AMPARADOS NA AMPA


quarta-feira – 10/02/10

     As manchetes dos jornais de hoje anunciam “sensacionalmente” que uma comissão formada na Câmara dos Deputados aprovou ontem, em votação simbólica e por unanimidade, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem diminuição dos salários. Os defensores da proposta se mobilizarão agora para levar a matéria à votação em plenário. Por ser emenda constitucional (PEC 231/95), tem de ser aprovada em dois turnos na Câmara e depois apreciada pelo Senado.
      Apesar de serem típicas jogadas ensaiadas de ano eleitoral para engambelar a plebe rude, estas manchetes me evocaram os feitos dos meus tempos de “militante agitador de massas”, nos tempos da AMPA (Associação dos Municipários de Porto Alegre). Na ocasião, após dois anos de combativa e inovadora existência, promovendo um impactante “movimento tartaruga”, grandiosas assembléias no auditório do Colégio Rosário e estridentes atos públicos aos gritos de “Dib: sacana, devolve a nossa grana!” no Paço do governo do prefeito João Dib (o último dos moicanos nomeados pela ditadura), em outubro de 1985 foi legalmente fundada esta nossa entidade pré-sindical no auditório da Câmara de Vereadores, que ficava ainda no Edifício José Montauri (na Prefeitura Velha). Na diretoria provisória eleita nesta ocasião para organizar o quadro social e realizar eleições diretas, eu era o segundo vice-presidente. Acontece que dois meses depois da fundação o presidente Rigotti, que era do PMDB, se demitiu, ao ser nomeado para um cargo em comissão com a vitória do Pedro Simon para o Governo do Estado. Três meses depois era a vez do segundo vice-presidente, José Cláudio Penteado, que recém havia assumido a presidência, apresentar a sua demissão por ter sido nomeado para uma diretoria da Fazenda Municipal do Governo do Alceu Collares, o primeiro Prefeito eleito diretamente.
       Foi assim que, voltando das férias alegre e faceiro com as água de março de 1986, tive que segurar este rabo de foguete: assumir a presidência da AMPA, para não deixar cair a peteca. Neste mesmo mês entramos numa campanha salarial histórica para a unidade sindical da categoria. Em abril foi editada a “Carta de Abril” onde, pela primeira vez, todas as entidades reconheceram a AMPA como a legítima representante da classe municipária. Depois de dois dias de paralisação massiva diante do Paço Municipal e de realizar um Ato-Show na Esquina Democrática, foi constituída uma “Comissão Paritária”, entre a AMPA (com o Tibério Bagnati, o Rigotti, a Marilena Cunha, eu e outros) e a Administração com a participação da Dilma Linhares (que na época não era ainda Rousseff e era do PDT) e todo o primeiro escalão do governo, para discutir uma pauta de reivindicação de 11 itens, os quais foram total ou parcialmente atendidos: é lógico que, como sempre, o reajuste salarial foi insatisfatório! Mas cabe destacar, e aqui entra o que as manchetes dos jornais de hoje me evocaram, primeiramente o início do fornecimento do Vale Transporte para os funcionários de todas as secretarias e departamentos e, o que não foi muito valorizado na época, mas que eu sempre computei como a maior conquista do nosso movimento sindical até hoje: a redução da jornada de trabalho para quarenta horas para os operários e celetistas!
      Isto e muitas outras cláusulas constam na ATA nº 028/86, expedida pelo Gabinete do Prefeito e assinada pelo Prefeito Municipal, que constitui o registro do amadurecimento do movimento dos municipários em seu primeiro dissídio coletivo firmado paritariamente. Nesta mesma campanha salarial, ainda tentando melhorar a proposta de reajuste apresentada pelo prefeito Collares, foram realizados mais três dias consecutivos de paralisação, com uma impressionante participação da categoria nunca vista antes, até deliberarmos pelo retorno ao trabalho com a garantia do não desconto dos dias parados.
      No mês seguinte, em setembro/1986, com a AMPA politicamente reconhecida e sua representatividade consolidada junto à categoria, estruturalmente organizada com sede alugada e com desconto em folha dos seus associados, foi promovida a eleição direta da nova diretoria que foi empossada com a missão de transformar a AMPA, assim que a legislação da ditadura em processo de abertura permitisse, no Sindicato dos Municipários – SIMPA. Costa que fomos a primeira categoria de funcionários públicos a constituir legalmente sindicato no país, graças às atividades da AMPA que tinham nos deixado preparados, inclusive para a seqüência de greves de 21 dias (coincidência ou limite do fôlego?) do SIMPA que se seguiram nos anos seguintes.
      Ninguém se lembra mais, mas antigamente trabalhávamos todos 44 semanas na PMPA, fazíamos 45 minutos a mais por dia, até as 18:15 horas, para não trabalharmos nas manhãs dos sábados. Esta realidade mudou para os servidores estáveis do quadro por volta de 1982, mas permaneceu para os servidores celetistas, que naquela época eram em grande quantidade. O que dá a dimensão da grandeza daquela conquista dos municipários é que 24 anos depois, mesmo com a democratização e após a Era FHC e, em plena Era Lula, os trabalhadores regidos pela CLT no Brasil ainda continuam hasteando a bandeira de luta de redução da carga horária de 44 para 40 horas semanais.
      Fica aqui a minha homenagem aos bravos companheiros daqueles duros e saudosos tempos de lutas, especialmente aos colegas que compunham a Diretoria Provisória da AMPA: Ana Lúcia D´Angelo da SMED (que posteriormente realizou a transformação da AMPA em sindicato, sendo a última presidente da associação e a primeira presidente do SIMPA em 1989), a Etel Gutterres da “SMEC” (cuja casa funcionou por muitos anos como a sede da entidade e que, posteriormente, veio a ser a mãe das minhas filhas), a Carmem Dreyer do DEMHAB, o Padilha da SMOV, o Grego Vassili da SMF, o Beltrão do DEMHAB e o Avelino Rodrigues da SMSSS, entre outros menos alinhados mas igualmente importantes construtores do movimento com autonomia política, por reunir simpatizantes de todos os partidos.
    - Valeu Velha Guarda da AMPA!

A Venda da Folha de Pagamento

      terça-feira - 09/fevereiro
      Com a globalização da economia, termos como “excelência em qualidade, gestão total e gerenciamento de custos” migraram para os países do terceiro mundo, não em porões de navios como as antigas pestes medievais, mas por aeroportos internacionais nos laptops dos empresários e, como vírus, se espalharam pelas bocas contagiosas dos políticos, até chegar nas novas gerações de administradores públicos municipais espalhados por estes brasis sem fim.
      Munidos de uma parafernália de indicadores fabricantes de gráficos, consultorias contratadas a altos custos pelos órgãos públicos fazem tábua rasa de toda a cultura de administração pública profissionalizada que tem mantido de pé este país, apesar da sangria ininterrupta dos cofres públicos feita pela histórica corrupção dos políticos e sua demagogias. Neste entra e sai de governos, já estou me aposentando e praticamente nada mudou no âmago da estrutura da administração pública, apesar de toda a revolução provocada pela informática. Os problemas gerenciais continuam sendo escancaradamente os mesmos e permanecem intocáveis, apesar de todos os discursos modernizantes de ideologias esquerdistas ou conservadoras. Foi sempre assim: eles fingem que estão fazendo alguma coisa inovadora, e a gente finge que acredita.
      Então, em final de carreira, não me compete mais debater as grandes causas (já fiz isto inutilmente com muito empenho e por tempo demais), me agrada agora comentar as causas perdidas ou aquelas mais caricatas e tragicômicas. É o caso da atual obstinação pela busca de novas fontes de recursos, captando grana quer na iniciativa privada, terceirizando o que puder (de preferência tudo), ou mesmo de outros órgãos públicos, especialmente do sistema financeiro que tem apresentado os maiores lucros (também pudera, com tantas taxas!).
      Pois a Prefeitura de Porto Alegre encontrou um modo inusitado de captar dinheiro para os seus cofres, qual seja, vender a folha de pagamento para o banco público que apresentar melhor oferta pelo seu lote de milhares de trabalhadores. Isto implica compulsoriamente no desmonte de toda a organização familiar bancária da vida das pessoas, seus débitos em conta e financiamentos, o crédito pessoal de cada um devido ao seu tempo como correntista de um mesmo banco, em suma, toda a liberdade de opção, essência de uma democracia, foi “amordaçada” pelo próprio prefeito-poeta que previa uma viração pelo Vento Negro. Eu, como centenas de colegas (quantos milhares em toda a prefeitura?), tivemos que manter as duas contas bancárias e arcar com seus custos, em função de compromissos financeiros de longo prazo assumidos anteriormente com o Banrisul. Como um lote de escravos vendidos em praça pública, os servidores municipais tiveram que obrigatoriamente assinar contrato com o seu novo Senhor Banqueiro, que chegou prometendo mundos e fundos de isenções, mas que já mostrou nos primeiros dois anos do seu reinado o uso do duro pelourinho de suas taxas a chicotear no lombo dos salários dos servidores municipais.
      A Prefeitura se vangloria que arrecadou R$ 80 milhões pela venda de seu lote de subjugados à CEF, a duras custas dos servidores que, para manterem seus compromissos bancários em seus bancos de origem, terão que gastar valores exorbitantes com taxas de transferências bancárias ao longo dos cinco anos de duração deste contrato imposto ditatorialmente aos assalariados municipais. O pior é que este alegado lucro tido como recolhido aos cofres públicos é uma falácia, pois não foi computado neste cálculo o valor de uma variável importante, qual seja, que o Banrisul por ser o banco mais utilizado para o pagamento das taxas públicas municipais, inclusive as contas de água, não cobrava taxas por estes serviços, tendo em vista que mantinha a folha de pagamento inclusive do DMAE. A partir de então o DMAE teve um acréscimo considerável de custos com taxas deste banco estadual.
      No final das contas, diante de tantos transtornos e insatisfações geradas no meio de seus funcionários, cabe ainda perguntar: será que valeu a pena vender a folha de pagamento dos servidores municipais como se eles fossem um lote de escravos?...
     Este texto, que escrevi originalmente em março/2008, quando da imposição da CEF como monopolista da folha de pagamento da prefeitura, está sendo atualizado hoje por termos verificado no decorrer do tempo que os nosso prejuízos não foram só financeiros, mas também na perda da qualidade e da quantidade dos serviços prestados.
      Além de praticamente não existir terminais de auto-atendimento para pagamentos de contas fora das agências bancárias pela cidade, os terminais instalados no entorno do DMAE estão sempre com problemas. Quando não estão com sistema congelado, estão sem papel ou os seus leitores óticos de código de barras estão analfabetos ou as máquinas estão desligadas. Como já é praticamente de costume, hoje percorri inutilmente os três terminais da redondeza e decidi recorrer ao recurso especial que a CEF oferece, que é o uso das lotéricas. Esta opção para pagamento de contas, entretanto, tem a restrição de funcionar dentro do limite de saques, o que não possibilita o pagamento de muitas contas e, às vezes, nem uma única conta alta tipo a do cartão de crédito da própria CEF. Hoje, convenhamos, foi um caso extremo: a lotérica estava fechada com um cartaz anunciando “férias coletivas”!...

Manifesto pelos Estudantes da UFRGS no DMAE


      Mas esta questão do direito de sair para assistir aula no horário de expediente nem sempre foi ou é uma questão pacífica, geralmente há fortes controvérsias de interpretações jurídicas a cada nova administração que se instala na cúpula de poder do Departamento. Cabe esclarecer, de antemão, que mesmo na UFRGS só é autorizado assistir aulas no horário de expediente em disciplinas que não sejam oferecidas, comprovadamente, pela própria UFRGS em outros horários.
      Há dois anos atrás tive que enfrentar uma briga ferrenha com a seção jurídica do DMAE, através de contestações, réplicas e tréplicas e recursos em todas as instâncias, que foi o meu pessoal “Manifesto em Defesa dos Direitos dos Estudantes dos Cursos Diurnos da UFRGS no DMAE”, que relatarei sumariamente em etapas dado à epopéia em que se transformou.
     O tema em questão aqui se refere à Lei Complementar nº 133 de 31 de dezembro de 1985, capítulo que trata “Das vantagens ao funcionário estudante” em seu artigo 90 que apresenta a seguinte redação:
artigo 90 : É assegurado o afastamento do funcionário efetivo, sem prejuízo de sua retribuição pecuniária, nos seguintes casos:
....
III – para assistir aulas obrigatórias, em número de horas de até um terço do regime semanal de trabalho prestado pelo funcionário, em curso:
a) técnico ou superior;
b) ....
§1º - A existência, no Município de Porto Alegre, de curso equivalente em horário diverso do de trabalho, exclui o direito do funcionário à vantagem prevista no inciso III, deste artigo.

Manifesto I – O Indeferimento da Minha Redução de Carga Horária
      Tendo em vista que “de repente” foi indeferido, em maio de 2007, o meu já tradicional pedido de redução de carga horária para assistir aulas em horário do expediente, com base num novo parecer da COJ (Coordenação Jurídica) que argumentava nos seguintes termos: Segundo o “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, “equivalente” significa de igual valor. Ora, regulando o art. 90 o afastamento para assistir aulas, no caso, em curso superior o referido dispositivo legal não faz distinção entre Instituição Pública ou Privada. Certamente o que o legislador buscou reprimir com o § 1º foi que tendo no Município de Porto Alegre o curso pretendido em horário diverso do de trabalho o servidor optasse por realizá-lo no horário de trabalho.
      Primeiro enviei inutilmente uma contestação argumentativa, citando o conceito de “equidade” de Aristóteles para combater as “citações de juristas” e os “data-vênias” do parecer da COJ, visando salientar que tem algo errado nesta interpretação da lei que anula uma vantagem estatutária em prol do fortalecimento financeiro das faculdades privadas do país, ao invés de valorizar os méritos dos seus servidores que demonstraram qualificação ao conquistarem vagas nestas cobiçadas universidades públicas.

Manifesto II - Recurso ao Diretor Geral do DMAE
      No corpo do parecer 143/07 é reafirmada esta concepção: “eis que, na forma da lei, não há possibilidade de beneficiar-se da redução de carga horária existindo a opção de o servidor manter estudos em horário diverso do de trabalho”.
      Percebe-se claramente que a leitura burocraticamente legalista da COJ não exerce a virtude da “eqüidade” e que está norteada por um princípio equivocado, qual seja, que o “servidor possa optar por um curso pretendido em horário diverso do de trabalho”, pois não se pode considerar como uma opção real aquilo que é inacessível financeiramente à realização objetiva por parte do servidor. Não consta que sejam opções “equivalentes” uma faculdade pública e gratuita e uma faculdade particular de custo financeiro proibitivo. Até agora, com alguma racionalidade, esta equivalência era referenciada entre circunstâncias iguais, ou seja, entre as faculdades particulares, havendo a opção de migrar de uma de curso diurno para outra com curso noturno e com custos equivalentes. Neste meu caso, as únicas alternativas de opção de fato seriam a de estudar gratuitamente ou de abandonar os estudos. Adequar-se, nos termos interpretativos da COJ, é a trágica opção shakespeareana entre o “ser ou não ser” mais estudante.
     Visando evitar que esta nova interpretação legalista adotada pela Equipe de Apoio Técnico-Funcional liquide com o espírito da lei 133/85 de propiciar que os servidores estudem; visando evitar que esta interpretação atropele o senso prático do objetivo lógico explicitado no capítulo da lei que trata justamente de conceder vantagens aos funcionários, tornando-o assim letra morta; recorro, como última instância, à consideração do Diretor Geral DMAE, para que se possa efetivamente “preservar conquistas construindo mudanças”, uma vez que não se está tratando nesse processo meramente de um “bem particular” e sim de uma questão de interesse coletivo dos servidores, por se tratar de um direito estatutário.

Manifesto III - Recurso ao Prefeito de Porto Alegre
      Enquanto funcionário público municipal, lotado no DMAE, venho por meio deste exercer o direito de solicitar o “recurso de última instância administrativa” dirigida ao Sr. Prefeito, conforme o previsto no artigo 186 do Estatuto dos Funcionários, Lei 133/85. Esclareço que o meu apelo por uma reconsideração em uma instância superior do parecer 143/07 inicialmente procurou encontrar ouvidoria dentro do próprio DMAE, com recurso ao Diretor Geral sugerindo que o Conselho Deliberativo fosse consultado como um fórum adequado. Quando esgotada esta possibilidade propus que o expediente fosse enviado para a procuradoria do município, mas a petição foi considerada literalmente “sem relevância” para demandar tais encaminhamentos.
      Todavia, por considerar que o tema do “direito dos estudantes servidores municipais alunos da UFRGS” tem significativa relevância de mérito, recorro ao último recurso que é a instância da autoridade máxima no âmbito da PMPA, com o intuito de que seja manifestada uma interpretação oficial que sirva como jurisprudência unificadora dos pareceres no âmbito de toda a PMPA, relativamente ao tema objeto da presente petição.

Manifesto IV – A Decisão do Gabinete do Prefeito
      Assim, o processo de pedido de redução de carga horária que protocolei inicialmente em abril de 2007, referente ao primeiro semestre, teve seu desfecho só no final de setembro, já em meados do segundo semestre (que eu continuava cursando normalmente por conta e risco), com o Parecer 66/07 da Assessoria Jurídica do Gabinete do Prefeito, com o seguinte teor:
      Esta ASSEJUR/GP em consonância com os pareceres n.° 466/85 e n.° 753/93, ambos da PGM, considera ter o servidor direito a esse benefício.
      Trata-se de utopia admitir nos dias de hoje, que seja possível a comparação entre uma faculdade privada e a UFRGS, sendo que a primeira exige pagamento de custas altíssimas, inversamente a segunda que é gratuita. Bem como não se pode admitir que esteja privado de freqüentar a instituição por ser o artigo restritivo, tendo em vista que um curso na esfera privada não é equivalente, porque à luz da interpretação restrita teria de ser analisado exatamente o significado desta palavra, a qual segundo o dicionário significa dizer: “de igual valor; aquilo que equivale...”.
      Por óbvio não é o caso, a UFRGS não equivale a nenhuma outra faculdade de Porto Alegre em termos econômicos, visto a gratuidade do ensino.
     Face ao exposto, esta ASSEJURIGP recomenda a V. Exa seja conhecido e deferido o presente recurso, em face dos fundamentos acima descritos.
É o parecer.
Manifesto V – O Significado da Vitória
      E a COJ, muito a contragosto, ainda resmungando que considerava que o parecer do GP estava confrontando com o disposto na lei, teve que elaborar novo parecer sugerindo o deferimento da redução de carga horária por mim solicitada seis meses antes. Desde então tem sido sempre assim, há o deferimento por força do parecer superior, mas continuam registrando a contrariedade pelo sapo engolido.
     E foi assim que este militante solitário, que em outras épocas já foi um militante agitador de massas, conseguiu garantir a manutenção do direito dos estudantes dos cursos diurnos da UFRGS no DMAE.

Aviso de Jubilamento

sexta-feira - 05/fev/2010

      Ao acessar pela primeira vez este ano o site da UFRGS com a minha senha de aluno, o sistema apresentou uma tela com letras vermelhas dizendo: A Universidade informa que esta matrícula foi constatada como de provável jubilado, devendo faltar dois semestres ou menos para você encerrar o prazo máximo para a conclusão do seu curso. - E mandava clicar no botão “Estou Ciente” para poder entrar no site.
      Realmente estou ciente que cursei por sete anos (de 2003 até 2009), em quase o dobro do tempo previsto para todo o curso, e que fiz apenas 40% do currículo, ou seja, menos da metade. Mas em compensação estou mais do que ciente, estou consciente de que adquiri a minha necessária formação filosófica, sem haver a necessidade de diplomação. Cursei as disciplinas obrigatórias de História da Filosofia (grega, medieval, moderna e contemporânea), Metafísica, Ética, Estética e Análise e Redação de Textos Filosóficos. Como se não bastasse, cursei também as disciplinas eletivas de Sociologia Clássica, Psicologia Geral e Astronomia. Ao todo, completei 15 disciplinas totalizando 84 créditos com aprovação, o que significa cerca de 1500 horas/aula assistidas (cálculo de horas como se tivesse feito tudo num único semestre = 84 horas por semana X 4 semanas X 4,5 meses). O uso deste benefício do direito estatutário de estudante, além de ampliar os meus horizontes culturais, me aliviou em cerca de 187 dias úteis (praticamente um ano inteiro computados finais de semana e feriados) a carga horária a ser cumprida dentro dos muros monótonos da burocracia da repartição pública. Parece muito, até eu me assombrei quando realizei agora estes cálculos. Mas se eu tivesse utilizado o limite máximo permitido de 1/3 da carga horária semanal previsto na legislação, em sete anos eu poderia ter passado 2,5 anos assistindo aulas interessantes na universidade; mas preferi fazer apenas uma disciplina por semestre para poder me dedicar com profundidade a cada uma delas. Está de ótimo tamanho, esta é uma lacuna da minha vida que foi preenchida espetacularmente.
- Valeu biXo 2003! Valeu DMAE!
      Assim, no período de matrículas dos biXos 2010, que ocorrerá agora na segunda quinzena de fevereiro, sou eu quem vai comunicar à Universidade que estarei antecipando o meu jubilamento em Filosofia. Ao fazer a opção pelo Curso de Letras no ato da matrícula, estarei iniciando o preenchimento de uma outra lacuna na minha formação pessoal, que é o domínio das “Letras”, das quais estou obeso, pois delas sempre me alimentei como um amador guloso, sem nunca me submeter às dietas acadêmicas.

Cadê o Jalba?

quinta-feira- 04/fevereiro

      O Jalba, colega aposentando que já está em estágio adiantado, retornou ontem do seu último período de férias, trabalhou durante o dia, se inteirou da nova temporada de torturas institucionais de ameaça do corte do pagamento da insalubridade (agora publicada oficialmente pela Direção na intranet da empresa), e hoje foi direto ao Instituto de Previdência para protocolar o requerimento de sua aposentadoria. Agora ele entrou no seu derradeiro período de licença-prêmio, para aguardar os trinta dias regulamentares após o requerimento, podendo ser considerado, finalmente, um aposentado! Assim, neste brevíssimo retorno por apenas um dia, diante do agigantamento da maldição da insalubridade, nem deu tempo dele hesitar se ficava mais um pouco; preferiu sair correndo para não se arriscar a perder cerca de um salário mínimo que já está garantido nos seus futuros proventos de aposentado, pelo simples fato de estar recebendo este valor a título de insalubridade no momento em que pedir a sua aposentadoria.
       A partir de hoje a mesa em frente à minha estará vazia, o cara saiu e não voltará mais. A minha cela sofreu a sua primeira defecção definitiva, abriu suas grades para o vôo do sonho de liberdade do Jalba que é simplesmente servir à família e ficar “amando”: a mando dos filhos, a mando dos cachorros da casa e dos pastores da igreja Assembléia de Deus...
      Hoje de manhã quando entrei na sala, ao me deparar com a mesa dele definitivamente vazia de sua presença, perguntei com saudosa inveja: Cadê o Jalba?!....
     Hoje pela tarde recebi o seguinte e-mail sarcástico do ex-colega: “Bom dia de TRABALHO! Está em anexo o meu protocolo do pedido de aposentadoria. Não fiques com inveja, tranquilize-se que o teu dia está próximo. sds, Jalba”.

Ar Condicionado Grátis

quarta-feira – 03/fevereiro
      Porto Alegre, verão 41 graus! A gigantesca procissão da Nossa Senhora de Navegantes realizada ontem sob um sol escaldante exigiu muita fé dos fieis. O aquecimento global do efeito estufa está derretendo as geleiras e, junto com o efeito do El Niño, estão cozinhando os portoalegrenses de calor, tanto que se esgotaram os estoques dos ventiladores e aparelhos de ar condicionado no comércio da cidade. Os jornais anunciam que o calor bateu o recorde dos últimos cem anos na capital, e foi reconhecido internacionalmente que nestes dias Porto Alegre tem sido a cidade mais quente do mundo, chegando a ultrapassar os 42 graus!
      Esta é uma variável que deveria ter um peso importante na decisão que tomamos de se aposentar ou continuar na ativa, especialmente para quem trabalha em escritórios e dispõe de ar condicionado oito horas por dia, tanto para os rigores dos inverno gaúcho quanto para os calorões do verão.
      Mas esta melhoria diária na “qualidade de vida” disponibilizada no ambiente de trabalho geralmente não é computada no rol das perdas, juntamente com o vale transporte-tri, auxílio alimentação e o abono permanência de quem se aposenta. Como de contrabando com esta benesse do ambiente com ar refrigerado vem o estresse dos compromissos de horários e atividades funcionais, a solução é instalar um aparelho moderno tipo split de ar condicionado em casa e assimilar os custos com energia elétrica. Em compensação podemos computar no rol das “vantagens de se aposentar” o fato da gente se livrar do barulho contínuo e irritante que tivemos que conviver, por décadas, provenientes dos aparelhos tradicionais de janela que continuam sendo usados no Departamento.

A Maldição da Insalubridade

Sexta-feira - 29/janeiro

      Durante todo o ano passado acompanhei a tortura angustiante a que foi submetido o colega Jalba enquanto um aposentando. Eu próprio trazia más notícias quentíssimas das reuniões do GMD, pronunciadas diretamente pelo Diretor dos Recursos Humanos, de que a partir do mês de maio seriam revisadas os adicionais de insalubridade. Comentava-se na chamada “rádio-peão” (ou voz-do-povo), que na melhor das hipóteses, dependendo do local de trabalho, pela nova perícia técnica os engenheiros em geral perderiam a metade da gratificação por insalubridade. Foi uma torcida mês a mês, com o Jalba já contando como uma parcela perdida do seu salário da aposentadoria o adicional de insalubridade. E o cara (graças a Deus!) está saindo faceiro, levando tudo a que tem direito. Acabou virando o ano e nada aconteceu... A maldição não se realizou!
      Quando eu retornei das férias na semana passada, havia na minha caixa de correio eletrônico um Comunicado da Direção Geral do DMAE, informando que estava sendo homologado o novo laudo de insalubridade, em substituição ao anterior que é muito antigo. Este aviso funcionou mais como uma ameaça, pois é sobre um tema que naturalmente dispara o alarme do pânico generalizado no departamento.
      O comunicado alegou aquilo que toda a torcida da dupla grenal já sabe de cor e salteado, o blá-blá-blá de que ao longo desse período ocorreram distorções no recebimento do referido adicional de insalubridade, cuja concessão se fundamentaria na “habitualidade do exercício da atividade insalubre”. Acontece que é sabido que, por este critério relativista levado à risca, muitíssimos funcionários perdem o recebimento deste beneficio financeiro. “Inocentemente” o comunicado, assinado pelo Diretor Geral, conclui que vai ser implantado o novo laudo visando corrigir as referidas distorções, para o bem de todos e a felicidade geral da nação dmaeana.
      A cada novo governo municipal eleito, a nova administração ressuscita este assunto, contrata uma nova perícia que produz um novo laudo, mas que, na hora de implantar, recua diante da reação desesperada dos funcionários que encaram a medida como uma redução salarial.
      Este ano, pelo jeito, vai ser a minha vez de conviver com a tortura permanente da ameaça de perder vantagens salariais na véspera de incorporá-las aos vencimentos da aposentadoria e, pelo porte da manifestação inicial oriunda da própria Direção Geral, desta vez eles vão pegar pesado e às pressas, antes que se entre no período eleitoral e tudo se congele na administração municipal. E é tudo o que quero, neste ano de eleição, que se inicie a Era do Gelo, pois sinto-me como o esquilo do filme tentando comer a suculenta noz gigante que sempre lhe escapa...como uma maldição.

Os BiXos do Listão da UFRGS

28/janeiro/2010

      Ontem o meu turno da manhã foi todo de tensas expectativas, pois de meia em meia hora eu entrava no site da UFRGS para espiar se já tinham publicado antecipadamente o Listão dos Aprovados no Vestibular 2010, o qual estava prometido para as 11 horas. Mas foi mesmo na hora marcada que conferi, primeiro que a minha filha estava no listão (Uau!), e depois que eu também estava (ufa!). Chamar de dupla alegria é pouco, pois a aprovação dela vale muito, muito mais, não tem múltiplo para quantificar.
      Com este resultado, modéstia à parte, é o quinto vestibular que consigo aprovação na UFRGS. Primeiro foi em Engenharia de Minas (1979) escolhido ao acaso por apresentar maior facilidade de acesso dentro das engenharias; casualmente depois foi justamente em Letras (1981) em que eu pretendia estudar, em um segundo curso, uma língua estrangeira, mas no qual nem me matriculei quando soube que as aulas eram lá no Campos do Vale (eu não tinha carro na época). O seguinte foi em Engenharia Elétrica, faculdade que era desde o início o meu projeto profissional, já que havia feito o curso técnico de eletrônica no Parobé. Mas acabei enchendo o saco da elétrica e retornei em 1988 para o curso de Engenharia de Minas que estava trancado, o qual se revelou muito bom de ser cursado pelos seus fundamento geológicos. Assim, finalmente consegui me formar como engenheiro de minas em 1991, treze anos após ter ingressado na faculdade, atraso que é devido ao fato de coincidir com este período o meu intenso envolvimento com a militância política, sindical e partidária.
      Depois veio a minha fase de estudante da PUCRS, beneficiado pela vantagem de estudar sem custo algum pelo convênio do DMAE-PUC, primeiro em Engenharia Civil (de 1993 até 1999) para fazer disciplinas de saneamento e língua inglesa; depois fazendo Jornalismo de 200 até 2001, até que o departamento baixou nova diretriz vetando o acesso às bolsas aos funcionários que já fossem formados em algum curso superior.
      Foi então que, após passar um ano cumprindo o horário integral de 8 horas diárias em 5 dias pos semana, sentindo falta da regalia de usufruir do “direito de estudante” de sair para assistir aulas durante o expediente, é que voltei a fazer vestibular na UFRGS em 2003 e passei a frequentar o curso de Filosofia. O meu objetivo nunca foi o de me formar, de ser um filósofo, e sim de ter a oportunidade de fazer uma leitura orientada dos principais filósofos e escolas filosóficas, visando adquirir autonomia neste gênero de leitura. Esta meta foi satisfatoriamente concluída com a disciplina de Estética II no último semestre de 2009. A partir de agora passaria a ser difícil achar novas disciplinas interessantes disponíveis no curso de filosofia, mas eis que surgiu esta oportunidade da preparação do vestibular da minha filha.
      Desta vez decidi ouvir a voz da minha própria experiência e assumir que a coisa que eu mais gostei de fazer durante toda a minha vida foi escrever. Como escrever é literatura, logo o curso é Letras! Pelo aristotélico silogismo filosófico concluo, com fundamentos lógicos, que já sei o que quero ser quando crescer: escritor.
      Espero que a guria acerte de primeira na UFRGS o quer ser quando crescer, pois ela abandonou no primeiro semestre o curso de artes plásticas que havia iniciado na UDESC em Florianópolis no ano passado.
      Mantendo a tradição, mandei fazer uma faixa de dois metros de comprimento dizendo “Valeu Luiza – Ciências Sociais e Celso – Letras – BiXos 2010 - UFRGS”, comprei um conjunto de vidros coloridos de têmperas e vamos fazer a Festa das Tintas hoje lá em casa depois do expediente, com direito a comes-e-bebes e, claro, cobertura fotográfica para a posteridade familiar.

A Volta do Fórum Social Mundial

terça-feira – 26 janeiro/2010
      Ontem, após o expediente de trabalho, armado da minha máquina fotográfica, participei da Marcha de Abertura do “10º Fórum Social Mundial 2010 – Grande Porto Alegre”. Foi uma passeata melancólica e sem as mesmas imagens de impacto das delegações estrangeiras nas edições anteriores, ficou praticamente reduzida aos militantes da CUT, da Força Sindical e dos partidos de esquerda. A novidade, em relação ao último fórum realizado na capital gaúcha em 2005, é que as bandeiras do PT voltaram a aparecer, ao contrário daquele ano em que os desencantos com o governo petista, decorrentes do escândalo do “mensalão”, fizeram destas bandeiras uma notória ausência.
      Aliás, hoje à noite o Lula participará do fórum fazendo um pronunciamento no Gigantinho, mesmo local onde foi vaiado no evento passado; desta vez vem trazendo sua caríssima bolsa a tiracolo da marca Dilma. Agora, como sendo “o cara” dos dois mundos, pois vai ganhar amanhã, no Fórum Econômico Mundial em Davos, o prêmio do “Estadista Global” e é a estrela isolada neste edição do FSM2010. Desta vez o Lula não terá a concorrência do “general” Hugo Chaves da Venezuela e nem a sombra política do Evo Morales (atualmente o meu líder latino favorito, mas que também já foi mordido pela “mosca azul” e alterou a constituição para se manter no poder), o índio boliviano cocalero que não se dignou a prestigiar este esgotado fórum. Mas nada será como antes da mordida no veneno da maçã, nunca mais será como em 2003, quando recém eleito e empossado presidente do Brasil, pudemos ouvir o Lula e ainda nos emocionarmos com suas metáforas feitas ao ar livre no Auditório do Pôr do Sol, mantendo o clima de comício de campanha eleitoral de que “um outro mundo estava nascendo ali, já era uma realidade”...
      Todavia, o Lula deu a volta por cima, tanto que não só o Fórum Econômico Mundial tenta pegar carona na boa imagem e prestígio do chefe do executivo brasileiro no cenário internacional, também o próprio FSM. O prestígio do “Cara” fica mais valorizado ainda na medida que não consta na programação do FSM2010 nenhuma outra atração no nível das que já estiveram em Porto Alegre em vezes anteriores, tais como o Prêmio Nobel da Paz em 1980, Adolfo Perez Esquivel, o físico austríaco Fritjof Capra, autor do livro “O Tao da Física”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano e o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago.
      Para muitos, como para mim, o FSM que comemora os 10 anos de sua existência se resumiu à Marcha de Abertura, pois não restou mais aos portoalegrenses a opção de vivenciarem o fórum, após o expediente de trabalho, visitando a cidade de lonas do Acampamento da Juventude, verdadeira babel de línguas que sempre fora instalado no Central Parque da Harmonia. Com a descentralização do evento, que passou a acontecer em várias cidades da Grande Porto Alegre, o pitoresco acampamento foi parar lá nos cafundó do interior rural de Novo Hamburgo. Recomendei para a minha filha, que é vestibulanda de ciências sociais e que está fazendo sua primeira imersão consciente na política em tempo real (e que me ligou alguns minutos atrás dizendo que estava numa fila imensa para entrar no Gigantinho onde haverá a palestra do Lula), para que ela faça uma expedição até o tal acampamento a fim de verificar se há algum sotaque estrangeiro por lá ou se só restou brasileirinhos acreditando que um outro mundo é possível.
      O certo é que a partir do próximo ano, se o FSM sobreviver o suficiente para retornar a Porto Alegre, poderei eu mesmo fazer não só esta expedição de exploração, mas também ouvir pacienciosamente os novos discursos sobre as velhas utopias, pois estarei usufruindo da minha liberdade de dispor como quiser das manhãs e tardes dos dias úteis da semana, e não mais apenas das noites depois do expediente.

A Indústria de Horas-extras

segunda-feira - 25 de janeiro

      Entre os vários tópicos monitorados nas reuniões do Grupo de Gerenciamento Matricial de Despesas (GMD), há os referentes a redução de custos na área dos recursos humanos, entre os quais, farmácia, insalubridade e horas-extras. Na reunião que houve nesta semana, na qual apresentei o meu pedido de demissão sem poder ainda indicar o meu substituto por falta de definição, foi relatado a questão da dificuldade de se estabelecer metas de redução das horas-extras no DMAE...Na oportunidade não pude deixar de resgatar a minha experiência traumática com este tema das horas-extras, creio que arrebatado pela força deste sentimento pré-saudosista de que estou vivendo os últimos dias neste universo denominado DMAE, antes da aposentadoria que me conduzirá para outras esferas da minha existência.
     Quando assumi a Direção da DVM, que tinha 150 funcionários em 1997, busquei implementar várias ferramentas dos compêndios de “Gestão de Qualidade”, tais como indicadores com metas gerenciais, check-lists, procedimentos operacionais padronizados (POPs) e valorização do enfoque preventivo da manutenção visando minimizar ao máximo a necessidade de intervenções corretivas. Praticamente tudo isso que agora, mais de dez anos depois, está finalmente se espraiando em todo o Departamento.
      Buscando criar uma gestão democrática estimulei, na época, a criação de um Conselho Técnico no âmbito da Manutenção, composto pelas chefias e por representantes dos funcionários, com reuniões mensais. Mas...tudo ia muito bem até que a Direção Geral resolveu instituir um corte de 20% a varrer para cada diretoria, visando combater a chamada “Indústria de Horas-extras” (conotação pejorativa do tema, insinuando que há uma “fabricação em escala industrial” de horas-extras, sem que haja uma real necessidade de sua ocorrência, a não ser por mera complementação salarial sistemática). Significava que, como na Manutenção se totalizava cerca de 6.000 horas-extras (média de 60 horas feitas por 100 funcionários), deveria se extinguir 1.200 horas-extras/mês na DVM, logo cada servidor deixaria de fazer 12 horas na média. Utilizei o critério da divisão proporcionalmente igualitária dos prejuízos, cada funcionário deixaria de fazer 20% de sua própria média histórica de horas-extras. Além do desgaste diário, deu um trabalhão para gerenciar a equanimidade das perdas e danos!
      Alcançamos a meta, mas esta realização custou o meu pescoço: fui defenestrado do cargo de diretor da Manutenção, com pouco mais de dois anos na função (ainda bem que com o tempo suficiente para incorporar a função gratificada ao salário). A degola foi executada pela nova Direção Geral (que referencio ironicamente como a da “invasão dos bárbaros do DMLU no DMAE’) que assumiu no meio do mandato, em função de que a diretoria antiga, que havia me nomeado para o cargo, estava assumindo a CORSAN no governo estadual, território recentemente conquistado pelos, até então, “companheiros petistas”, através da eleição de Olívio Dutra como governador.
      Pela primeira vez na história deste Departamento...ele era assumido por um grupo de alienígenas, militantes partidários vindos em bando de fora dos quadros do DMAE. Politicamente este grupo aproveitou o descontentamento funcional provocado pelo corte das horas-extras para abrir espaço gerencial a fim de empregar os seus membros. Assim, guardadas as proporções, feito os líderes da Revolução Francesa, eu fui levado à guilhotina pelo mesmo movimento sindical que eu próprio havia criado dentro da DVM, do DMAE e da Prefeitura como um todo.
      Aprendi na carne, a duro custo do esfacelamento das minhas ilusões, que na política não basta querer fazer acontecer “um mundo melhor”, tem que se estar no lugar certo, na hora-certa e do lado certo em que a história vai se realizar. É a fenomenologia da dialética hegeliana, pois de boa intenção o inferno está cheio!
     Na época até fiz um poeminha:

Demissão da Direção da DVM


A Dona DVM
ocupa todo o meu tempo
me enche tanto a cabeça
afeta muito os meus nervos
e não me faz mais feliz
A Dona DVM
suga toda a minha força
e toda a minha criação
monopoliza os meus atos
deprime o meu coração
A Dona DVM
já teve o seu reinado
(tiranizou-me um bocado)
que agora chega ao fim
A Dona DVM
que me viu crescer
agora eu quero
vê-la novamente nova
vê-la com bem querer.
                                         29/05/99
     Hoje esta questão do enfrentamento da “indústria de horas-extras” evoluiu, é equacionada racionalmente pelo estabelecimento de cotas limites, diferenciadas por área de trabalho e tipos de atividades; cotas estas que vão sendo gradativamente reduzidas ao longo do tempo, sem provocar mais grandes motins e revoltas operárias. Mas, mesmo assim, este ainda é um torniquete difícil de apertar, como pudemos verificar no relato dos recursos humanos na reunião do GMD.
      Pra finalizar o assunto, a minha melhor obra na Direção da Manutenção, divisão onde fiz praticamente toda a minha carreira profissional (iniciei na Secretaria da Fazenda Municipal em 1974 como auxiliar de escritório, em seguida fiz concurso para o DMAE como escriturário em 1976, com vinte anos de idade, depois fui auxiliar de serviços técnicos, fui técnico industrial e, finalmente, engenheiro), resultou sendo a realização da “Festa de 30 Anos da DVM” em 1997, por ocasião da inauguração dos novos prédios da Divisão. Foi realmente um evento marcante na época, com o impacto da contratação de todo o serviço de comes-e-bebes servidos por uma equipe de garçons com trajes a rigor, inclusive com a edição impressa de um volume contando a história da criação e desenvolvimento da DVM, trabalho que também também foi apresentado numa exposição em murais naquele dia. Mas o destaque da festa foi mesmo o caráter de convite especial que enviamos a cada ex-colega aposentado, como sendo aquela uma festividade de homenagem às pessoas que construíram a história da Manutenção, enfoque que contrariou bastante a espectativa da Direção Geral,  para quem a festa era de inauguração dos novos prédios. A foto reunindo os aposentados presentes na Festa de 30 Anos da DVM está pendurada na parede da nossa sala de trabalho (da qual bati a foto digital acima); e como dizia a velha e boa canção do Belchior: “na parede da memória esta lembrança é o quadro que dói mais”.

O Meu Pedido de Demissão

sexta-feira - 22 de janeiro 

     A grande questão política atual é a sustentabilidade planetária, com a bola da vez picando para o Partido Verde que nem assim consegue se organizar como uma alternativa objetiva, nem mesmo com o reforço recente da Marina Silva, a ex-ministra do Meio Ambiente do Lula. Total é uma pena, pois seria a possibilidade de um novo sonho coletivo a ser vivenciado com paixão, agora pelos nosso filhos, de que “um outro mundo é possível”, já que esta meninada está absolutamente descrente de tudo, e com toda a razão...
     Mas sempre é possível se engajar em alguma atividade que passe a impressão para a nossa consciência de que estamos contribuindo para a preservação da biosfera e da vida. A busca do uso racional e eficiente de energia elétrica na área do saneamento tem sido a minha atividade terapêutica neste sentido. Nos últimos três anos tenho coordenado a Comissão Interna de Controles de Energia Elétrica (CICEE) do DMAE, quando promovemos uma redução de custos de 10% em 2007, 5% em 2008 e 7% em 2009, totalizando cerca de cinco milhões de reais economizados dos cofres públicos.
      A bem da verdade, graças à repercussão nacional que o tema energia vem tomando na área de saneamento, devido ao vergonhoso índice de perdas operacionais apresentado neste setor, este trabalho me enriqueceu. Sim, culturalmente fiquei mais rico, pois me propiciou conhecer Brasília num seminário no Ministério das Cidades, justo no prédio onde trabalhava o meu irmão quando faleceu na época da queda do Olívio Dutra do ministério. Pude, então, ver por dentro de seus infinitos prostíbulos a maior casa de sacanagens do país que é o Congresso Nacional; mas em compensação conheci também às fantásticas obras arquitetônicas do hoje centenário Oscar Niemeyer. Ao fim, acabei concordando com o poeta Carlos Drummond que fazia a crítica de JK em “versiprosa” nos jornais da época: Brasília não precisava existir, Juscelino foi um megalomaníaco que além de endividar o país criou o paraíso para a corrupção, a ilha da fantasia longe do mundo real dos brasileiros.
      Todavia, hoje enviei aos meus superiores, ao Superintende Operacional e ao meu Diretor, e também aos demais colegas da comissão, o meu pedido de demissão da função de coordenador nos seguintes termos: “Senhores, comunico a todos que este ano eu sou um aposentando. Como a partir de meio do ano poderei sair a qualquer momento, a minha missão imediata é fazer a transição para a nova coordenação da CICEE. Este é o momento certo de promovermos esta substituição, pois está sendo chamada uma reunião com a Direção Geral para o planejamento das metas de redução de custos para 2010, e dos indicadores para o seu monitoramento mensal no Gerenciamento Matricial de Despesas (GMD - que é uma ferramenta gerencial do setor privado que está sendo implantada na área de empresas públicas).

Desobediência Civil ao CREA

quinta-feira - 21 de janeiro

      Hoje chegou o documento para pagamento da anuidade do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), conta esta que sempre hesito antes de pagar. Nunca pago no prazo, cujo vencimento usual é para janeiro, e sempre empurro esta conta para ser quitada com o dinheiro da devolução do imposto de renda retido na fonte, lá pelo meio do ano, se vier.
     Esta cultura de que engenheiro funcionário público também tem que contribuir com o CREA é coisa relativamente recente no DMAE, é herança da “era petista” na prefeitura de Porto Alegre. As gerações anteriores de engenheiros municipários passaram ilesos desta cobrança compulsória até cerca de dez anos atrás. Foi no meio dos quatro mandatos consecutivos do Partido dos Trabalhadores (Olívio, Tarso, Raul e novamente Tarso), hegemonia política de dezesseis anos da autodenominada “Administração Popular da Frente Popular”, que a pressão corporativista do Conselho de Engenharia conseguiu colocar suas garras em mais uma fonte de arrecadação financeira: os barnabés municipais. Na verdade eu sempre achei que era um blefe esta imposição, e que não haveria conseqüência alguma em não cumprir, mas nunca quis “não pagar pra ver”, pois havia a ameaça de bloqueio dos salários por exercício indevido da profissão. Por via das dúvidas, nos submetemos ao sistema que nos injeta medos e nos imobiliza.
     Francamente, esta coisa de Conselhos de Ofícios me lembra a Idade Média, onde era utilizado como um método para garantir a reserva de mercado de trabalho aos seus membros contribuintes. O caso mais emblemático é o da Ordem dos Advogados, que atribui a si poderes e competência maior do que os outorgados pelos diplomas fornecidos pelas universidades, só admitindo o exercício do ofício da advocacia a quem for aprovado nos exames promovidos pela própria Ordem. Daí que, diante de tanto corporativismo medieval, quando o ofício de jornalista foi desregulamentado, ou seja, quando em 2009 deixou de ser legalmente necessário que o indivíduo seja formado em jornalismo para exercer a profissão (basta ser competente), recebi a novidade como um sinal positivo de reação a esta prática de feudos trabalhistas.
     Assim, enquanto um aposentando que vai abandonar definitivamente o ofício de engenheiro, declaro que desta vez esta conta da anuidade do CREA não vai só ser empurrada para o meio do ano, ela vai ser sonegada com um gosto especial de vingança e um sádico prazer do meu viés anarquista.
     Esta é uma outra importante alforria que o ato da aposentadoria realizará: libertar o meu ser da sua máscara de ferro de engenheiro!

O Último Dia de Cada Dia

quarta-feira - 20 de janeiro

      Hoje é o último dia 20 de janeiro que estarei trabalhando por obrigação de ganhar o pão. Ser um aposentando do ano corrente significa viver cada dia no trabalho como sendo o último de cada semana de cada mês. Rompem-se os monótonos elos desta longa corrente de dias, semanas e meses, que parecem ser infinitamente contínuos e que sedimentam como sendo o tempo de serviço computados em anos. Cada dia passa a existir como um elo diferenciado, por ser o derradeiro de sua espécie que é definida pelo número do dia do mês e pelo nome de cada mês.
     Amanhã será o último dia 21 de janeiro em que eu baterei o cartão ponto!
     Ser um aposentando na última volta da última corrida do campeonato é viver cada dia como se fosse o último, e andar prestando atenção em cada detalhe da mesma trajetória tantas vezes repetida distraidamente. É bom prestar atenção agora pra não ser contagiado pelo saudosismo melancólico depois, quando já não estiver mais revivendo esta rotina, ocasião em que ela poderá parecer fantasiosamente mais atraente por pura nostalgia.