O ÚLTIMO CONTRACHEQUE EM PAPEL

Recebi por email o seguinte comunicado do DMAE, datado de 14/07/2016:   Informamos que dentro das medidas de contenção de despesas adotadas pela Administração Municipal e seguindo as tendências da modernização administrativa, que proporcionam o uso da tecnologia para o acesso à informação e o zelo pelo quesito da sustentabilidade, a partir deste mês de julho, os contracheques dos servidores estarão disponíveis somente pelo portal RH 24HORAS. Não serão mais distribuídos na versão impressa.  A medida abrange todos os servidores do Dmae, inclusive aposentados e pensionistas do Previmpa. O fim do contracheque na versão impressa irá gerar economia financeira.
Economia para quem, Cara Pálida? As tendências de modernização com o uso da tecnologia para o acesso à informação e o zelo pelo quesito da sustentabilidade tem servido para jogar nas costas da população os custos pela impressão das nossas contas com os códigos de barra das lojas e dos cartões de crédito, enquanto estes estabelecimentos entulham nossas caixas de correio com impressos inúteis de propagandas de seus produtos. Agora também os contracheques dos servidores, este importante documento do histórico dos benefícios e descontos trabalhistas, foi tornado supérfluo e opcional: quem quiser e puder que providencie o seu.
 É o uso da tecnologia como um processo elitista de hierarquização pela desinformação dos excluídos do mundo digital. No perfil social dos municipários, como dos brasileiros em geral, é grande o contingente de servidores e aposentados que não têm acesso ao domínio digital, especialmente os de baixa escolaridade e os idosos. Diante das dificuldades impostas pela Administração para a obtenção dos seus contracheques, muitos acabarão tendo suprimido o seu direito a receber o extrato mensal do fruto do seu trabalho. Desinformados, os trabalhadores podem ser facilmente prejudicados por erros de lançamentos de vantagens ou por descontos indevidos.
Eu sempre guardei cuidadosamente os meus contracheques, desde 1975, quando ingressei com um grupo na Prefeitura, por concurso público na Secretaria Municipal da Fazenda – Divisão de Tributos Imobiliários, cuja nomeação nunca se efetivou, e que recebíamos salário por “Verba de Terceiros”, como se autônomos fôssemos e, ainda por cima, nos faziam pagar ISSQN.

Arquivados cronologicamente, tenho também os contracheques de 1976, quando fiz outro concurso e ingressei no Dmae no cargo de escriturário. Como verdadeiros documentos históricos da minha carreira funcional, revendo minha coleção de contracheques, constato que em 1979 fui promovido, também por concurso público, para o cargo de Auxiliar de Serviços Técnicos. Depois, em 1987, fui nomeado para o cargo de Técnico industrial numa reforma do plano de carreira, por eu possuir o diploma de Técnico em Eletrônica do Parobé.

A História do país também pode ser lida nos nossos desbotados contracheques. E para aqueles Caras Pálidas que dizem que atualmente vivemos a maior crise econômica do Brasil, fiquem impressionados com a vertiginosa montanha russa dos valores do meu salário entre os anos de 1985 e 1995. Viajem comigo: quando ingressei na Prefeitura na década de 1970 a moeda era o Cruzeiro (Cr$), e cheguei no ano de 1986 ganhando  Cr$ 3.347.360,00 quando entrou o Cruzado (Cz$) . A inflação era uma espiral tão louca que, quando a moeda passou a ser o Cruzado Novo (NCz$) em 1989, eu era um marajá e não sabia, estava recebendo Cz$ 7 milhões e, com a reforma, meu salário ficou em NCz$ 1 mil. E a doideira continuou, pois quando ressuscitaram o Cruzeiro (valendo 1 NCz$) como moeda oficial do país em 1990, eu ganhava cerca de  40 mil Cruzeiros e, antes da nova reforma que instituiu o Cruzeiro Real (CR$) em 1993, eu era um multimilionário pois cheguei a receber Cr$ 43.223.625,00. Isso mesmo: 43 milhões de cruzeiros! Veja a foto do contracheque e acredite se quiser. Mesmo antes da reforma de 1994 que instituiu o Real (no valor de 2.750 cruzeiros reais) eu ainda era um milionário e não sabia, pois ganhava mais de 1 milhão de cruzeiros reais e, a partir de então sim, caí na real de proletário, com o corte de três zeros no meu salário em Reais. Portanto, pra quem conviveu com uma inflação de 100% ao mês, falar que vivemos hoje a pior crise é Golpe!
Nessa viagem nostálgica que fiz em meus velhos contracheques, verifiquei que foi em 1992 que passei a exercer a função de engenheiro nomeado em Cargo em Comissão pelo Governo Petista, e fui nomeado definitivamente engenheiro por concurso público no final de 1993.

Nos meus contracheques consta que no ano de 1997 passei a exercer a função gratificada de Diretor da Divisão de Manutenção, registro que muito me honra por ter sido o local onde trabalhei por quase quarenta anos.
Constato  que é a partir de meados de 2011 que os meus contracheques passaram a ser emitidos pelo Previmpa e enviados pelo Correio, onde passei a constar como um engenheiro aposentado.
Assim, com este último contracheque emitido em papel e referente ao mês de junho de 2016, sou forçado a encerrar minha coleção de originais que registram, mês a mês, não só toda a minha carreira profissional, descrevendo detalhadamente quando ganhei cada avanço e progressão até a letra D, as horas extras que fiz e os meus empréstimos no Montepio, como também mostra quando vendi licença prêmio e dias de férias e a partir de quando passei a gozá-las integralmente. Os contracheques constituem um verdadeiro livro de nossas vidas, um diário de bordo desta longuíssima viagem que fizemos cruzando maus tempos para pescarmos o nosso sustento até, finalmente, atracarmos no idealizado porto alegre dos aposentados.  
Agora a minha coleção de contracheques, que abrange 41 anos, passa a ser uma relíquia preciosa dos tempos em que o zelo patronal era por garantir o acesso facilitado a todos os trabalhadores às informações de sua vida funcional. Coisa que paradoxalmente não acontece mais na pós-modernidade da era da informática, onde tudo e até a informação é líquida, está ao alcance de alguns e escapa entre os dedos de muitos.