A cada ano
cresce o número de pessoas que optam por morar só e não compartilhar o controle
remoto. Este assunto foi o tema de uma matéria de várias páginas no caderno
Donna do jornal Zero Hora (17/02/2013). Entre 2000 e 2010, o aumento foi de 68%
no Brasil, segundo o IBGE. No ranking das cidades com mais pessoas morando
sozinhas tem Herval ( minha cidade natal!) em primeiro lugar nacional, e Porto
Alegre é a capital com maior proporção dos chamados domicílios únicos.
Em fevereiro
de 2013, a Magda e eu estamos comemorando Bodas de Porcelana, 20 anos de
casamento morando em casas separadas. Segundo
as estatísticas, esta modalidade de relacionamento afetivo conjugal está se
tornando “normal” entre os casais pós-modernos, pessoas que não abrem mão de
ter um espaço só seu e, ao mesmo tempo, ter uma relação amorosa monogâmica.
A propósito, “Todo dia ela faz tudo sempre igual”,
como dizia a música Cotidiano do Chico Buarque, mas eu não mais “me
sacudo às seis horas da manhã”, posto que eu já estou aposentado e ela
ainda está cumprindo pena trabalhista. Moramos em casas separadas, vivemos uma
nova modalidade de relação conjugal em que “o sorriso pontual e o beijo com a
boca de hortelã” se dá no carro, com eu a conduzindo nas idas e vindas
do seu trabalho.
Estou no meu
terceiro casamento, sou quase especialista no assunto. No ímpeto da paixão de
quererem ficar juntos o tempo todo, a tendência dos casais é que um se mude de
mala e cuia para dentro da casa do outro. No casamento convencional,
“toda noite ela diz pra’eu não me afastar”, até o cara se sentir
asfixiado e, numa reação de legítima defesa, saltar fora.
Entretanto, já
faz vinte anos que vivemos harmoniosamente, com
cada na sua casa, com espaço físico e tempo para nos dedicarmos às
nossas individualidades e
peculiaridades. Eu com esta minha compulsão por escrever, e ela com o seu
estudo de piano; de modo que valorizamos qualitativamente nossos momentos de
convivência familiar.
Assim,
aproveitamos os momentos em que estamos juntos, que não são poucos, procurando
viver prazerosamente e com alegria, pois é um estar junto sem o estigma da
rotina geralmente estabelecida nos casamentos convencionais de que trata a
canção do Chico, na qual o cara “todo
dia pensa em poder parar, pensa em dizer não, depois pensa na vida pra levar e
se cala com boca de feijão...”. No
nosso cotidiano se pode parar, pensar e diariamente dizer “não”.
É claro que
surgem ruídos na comunicação, como em todos os casais, mas aí cada um tem o
escurinho do seu quarto e o silêncio do seu travesseiro para refletir e
desarmar o espírito, pelo tempo que precisar, para depois poder voltar a
investir na relação. Evita-se, com isso, os desgastes mais graves que uma
convivência obrigatória num momento de atrito conjugal pode causar: “me aperta pr'eu quase sufocar, e me morde
com a boca de pavor.”
A cultura
popular é sábia ao dizer que a vida dos amantes clandestinos é mais excitante,
nem tanto por ser às escondidas e mais por eles se encontrarem apenas nos
momentos de prazer. Analogamente, os casais que vivem em casas separadas são
como amantes publicamente declarados ou como namorados permanentes: “Meia-noite ela jura eterno amor”.
Mesmo sem
nunca termos pensado em “juntarmos os trapos” para morarmos juntos, por “essas
coisas que diz toda a mulher” sobre o glamour do casamento enquanto
declaração de amor, nos casamos legalmente há cinco anos atrás (através da
Declaração de União Estável), e seguimos “com boca de paixão” a vivência do
nosso cotidiano de um casal que vive em casas separadas.
Mas garanto
que é por pouco tempo que vou manter esta rotina de aposentado freqüentador
assíduo do seu ex-local de trabalho, sabem porquê?... Por que daqui mais um ano
ela também vai se aposentar (data que foi adiada por um ano para ela poder
incorporar no salário a nova gratificação de essencialidade do Dmae - GDAE),
quando ambos estaremos, finalmente, livres para voarmos juntos por outras
rotinas e horários, numa aposentadoria familiar integral, mas ainda assim em casas
separadas, rumo às Bodas de Prata e
Bodas de Ouro...