou praticamente ao normal. Então eu comecei a andar de muletas e me livrei da condição de cadeirante. Depois que eu dominei as “muletas tipo canadense”, usadas com o apoio nas duas mãos para não forçar a coluna, é que eu consegui voltar a trabalhar aí com vocês, até me aposentar integral.
(Ioni, Fábio (falecido), Arraché, Ranir (aposentado) e o Paulo Bugio)

- É verdade, foi uma passagem interessante aquele período que viestes trabalhar de muletas por cerca de 20 anos, quando deixastes de sair com as equipes de rua e ficaste fazendo os serviços de retaguarda técnica no escritório...E aquelas consultas a centros espíritas que o Danilo (o Sebinho) te levava de um lado para o outro?
- É, todo o pessoal da DVM me deu muita força, no trabalho e com as caronas diárias para eu ir trabalhar sem precisar pegar ônibus de muletas; o Sebinho me deu o maior apoio me levando nas sessões de terapia e nos centros espíritas em busca de um milagre que acabou não acontecendo...
- E hoje, qual é a situação do véio Bugio sexagenário?
- A perna esquerda ficou ainda com movimentos involuntários, eu tenho que me cuidar para ela não me derrubar quando corcoveia. Mas, dentro de casa, onde eu tenho onde me apoiar em caso de emergência, consigo caminhar sem muletas. O perigoso aqui são os netos me derrubarem!...

-Valeu Paulo Rosa!

O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO DO BLOG

O blog Diário de Um AposentaNdo completa um ano de existência hoje, dia 2 de fevereiro. Como diria o Lula: Nunca antes na história deste Departamento se desenvolveu um Programa Preparatório de Aposentadoria tão amplo e completo como o desenvolvido neste blog. Aqui temos tratado de todos os assuntos pertinentes, e até alguns que nem parecem tão relacionados com este importante rito de passagem na vida da gente, que é o de passarmos de “ativo” para “inativo” (ninguém merece uma terminologia dessas!).

Quando tive a idéia de desenvolver esta crônica, em forma de diário-memorialista, relatando observações cotidianas dos últimos meses da minha carreira de servidor público municipal, jamais imaginei que teria fôlego literário para produzir tamanho volume de textos. Olhando hoje o resultado deste intenso envolvimento com a produção textual, acho impressionante  o fluxo inesgotável desta vertente de inspiração que sempre faz brotar diariamente novos temas e idéias de abordagens e de ilustrações fotográficas para as postagens no blog.

É inevitável que, neste momento, o engenheiro que ainda há residual em mim (que tem sido o meu Lado A)  busque  quantificar numericamente os méritos do blog. Com mais de 115 postagens em 12 meses, significa que produzi cerca de 10 postagens por mês!  Ufa!...São, no mínimo, dois textos por semana; havendo duas semanas por mês com 3 postagens. Não  é pouca coisa, as noites foram curtas para conciliar tanta vontade de escrever com a necessidade de dormir. Os finais de semana foram ocupadíssimos, sem tempo nenhum para leituras: foi um ano de colheitas literárias!
  O mais impressionante foi o crescente número de acessos mensais ao blog. A frequência iniciou tímida, na ordem das dezenas; subiu para além de uma centena no primeiro semestre, e depois foi aos saltos, dos duzentos e pouco para quatrocentos e tanto e, estourando a boca do balão, em dezembro atingiu a marca de 650 acessos! E agora em janeiro, que era previsível um período de baixa, por estar a metade do funcionalismo municipal em férias, estamos superando esta  marca com 730 acessos!!! (O Facebook que se cuide!). 

Mas o verdadeiro indicador do êxito do blog, que demonstra que o blog atingiu em boa parte o seu público alvo, é a totalização de hoje é de 3.700!!!! acessos registrados em seu contador ao longo deste seu primeiro ano de existência.
À parte o ufanismo natural de quem saiu recentemente, não do armário, mas das gavetas em que guardou os seus escritos a vida inteira, e passou a ter alguma visibilidade do seu lado B (literário, no meu caso), é preciso que se mantenha o discernimento de que “acessos” não significa “leitores”, muitos são acessos de mera “bisbilhotagem” de internautas navegando à deriva. Todavia, certamente obtive  mais leitores do que poderia imaginar obter algum tempo atrás, antes do advento da internet com suas ferramentas de relacionamentos, especialmente do mundo maravilhoso dos blogs. 

Poder publicar os escritos é  uma forma de “realização pessoal” agora possível a todos, pois agora também está ao alcance dos solitários escritores amadores, os não profissionalizados; assim como  as partidinhas de futebol com os amigos realizam aos jogadores amadores, mesmo aos barrigudinhos e aos que nunca jogaram grande coisa.  Contudo, por esta experiência deu para dimensionar a dificuldade que deve ser a vida de um jornalista, como o Juremir Machado, para alimentar uma coluna de crônicas diariamente no jornal e, credo!, ainda publicar uma outra crônica diária na internet. Ainda bem que desisti do curso de jornalista e de querer ser cronista, mas talvez pudesse pegar alguns biscates como free-lancer (desde que com tempo bastante para desenvolver as matérias, e sem limitação de espaço para que eu possa fazer do tamanho que quiser: isso só em blog!)... Definitivamente nunca tive pique para desenvolver produção literária contra o tempo, preciso deixar os escritos por alguns dias decantando para que,  magicamente,  surjam flashs de modificações de detalhes ou de grandes acréscimos, chegando às vezes a modificar o  próprio tema ou a abordagem sobre o assunto...É uma loucura masturbativa mental!


Mas, certamente, nem todos os seguidores do blog Diário de Obra de Um AposentaNdo perceberam que este meu Lado B (de escritor) tem o seu próprio Lado B, o que vem a ser o meu Lado C, que é o meu lado poeta. Para quem não percebeu ainda que no menu do blog, na seção Minha Lista de Blogs, tem dois links para os meus blogs de poemas (Elos e Indagações), aviso que estão perdendo o melhor de mim: Estão perdendo as ilustrações artísticas feitas pela minha filha Luíza!
Por sua vez, este meu Lado C tem o seu lado B, que é o meu lado fotógrafo. Este meu lado da fotografia, que vem a ser o meu Lado D,  também tem seus links no Menu do blog na seção Minhas Fotos no Picasa. São várias centenas de fotos  envolvendo a temática do DMAE em seus mais variados ângulos de percepção, captadas na labuta do dia-a-dia nos últimos anos. Modéstia à parte, mas tem algumas fotos imperdíveis: confira!

Assim, guardada as proporções, feito um Fernando Pessoa com suas múltiplas personalidades artísticas, estou me colocando completo  nos blogs; e como diz o maior poeta da língua portuguesa: Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.

Em comemoração a tudo de bom que foi 2010, estou indo de férias com a família para Fernando de Noronha. Mas, caríssimos  leitores, manterei vocês ocupados com novas postagens para serem conferidas no blog durante o mês de fevereiro. Não podemos deixar a peteca cair, precisamos manter o vínculo em 2011 que é o “Ano D”, o ano da aposentadoria, só não sabemos ainda qual será o “Dia D”. 

Em março, depois do carnaval, eu volto pro DMAE, não me deixem só! Neste BigBrotherDmae que é transmitido aqui no blog Diário de Obra de Um aposentaNdo, você vai acompanhar o momento decisivo no “paredão” que vai me mandar para casa, e vai ficar sabendo dos desdobramentos da vida de um ex-barnabé lá fora no mundo...além de outras historinhas que rolaram longe dos edredons...