À ESPERA DA GRANDE ONDA VERDE

              Sou agnóstico e apartidário, mas confesso que me interesso pelas questões religiosas que envolvem a reencarnação neste planeta e gosto do jogo político, da política como um jogo de tabuleiro de movimentação estratégica de peças. Quando a senadora Marina silva,  ex-ministra do meio ambiente do primeiro governo Lula saiu do PT, acuada pelo presidente que decidiu inflar a Dilma Rousseff para nomeá-la candidata a sua sucessão no cargo, e a Marina trouxe toda a sua história de luta amazônica junto com o Chico Mendes para o Partido Verde do Gabeira, eu tentei me iludir que estava se formando o tsuname da esperada Grande Onda Verde.
            O mundo precisa de uma gigantesca onda verde para combater a monstruosa maré negra da poluição representada emblematicamente no Golfo do México, onde um poço de petróleo (igual a milhares outros que existem por estes mares sem fim)  vazou ostensivamente como que desafiando todas as tecnologias da ciência moderna que não conseguiam estancar esta sangria fatal para o ambiente marinho.
            Este episódio do poço de petróleo jorrando  completamente fora de controle é um símbolo da loucura geral que a civilização humana se encontra com o seu modelo de desenvolvimento e padrão de consumismo desenfreado. Seguimos em frente consciente que estamos destruindo com o planeta, mas impotentes para reverter ou para desacelerar as forças destrutivas que nós próprios desencadeamos. É o feitiço virando contra o feiticeiro!...
            A evangélica candidata do PV  tem suas limitações teológicas no campo científico, tanto na área de pesquisa genética de células tronco como também na área dos comportamentos sociais, tais como na questão do aborto e da homossexualidade, portanto não consegue agregar o suficiente em sua campanha política de evangelização para formar a grande onda verde profetizada que esperamos, mas acredito que dará uma importante contribuição para fazer com que o Partido Verde deixe de ser visto como o reduto dos “eco-chatos” e ganhe visibilidade no movimento de massa para deixar de ser nanico e começar a  crescer enquanto partido político..
Outras lideranças surgirão para formar a Grande Onda Verde, assim como no seu momento histórico  se construiu o partido dos trabalhadores, feito com caras novas que ao se misturarem com a velhas  raposas já não se distingue mais quais eram as bandeiras de luta de quem. A defesa do meio ambiente planetário há de ser uma distinção inconfundível de racionalização da política e da vida!...
A Grande Onda Verde é o sonho possível de ser  sonhado hoje por nós, juntamente com os nossos filhos, como uma preocupação de minimizar a depredação  da qualidade de vida dos netos deles.
 Vote no verde!

PASSANDO COLA DE VOTO PARA OS INDECISOS:

Deputado Estadual = 43 - Na legenda para fortalecer o coeficiente eleitoral do PV.

Deputado Federal =  Luciana Genro – 5050 – Justificativa: Pentelha boa para fazer uma oposição contundente pela esquerda .

Senador 1 = Paulo Paim – 131 – Por gratidão pela PEC de Transição da Reforma da Previdência do Governo Lula que permitirá que eu me aposente antes de completar os 60 anos de idade.

Senador 2 = Rigotto - 151 – Para combater a ascensão da Ana Amélia do PP(??) e da Globo(!!).

Governador = Montsserrat - 43 – Por ter sido meu amigo e companheiro do Núcleo JB de construção do PT na década de 80.

Presidente = Marina Silva - 43 -  Para incrementar a ESPERANÇA de vinda futura da Grande Onda Verde.

LULA E EU, OS FILHOS DO BRASIL

        Lula é indicado ao Oscar de Hollywood...
        O filme Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto, foi o escolhido ontem para representar o Brasil na disputa pela vaga ao Oscar de melhor estrangeiro em 2011, vai concorrer com 95 outros paises para se classificar entre os cinco indicados para o prêmio.
        Ao assistir ao polêmico filme “Lula, o filho do Brasil”, patrocinado por grandes empreiteiras e que foi lançado em ano eleitoral prometendo ser uma peça chave da campanha política na sucessão presidencial nos sertões sem fim irrigados pela distribuição de renda do “Bolsa Família”, não pude evitar de me comover às lágrimas. Assim como eu, milhares de brasileirinhos por estes brasis a fora vão se identificar com esta história pessoal como sendo, em parte, a filmagem de suas próprias vidas. Mas, no meu caso, acho que vale explorar este tema como uma crônica literária sobre as semelhanças de trajetórias e as grandes diferenças de desfechos.


        Como o Lula, eu e minha família também viemos do interior, migrando da miséria do campo para a pobreza da cidade grande. Também vivenciamos o drama de ter um pai alcoólatra e de sermos oito filhos: quatro homens e quatro mulheres. Sendo que ocorreu com o meu pai praticamente o mesmo que aconteceu  com o pai de Lula, que morreu longe da família, em outra cidade.
          Como o Lula eu também tive  um professor que, por me julgar inteligente e diferenciado dos demais colegas de internato público estadual (Secretaria Estadual do Menor - futura FEBEM),  se interessou em me adotar. Eu próprio esclareci a ele que não estava interessado em ter outra família, que preferia continuar vivenciando com a minha família apenas durante as férias de verão, com todas as penúrias de sua pobreza, do que usufruir do conforto de uma família adotiva.
         Assim como para o Lula, que o primeiro vislumbre da política teria ocorrido numa assembléia esvaziada do sindicato, quando sentiu que a militância da agitação político-sindical era um ímpeto forte e inevitável na sua vida; para mim foi numa assembléia tensa dos estudantes da UFRGS em greve no início da década de 80.
         Como o Lula, eu também me envolvi com militância político-partidária e sindical, nesta ordem, portanto na ordem contrária dele que foi do sindicalismo para a construção do partido. Foi seguindo suas pegadas, após acatar seu chamado para a construção de uma ferramenta política para a classe trabalhadora, o PT, é que me joguei de corpo e alma, por cerca de dez anos, na construção de uma consciência de classe sindicalista na minha categoria funcional. Lula era o nosso grande ícone nacional que pregava a unidade sindical apartidária e não ideológica!

          Como ocorreu com o Lula, do meu primeiro casamento não ficou nenhum filho. Apenas que para mim o seu fim foi menos trágico, não fiquei viúvo e sim divorciado no litigioso.
Onde está o Celso?
             Como o Lula, eu também percorri uma trajetória de ascensão como liderança e dirigente sindical, no meu caso como presidente fundador da associação pré-sindical dos municipários portoalegrenses, a AMPA (naquela época funcionário público ainda não podia constituir sindicato!).
     Como o Lula, eu também tive um período de grande consumo alcoólico (o que  foi uma omissão dos marqueteiros do filme). Juntamente com outras lideranças e militantes, costumávamos ficar até altas horas de beberagem nos bares fazendo análises e comentários políticos das disputas internas e externas do partido e do sindicato. Inclusive até tomei umas cervejas e cachaças  com o próprio Lula na casa do meu falecido irmão Gildo Lima, na campanha eleitoral de 1982 (sem fotos!).
A neta do Lula, minha filha Luiza e o meu irmão Gildo de papagaio de pirata do Lula e do Governador Olívio Dutra.

          Mais do que o Lula, que no seu segundo relacionamento conjugal teve só uma filha, a Lurian (que os marqueteiros estrategicamente omitiram a sua existência no filme), no meu segundo relacionamento eu tive duas filhas.

         Assim como o Lula vivenciou a experiência de convencer a categoria em greve de que é hora de voltar sem a vitória,  para não ter que voltar depois derrotados e humilhados; eu também experienciei o engolir sapo de uma negociação tensa e matreira com o prefeito Collares, onde tive que defender o retorno ao trabalho em uma assembléia com milhares de colegas, mesmo sendo chamado de “traíra”, como no filme,  pelos porra-loucas radicais; eu também obtive o voto de confiança da categoria.
        Assim como o Lula, o meu terceiro relacionamento conjugal também está sendo com uma mulher que já tinha um filho (junto ao qual assumimos a função de pai como uma realização), mulher com quem eu também continuo a minha humilde caminhada por esta vida.
Como o Lula, eu também tenho um diploma do SENAI, apenas que não é de torneiro-mecânico, é de tipógrafo, ofício praticamente extinto, mas que também envolvia o risco da perda de dedos nas guilhotinas motorizadas de cortar papel. Felizmente, embora tantas semelhanças de trajetórias,  aqui começam as grandes diferenças de desfechos.

Assim como o Lula dedicou postumamente à sua mãe o seu diploma de presidente do Brasil ao colocar o PT no poder (naquela maravilhosa celebração da democracia que foram as cenas de sua posse, cenas que faltaram no encerramento do filme), eu também dediquei à minha mãe o meu diploma de engenheiro pela UFRGS e, ao contrário do Lula, me desvinculei do PT e do engajamento partidário.

          Talvez a grande diferença dos desfechos de nossas trajetórias, é de que o Lula, sendo hoje órfão de mãe e pai, esteja mais para “Pai e Mãe do Brasil” por sua imensa projeção, adquirindo uma envergadura histórica do porte de Getúlio Vargas, enquanto eu, que por sorte de desígnios do destino ainda usufruo da convivência com a  minha velhinha mãe, estou verdadeiramente mais para filho do Brasil do Lula.


         Lula é indicado ao Nobel da Paz...Lula  é o Cara!





A BOLA DO JOGO NA COPA DO MUNDO

       Os nomes mais pronunciados durante as transmissões do Mundial foram certamente Vuvuzela e Jabulani. As cornetas vuvuzelas passaram a ser vendidas até pelos nossos camelôs e estão inseridas no cotidiano de nossas casas, na vizinhança, pela cidade, pelo país e pelo mundo afora fazendo barulho. A Jabulani é a bola dos jogos da Copa do Mundo FIFA de 2010, realizada na África do Sul. Foi produzida pela Adidas (empresa alemã) e o nome da bola significa "Celebrar". As 11 cores da bola, de acordo com a Adidas, foram escolhidas para representar os 11 jogadores de cada seleção, os 11 idiomas oficiais da África do Sul e as 11 tribos que formam a população sul-africana.

        A bola foi muito criticada por jogadores, como sendo muito cheia de (d)efeitos especiais (realmente parece aquelas bolas baratas de plástico compradas em supermercado para as crianças). Muitos analistas classificaram as críticas como sem fundamento, e desconfiam que estas podem ter surgido da rivalidade econômica entre empresas de material esportivo, já que muitos dos jogadores que criticaram a bola são patrocinados pela maior rival da Adidas, a estadunidense Nike. Cabe registrar que atualmente a Adidas é a segunda maior empresa de equipamentos esportivos do mundo, atrás da maior rival a Nike, mas é a líder na Europa onde a Nike é a segunda.
        No jargão futebolístico, a expressão “a bola do jogo” significa uma chance cristalina de gol que pode decidir a partida. Dizer que “esteve com a bola do jogo”, portanto, significa dizer que teve a chance cristalina de vencer o jogo, mas que não conseguiu aproveitar. Nenhuma definição de “a bola do jogo” é mais explícita de que a bola do jogo, com as dimensões continentais de ser a última esperança de todo o povo africano, que foi a cobrança da penalidade máxima marcada a favor da seleção de Gana contra o Uruguai, no último minuto do segundo tempo da prorrogação pelas quartas de finais: era fazer o gol e correr para a consagração de classificar pela primeira vez uma nação africana para as semifinais! Gyan, o craque de Gana, desperdiçou a bola do jogo quando a partida estava empatada em 1x1, a qual ficou para ser decidida pelo critério da cobrança de pênaltis...
        Este mesmo lance também foi a bola do jogo para a seleção celeste do Uruguai, que há quarenta anos não se classificava para a fase de semi-finais de uma Copa do Mundo. Com o jogo empatado até os 15 minutos do segundo tempo da prorrogação, Suárez, o artilheiro do Uruguai na Copa, salva o gol em cima da linha com o pé. Não sendo o suficiente, salva de novo no rebote, mas dessa vez utilizando as duas mãos. É expulso e há marcação de pênalti. Gyan, principal nome de Gana, cobra forte e acerta o travessão. Num mesmo lance que envolve a “bola do jogo” para duas nações, Gyan passou de herói a vilão do povo africano (que inclusive passou a sofrer ameaças de morte e até pediu proteção policial) e Suárez passou de maldito, por ter provocado o pênalti que poderia ter dado a vitória ao adversário, ao herói que foi ao sacrifício de provocar a sua própria expulsão para propiciar a chance de sua equipe decidir e acabar realizando o sonho uruguaio de obter a classificação para a próxima fase do Mundial...
        Nesta copa eu torci pelo Brazil, é claro, mas também pelos africanos e pelos latino-americanos, nesta ordem de preferência. Portanto, nesta fase mata-mata (onde em cada partida um tem que morrer) sofri com a derrota da África, mas vibrei com a vitória e classificação do Uruguai como a única seleção da Ámerica Latina para as semifinais, com o gostinho especial de ter sido a última a se classificar para a Copa, tendo que pegar a repescagem das Américas pra chegar lá. Depois do grande feito de colocar 6 selecionados (México, Chile, Brazil, Argentina, Paraguai e Uruguai) pra disputar as chamadas oitavas de finais (que envolvem dezesseis equipes disputando oito vagas), os cucarachos foram caindo um por um: o México caiu para a Argentina que caiu para a Alemanha, o Chile caiu para o Brazil que caiu para a Holanda (que depois derrubou o Uruguai por 3x2 nas semifinais e que pela terceira vez morreu na praia da grande final), e o Paraguai caiu para a Espanha depois de ter a sua “bola do jogo” com a cobrança de penalidade máxima desperdiçada aos trinta e cinco minutos do segundo tempo; dois minutos depois foi a vez da Espanha ter a sua “bola do jogo” e conquistar pela primeira vez a sua classificação para as semifinais cobrando pênalti com sucesso contra o Paraguai. Cardozo, o atleta do Paraguai que desperdiçou a “bola do jogo” de sua equipe, chorava inconsolável após o término da partida, comportamento comum entre os atletas das equipes derrotadas e também nas respectivas torcidas nas arquibancadas, demonstrando as emoções extremadas próprias dessa competição esportiva mundial entre as nações. A Fúria espanhola depois derrubou a Alemanha e entrou para o seleto grupo dos campeões do mundo vencendo a Holanda (que também teve a sua “bolo do jogo” desperdiçada por Robben) na grande final por 1x0. Final de Copa do Mundo que pela primeira vez não foi disputada por nenhuma das quatro seleções “gigantes do futebol”: Brazil, Alemanha, Itália e Argentina. E o mais curioso é que reuniu duas monarquias, contando com a presença no estádio do príncipe herdeiro da Holanda (com a suas esposa argentina) e da rainha Sofia, esposa do rei Juan Carlos da Espanha; coincidência que deve indicar que as repúblicas democráticas ou ditatoriais estão em baixa futebolísticamente.
      Como torcedor eu não sou adepto do sectarismo futebolístico, cultura que muitas vezes conduz a práticas preconceituosas. Confesso com orgulho que torci até pelos “hermanos argentinos”! Gosto de futebol como uma mera bobagem de jogos de crianças, é o nosso lado lúdico que exercitamos como torcedores de futebol. Gosto de futebol como tal, como mero futebol. Assim, vibro com um gol bonito até contra o meu próprio time, o Internacional; grito “feito!” igualmente para os gols contra a seleção brasileira. O gol é o momento máximo do futebol, a sua magia tem que ser admirada pelo verdadeiro torcedor universal, seja a favor ou contra a equipe de sua preferência. No Grenal torço pelo Inter, nos campeonatos nacionais torço pelos gaúchos, inclusive pelo Grêmio; nos campeonatos mundiais torço pelos sul-americanos, inclusive pelos argentinos, apesar de preferir os uruguaios num confronto entre eles. De qualquer forma, desta vez os alemães provocaram um humilhante “adiós muchachos” aos argentinos, dando uma goleada histórica de 4x0 neste confronto de titãs multi-campeões do mundo.
          Faço meu o critério do meu amigo Konrad: se um jogador, tido como diferenciado, não brilhou na copa, não é craque! Se o Messi, eleito o melhor jogador do mundo do momento, não brilhou e nem sequer fez um gol nesta copa, o polêmico treinador Maradona, que também já foi em sua época o melhor jogador do planeta, foi certamente a “figurinha” mais marcante deste mundial, fazendo o seu espetáculo na beira do gramado e nas entrevistas coletivas (mais do que o Mick Jaeger tido como o“pé frio” da copa, mais do que a modelo peituda torcedora do Paraguai que fez fama mundial instantânea devido ao seu celular guardado entre os seios à vista das câmeras e a sua promessa de ficar nua caso fosse campeã; e mais até do que o polvo Paul, transformado em oráculo e vidente alemão por acertar os vencedores das partidas da seleção alemã e a da final – sendo que o pobre do polvo sempre escolhia a mesma caixinha da direita, a dona do polvo que colocava as bandeiras das equipes das caixinhas é que era vidente!). A pérola de frase do Maradona, desta vez, foi provocativa ao nosso eterno rei do futebol: “O Pelé deveria ficar num museu, que é o seu merecido lugar”. Pensando bem, sem preconceitos e bairrismos, acho que o cara não deixa de ter razão. O nosso rei vive há décadas das glórias obtidas a meio século atrás, vive de vender uma imagem de ídolo asséptico (não bebe, nã fuma, não cheira e nem fede no papel de politicamente correto; só faltava ser crente e bonito que nem o Kaká - o nosso atual rei que também já foi o melhor do mundo - e também a exemplo do nosso rei da música Roberto Carlos). Convenhamos, eu simpatizo mais com o tipo dos reis argentinos (Gardel, Che Guevara e Maradona), que fazem o papel de anti-heróis latino-americanos, feitos de malandragens e vivacidades e também de posicionamento político e muita pegada e garra. Com a eliminação de los hermanos o mundo perdeu a oprtunidade de ver o Maradona desfilar pelado (conforme prometeu fazer se os argentinos fossem campões do mundo) em torno do obelisco no centro de Buenos Aires, perdemos de ver a tatuagem de Che Guevara que dizem que o cara tem no corpo, ele que é amigo do Fidel Castro, não é o máximo?...
       Se esta foi a copa dos erros de arbitragem calamitosos (como o gol da Inglaterra contra a Alemanha não assinalado), também foi a dos erros dos locutores e mancadas dos comentaristas (como o Falcão que não acertou nenhum prognóstico). Sócrates, não o filósofo, mas o ex-jogador daquela seleção maravilhosamente ofensiva de 1982 (Zico, Falcão, Sócrates, Cerezzo e Éder) que perdeu a final, podendo empatar, para a Itália na Copa da Espanha, ao criticar os critérios de convocação e de estilo de jogo e método de trabalho do treinador Dunga, criou uma polêmica tupiniquim ao afirmar que estas características defensivas são próprias do povo gaúcho, que é reacionário. Na verdade a máfia futebolística da CBF, que nem o Clube dos Treze (formados pelos maiores clubes do Brasil) conseguiu desbancar, depois da gandaia que foi a também potencialmente maravilhosa seleção da copa de 2006 na Alemanha (com Cafu, Lúcio, Juan, Roberto Carlos “da meia”, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Ronaldo Fenômeno), tentou ressuscitar a famigerada “Era Dunga” para colocar ordem na Casa da Mãe Joana, que é no que estava virada a Comissão Técnica do escrete brasileiro sob o comando do Parreira e Zagalo.

         A campanha “Cala Boca Galvão!” que ganhou faixa na arquibancada do jogo inaugural da Copa, e que se espalhou como uma onda de tsunami numa campanha internacional na rede de twitter, bem que poderia solicitar imperativamente que também o Sócrates calasse a boca! Nem o Dunga encarna a concepção de futebol dos gaúchos, nem somos reacionários; politicamente somos até revolucionários. Dunga pode ter pisado na sua “bola do jogo” que o consagraria definitivamente, jogou suas principais fichas em jogadores pesteados (saindo de lesões graves: Júlio César, Kaká e Luís Fabiano) e temperamentais (Felipe Melo), mas teve um mérito, este sim característico dos gaúchos: Dunga brizolou, peitou a Globo! Botou pra correr da concentração do selecionado a primeira dama do Jornal Nacional, Fátima Bernardes, com o seu carteiraço de exclusividade sobre a CBF, e ainda disse um monte de xingamentos monossilábicos para os prepotentes repórteres da Rede Globo numa entrevista coletiva transmitida ao vivo mundialmente. Talvez mais do que a derrota na Copa, esta tenha sido a causa de sua demissão imediata do cargo, cujo comunicado em primeira mão foi dado pela televisão, antes mesmo do próprio Dunga saber, o qual só pode se manifestar através de carta pública acatando a decisão do todo poderoso Dono da CBF, Don Ricardo Teixeira. Eu até que tentei calar a boca do Galvão assistindo um jogo da seleção na TV Bandeirantes mas, com todo o respeito ao Luciano do Valle que é muito bom, fala sério, ter que aguentar os comentários fajutos do Neto com aquele sotaque de caipira paulistano é pra matar! Tanto Sócrates “não sabe que não sabe o que diz” que o treinador mais cotado para substituir o Dunga-Zangado é outro gaúcho com o qual a seleção foi pentacampeão do mundo em 2002: o Felipão Scolari (e acabou sendo outro gaúcho, o Mano Menezes!).
         A propósito dos narradores e comentaristas da copa, que passam o tempo todo fazendo campanhas apelativas para provocar o envolvimento emocional e patriótico do público, dando dimensões de extemas relevâncias existências e metafísicas a conexão dos brasileiros com a sua seleção: Todos juntos, vamos pra frente Brasil, salve a seleção...No Brasil, para se assistir a um jogo da seleção pela copa do mundo há todo um cerimonial, é um evento quase religioso como o natal ou simbólico como o reveillon. É como nestas ocasiões em que as famílias se reúnem, sendo considerada uma coisa muito deprimente ter que assistir a um jogo do Brasil sozinho, sem ter com quem confraternizar na hora do gol e da consagração da vitória, sem ter com quem chorar vendo os nossos heróis levantarem a taça e ouvindo tocar o Hino Nacional...Daí a nova tendência tribal planetária de multidões se reunirem em praça pública, onde ninguém assiste nada, mas todos compartilham das emoções por efeito cascata, a partir dos que estão mais próximos dos telões televisivos ou dos palcos de shows nas festas de entrada de ano novo.
        Mas, diante da derrota dos nossos heróis, que passam a ser perebas e vilões mercenários, diante da eliminação da seleção canarinho da competição, que invés de canarinhos se tornam amarelões, os mesmos narradores que faziam a exaltação carismática, com todo o apoio do marketing publicitário comercial, agora têm que lembrar explicitamente aos seus telespectadores que todo este circo é apenas uma partida de futebol, um mero jogo lúdico para entretenimento e para divertir as pessoas. Os narradores têm que tentar tirar todo povo brasileiro do transe hipnótico que eles mesmos criaram, pois literalmente o país pára na hora do jogo e ficam todos olhos-ouvidos-coração na televisão, alertando que não há motivo algum para haver uma comoção nacional, que não é nenhuma tragédia a derrocada futebolística, e clamar para que as pessoas não se exacerbem para não terem nenhum colapso ou ímpetos de quebra-quebra ou suicidas. Não cortem os pulsos, é tudo brincadeirinha, daqui a quatro anos tem mais!

      A bola do jogo da próxima Copa vai picar para nós, é a nossa Copa, é o Mundial 2014 no Brasil acontecendo aqui no Estádio Beira Rio. Ao menos um jogo desta competição eu vou querer assistir com os meus filhos. Afinal, vou estar aposentado e fazendo sessenta anos, entrando definitivamente na terceiridade, e esta será a minha bola do jogo para assistir ao vivo uma partida valendo pela Copa do Mundo.

AAA: AUXÍLIO AOS APOSENTANDOS ANÔNIMOS

05/07/2010

        A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, cujas estimativas é de que nos próximos seis anos se aposentem seis mil funcionários, cerca de mil por ano, sendo que somente no DMAE deverá se aposentar em torno de trezentos servidores por ano nos próximos três anos, está promovendo uma espécie de curso preparatório para os seus aposentandos. É o denominado ‘Programa de Preparação para Aposentadoria (PPA), que promove encontros quinzenais com três turmas de trinta funcionários em vésperas de se aposentar, onde são realizadas palestras com uma temática específica em cada um dos quinze encontros programados de abril até meados de dezembro de 2010.
        No primeiro encontro houve a tradicional rodada de apresentações, típica das reuniões da “AAA” (Associação dos Alcoólatras Anônimos), porém num formato mais interativo. Em duplas, cada um se apresentava para o colega ao lado e depois cada um apresentava para o grande grupo o colega a partir do que acabara de ouvir de sua auto-apresentação. Resumindo, a minha colega ao lado é funcionária da SMED e está decidida a se aposentar por livre e espontânea vontade até o final do ano, para poder sair pelo menos seis meses antes que ela seja expulsa do trabalho pela compulsória. Quer sair, apesar de contrariada, por suas próprias pernas... Quanto às suas expectativas sobre o curso, disse que esperava espantar os fantasmas desta transição para a aposentadoria, durante a qual muitos colegas partem desta vida ou logo após se aposentarem...

         A coisa mais chocante deste primeiro encontro ocorreu durante o preenchimento de um formulário de informações gerais sobre hábitos e práticas pessoais, quando me deparei com a seguinte pergunta: - Quantos dias por semana ingeres bebida alcoólica: 1,2,3,4,5,6 ou 7?...Deixei a questão em suspenso e a levei ressoando como um sino na minha cabeça, prometendo a mim mesmo ter uma resposta socialmente adequada para dar até o final do curso.
        No encontro da quinzena passada a temática era “O Aspecto Familiar na Aposentadoria”, em que cada membro devia levar um familiar para participar da reunião e onde duas especialistas em Terapia Familiar abordaram (na presença da minha mulher!) os aspectos de ansiedade, medo e apreensão quando um casal se aposenta e tem que compartilhar e ficar se olhando durante muito mais tempo...
        O tema de hoje foi “Aspectos Psicológicos da Aposentadoria”, onde um psicólogo novamente iniciou a reunião promovendo a rodada de auto-apresentação, para salientar depois as relações do trabalho com a identidade da cada um: eu sou engenheiro do DMAE, eu sou professora, eu sou arquiteto...Nós nos identificamos com aquilo que a gente faz. Se o “fazer” nos estrutura uma identidade, o ócio pode nos desconstituir. Ao nos aposentarmos, quem somos nós quando não somos mais o engenheiro do DMAE, a professora da SMED ou o arquiteto do Meio Ambiente?...
         O psicólogo estava abordando as diferenças culturais entre o homem e a mulher, as quais vão repercutir em posturas bem diferenciadas frente à aposentadoria, quando uma colega do curso puxou da bolsa um recorte de jornal e comentou sobre a coluna do Juremir Machado do Correio do Povo de hoje, intitulada “A Mulher de 70 anos”. O palestrante achou oportuno e solicitou que ela lesse a coluna para o grande grupo, cujo conteúdo resumidamente nos aspectos de contraponto feminino-masculino, dizia o seguinte:
        O homem é prosaico. As mulheres são poéticas. O homem é diurno. A mulher é noturna. O homem é apolíneo. A mulher é dionisíaca. Felizmente, há homens com alma feminina.
       Um homem de 50 anos quer ficar no sofá vendo jogo de futebol e bebendo cerveja. Não vê mais razão para sair, dançar, seduzir e divertir-se. Aos poucos, fica com a aparência e o cheiro de um lobo-marinho em cima de um rochedo. Com homem é assim: ou sai para caçar ou coloca pantufas e aposenta o rifle. Há os que saem para trair. A idade e os hábitos, contudo, os tornam invisíveis. Recuam para a frente da televisão e ali ficam.
       O homem mediano organiza sua vida em torno de quatro elementos que, depois de levá-lo ao topo, terminam por derrubá-lo: a racionalidade, o utilitarismo, o trabalho e o tempo como valor econômico. Só as mulheres conhecem realmente a importância do supostamente inútil: produzir-se, em vez de só produzir, consumir, em lugar de se consumir, gastar e gastar-se, buscar o prazer até o fim.
       O sonho de um homem de 50 anos é ter uma Copa do Mundo a cada seis meses para ver a bola rolando sem parar. As mulheres de 70 anos até sonham com futebol, mas é para ver as pernas do Messi, do Kaká e do Cristiano Ronaldo. A única alternativa para o homem de mais de 50 anos com a vida econômica encaminhada é a política, que permite brincar de estratégia com os amiguinhos parecendo útil e racional. As mulheres de 70 anos encontram coisas mais agradáveis para fazer.
        Não há melhores leitoras do que elas. Captam o essencial. Homens querem saber da mensagem, do conteúdo e da ideologia. Mulheres de 70 anos percebem a forma, o jogo, a fórmula, as figuras de linguagem, as nuanças e os estilos.
       Talito, aposentando do DMLU
Como fechamento conclusivo de sua palestra, o psicólogo Regis Caputo Krug (que vai criar cavalos de raça quando se aposentar da PMPA daqui a dois anos) ressaltou que a tendência à invisibilidade  de um aposentado (quando ninguém mais presta atenção e nem sequer respondem aos seus pedidos, quando vira um móvel da casa ou uma mala sem alça e sem rodinha) no meio familiar e social é uma conseqüência direta da pessoa não se adequar aos novos papéis que estão colocados para ela exercer nesta nova fase da vida e, principalmente, dela não ter projetos de atividades criativas em coisas que gosta muito de fazer. Considera que todos somos potencialmente loucos com fortes dispositivos de controles que nos permitem operar dentro da normalidade social, mas que com o avanço da idade os controles vão se afrouxando e vão aflorando as neuroses de cada um. E o quadro se agrava no cenário do chamado “sentimento de impunidade da velhice”, quando o velho passa a se dar a liberdade de fazer e dizer tudo o que bem entender, por conta de já estar se sentindo cada vez mais com o pé na cova. A internet e a própria correria da vida moderna tem agravado  a invisibilidade entre pais e filhos e multiplicado a invisibilidade entre netos e avós vivendo dentro de uma mesma casa. Reafirma o palestrante que a identidade é “fazer” trabalhos, mas não mais fazer por obrigação e sim por prazer; caso contrário há desistência, irritabilidade e depressão. Estudos mostram que um homem aposentado que não se interessa por fazer nada com gosto e brilho nos olhos, fica invisível, cai no alcoolismo (ingerindo bebidas alcoólicas “socialmente” sete dias por semana) e morre em quatro anos!...



AS CINZAS DO SARAMAGO E AS MINHAS

Sexta-feira - 25/junho

         Morreu José Saramago, o português que colocou o nosso idioma no mapa-mundi da melhor literatura contemporânea. José de Sousa Saramago (nasceu em 16 de Novembro de 1922 — e morreu em 18 de Junho de 2010) foi um escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa, sem nunca ter cursado nenhuma universidade.
         Três décadas depois de publicado o seu primeiro romance Terra do Pecado (1947), Saramago retornou ao mundo da prosa, já com 55 anos de idade, publicando o romance Manual de Pintura e Caligrafia (1977). Mas as marcas características do estilo saramaguiano só apareceriam com Levantado do Chão (1980), livro no qual o autor retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo.
         Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea, sendo considerado por muitos críticos um mestre no tratamento da língua portuguesa. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom, no seu livro Gênio: Um Mosaico de Cem Exemplares Mentes Criativas, considerou José Saramago "o mais talentoso romancista vivo nos dias de hoje", referindo-se a ele como "o Mestre". Declarou ainda que Saramago é "um dos últimos titãs de um gênero literário que se está a desvanecer".
       Saramago, tendo sido mestre em criar polêmicas na aldeia global, após sua morte ainda deixou a sua polêmica póstuma: o que fazer com os seus restos mortais? A primeira versão noticiada pelas agências internacionais na mídia, era de que o enterro do escritor seria repartido (não significa que o seu corpo iria ser decepado ou esquartejado, e sim que suas cinzas seriam repartidas): metade ficariam em Portugal e a outra metade em Lazarote, nas Ilhas Canárias da Espanha, onde o escritor passou a viver auto-exilado depois da polêmica criada com o governo português com a repercussão do seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
           Hoje, no evento de mutirão de leitura de sua obra, alusivo ao sétimo dia de sua morte (que por ser o falecido um ateu ferrenho, não foi celebrado com a clássica missa cristã), circulou a notícia definitiva(?) sobre a decisão da viúva: as cinzas da cremação do corpo do Nobel de literatura permanecerão em um jardim em frente da fundação do escritor em Lisboa, na Casa dos Bicos. As cinzas serão enterradas ao lado de uma oliveira centenária originária de Azinhaga, aldeia natal do escritor. As cinzas ficarão num local público onde haverá uma pedra em que será gravada a frase "mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia", que faz parte do romance "Memorial do convento", onde os leitores poderão sentar para ler seus livros...

       A polêmica póstuma deixada pelo Saramago faz conexão com a minha primeira vivência do ritual de velório de corpo presente num crematório, que também vem a ser a minha opção de destino final da matéria do meu corpo: virar cinzas e reintegrar-se ao seu ciclo geológico na natureza, até passar novamente pela purificação elementar de minério no caldeirão incandescente do magma no centro do planeta Terra, e vir à tona novamente em diferentes formas. É a máxima do “nada se perde, tudo se transforma” elevada às extratosferas metafísicas.
       O destino me levou a estudar Engenharia de Minas para que eu pudesse sedimentar esta compreensão estóica da natureza da vida, mas foi o estudo de filosofia que me deu a dimensão metafísica do seu significado. Com estes fundamentos pude superar as pressões teológicas que acenam com compensatórias eternidades espirituais e compreender que a eternidade do ser animal consiste justamente em ele ser ínfima parte do eterno universo cósmico, como árvores e rochas e estrelas e planetas e sistemas solares e galáxias, que surgem e somem ciclicamente com o tempo, com resignada harmonia budista.
         Controvérsias ontológicas à parte, voltando à questão do crematório, o procedimento do ritual social do luto nesta modalidade de velório é bem menos traumático do que o convencional, especialmente no tocante ao último movimento que consiste no pedreiro do cemitério cimentando a lápide, seja da gaveta na parede ou do jazigo enterrado. Ao invés destas cenas e ruídos grotescos, ouve-se uma música clássica espiritualizante enquanto o caixão contendo a matéria inerte do falecido desliza por uma esteira em lenta e definitiva despedida, até desaparecer atrás de uma cortina que se fecha encerrando o cerimonial do luto.  
        Logicamente que, por via das dúvidas, todo o culto litúrgico de despedida também é feito numa moderna capela ecumênica dotada de confortáveis poltronas, à semelhança de salas de teatro em torno do palco sobre o qual jaz um ator inerte em sua derradeira cena nesta forma humana de ser, sob a batuta de um padre ou pastor ou lama que encomenda o corpo e, com a autoridade de seu cargo, recomenda que o seu espírito tenha um melhor destino no além, caso haja o além.

          Outra vez, controvérsias teológicas à parte, voltando à questão do crematório de cadáveres, um problema residual que sempre sobra para os que ficam é: o que fazer com as cinzas do ente querido que foi cremado? É muito comum este assunto da destinação final das cinzas do corpo não ser tratado a tempo com o falecido dono do corpo, e os parentes acabarem se apegando a estes seus restos mortais e repetindo o culto milenar de mantê-lo fisicamente num determinado lugar onde possa ser reverenciado com flores em datas especiais, como na semana santa dos católicos. Para contemplar tais tendências humanas de apego, os crematórios já desenvolveram o chamado “Columbário”, que é uma sala com estantes onde ficam as caixinhas de madeira contendo as cinzas, à semelhança de livros grossos de capa dura, com o nome e até fotos do antigo corpo que foi cremado. O Columbário, pelo que eu entendi, é uma espécie de sala de passagem das cinzas, até que os familiares se decidam o que fazer com elas. Para os mais apegados o crematório já tem a área de Jazigo, à semelhança dos cemitérios convencionais, onde as cinzas são guardadas em definitivo em uma gaveta própria com direito a lápide e tudo o mais, apenas em menores dimensões. Há casos pitorescos de pessoas que ficam com as cinzas na estante da sala ou na mesinha de cabeceira do cônjuge, mas o mais natural é desenvolvermos o desapego e dispersarmos o pó (ao que ficamos reduzidos após o corpo ser cremado) em algum lugar que era do agrado do falecido, tais como parques, jardins, no campo de futebol do time do morto, no rio da cidade onde nasceu, no mar, na areia da praia, ao vento...
         As possibilidades de destinação final das cinzas são infinitas, mas quando não há uma determinação prévia em vida, acaba parecendo desrespeitoso para com o morto se “jogar fora” seus restos mortais. Pois foi pensando nesta questão prática que eu saí da minha primeira experiência em um ritual funerário de crematório, que é uma novidade muito recente em nossa sociedade...
        “Se Deus quiser eu não vou morrer tão” e repito três vezes, batendo supersticiosamente com as juntas dos dedos na madeira, mas ficou de maneira incontornável colocada a questão de eu ter que definir o que quero, afinal, que façam com as minhas cinzas para o culto da minha despedida desta forma humana de ser no mundo?

        Ainda que eu tenha ficado ainda mais convencido de que a cremação é a modalidade funerária que recomendo filosófica e socialmente, confesso que não é uma questão fácil de se tratar, e é justamente por isso que ela geralmente não é tratada em vida e acaba provocando tantos problemas póstumos. Nem mesmo o incrédulo Saramago, que era um homem brilhante aos 87 anos de idade e que sabia que o seu tempo estava acabando, conseguiu transpassar na sua visão de vida o ensaio da cegueira do pós-morte e elaborar o seu destino final. Quando começamos a pensar seriamente nesta questão, parece que estamos sendo tétricos e agourentos. Somos culturalmente condicionados a não pensarmos na morte, em especial na nossa própria morte, sob pena de sermos taxados de macabros e depressivos. Pensar na morte, mesmo que objetivamente, está vinculado socialmente à negatividade, em contrapartida, portanto, ser positivo é não pensar! A não ser em casos de mortes ocorridas lentamente por doenças fatais, em que a morte é uma presença indesejada que se anuncia e avança sistematicamente, é que ela pode ser pensada e tratada ainda que com alguma resistência; nos casos de mortes repentinas e inesperadas, nem pensar que alguma coisa possa ter sido pensada previamente sobre este tema tabu, no máximo a manifestação ocasional de optar pela cremação.
          Mas, controvérsias sociológicas à parte, comecei a refletir o que eu gostaria, afinal, que fizessem com as cinzas do meu corpo quando nele o que penso que seja o tal eu psicanalítico ou espiritual, com o seu tênue sopro de vida, já não mais se manifestar presente. Percorri mentalmente, por dias e semanas após o evento, as possibilidades de locais para a destinação final dos meus resíduos sólidos, até que o encontrei e ao torná-lo público sinto um leve sentimento de superação dos medos e preconceitos irracionais sobre a morte.
        Já no primeiro livro de poesias minhas que encadernei, intitulado “Reunião de Vinte Anos”, há um poema datado de 1970 (quando eu tinha dezesseis anos) denominado ILHA que indica o referido local:

Entre o encanto da natureza
E as calmas e plácidas águas de um rio
Semi levado pela correnteza
E num terno recanto sombrio
Por sobre as vagas do rio escuro
Com um vago olhar...
Deixo morrer as mágoas
Do meu eu tão inseguro
Que vê o mundo por estourar
Quisera eu poder
Aqui passar os restos dos meus dias
Desbravar a virgem selva
De tudo e de todos esquecer
Alimentar-me de pescarias
Dormir ao relento e na relva
Apreciar o sol a se esconder
Deixar o mundo sempre distante
Poder gritar, rir e chorar
Ver sempre este lindo horizonte
Que reflete neste minúsculo mar
Mas...adeus ilha dos meus sonhos
Nunca mais me verás voltar.
          A ilha a que referem os versos realmente “nunca mais me verá voltar”, pois ela já não mais existe por ter sido incorporada à margem pela intensa dragagem que o rio Guaíba sofreu nos anos que se seguiram à confecção do poema. No quarto livro de minha autoria que encadernei artesanalmente, este também reunindo poesias, intitulado “Beco Sem Saída”, consta uma outra referência ao mesmo local no poema denominado A Morte do Sol, datado de 1975 (quando eu tinha vinte e um anos de idade):

Como é triste a morte da flor
Dos homens e das aves
A morte dos inferiores é lúgubre
Quem me dera ter a morte do sol:
Percorrer resignado o meu caminho
Até a máxima elevação a pino
E quando começar o descer triunfal
Espelhar-me em um rio calmo
Ver-me no fundo, no rio...
Depois, próximo da linha final
Explodir e fazer-me colorido
Tingir o rio e o céu com minhas entranhas
Perder-me em minhas cores
Para que quando as pessoas
Ao verem-me morrer se maravilhem
E para que, quando pensarem que estou morrendo
Perdido em minhas cores...
Perdendo a minha luz...
Que a luz que vêem seja de minhas cores
E que eu já esteja morto
Nascendo no novo dia...
         Este pôr de sol e este rio ainda existem e devem ser perenes por constituírem o principal cartão postal de Porto Alegre. Apesar de já terem trocado academicamente a classificação do rio para lago ou estuário, é ali na antiga Ponta da Cadeia, junto à Usina do Gasômetro, onde os portoalegrenses costumam se sentar a tomar chimarrão nos finais-de-semana para apreciarem e até aplaudirem o espetáculo do sol poente se perdendo em suas cores derramadas no Rio Guaíba (que para mim será sempre Rio com R maiúsculo!) o local que elegi para ser o destino final dos meus restos mortais. Mais precisamente na margem, perto do “maconhódromo” (onde jovens por gerações consecutivas costumam fumar seus baseados) e no meio dos matacões de pedras que estabelecem uma faixa limítrofe entre a areia e a água, em que as minhas cinzas tanto podem ser levadas para a areia ou engolidas pelas ondas, como também podem ficar sedimentadas neste interregno. Assim, nunca se saberá se uma das minúsculas partículas de poeira daquela região é meramente pó de areia ou cinza de baseado ou é parte do que foi o meu corpo, especialmente quando entrar no olho de alguém e o fizer lacrimejar com os olhos tingidos de vermelho pela resplandecente morte do sol de cada dia...
         Desta forma eu construí para mim uma espécie de eternização pagã num paraíso, pois convenhamos que a paisagem do sol poente portoalegrense é divina e o local mais próximo, a primeira fila de cadeiras do auditório deste espetáculo é na ponta do Gasômetro, junto à margem do rio. Lá estarei eternamente participando das rodas de violões, de chimarrão e de todas as demais rodas que por lá se formarem...Estarei sempre na roda.





GATOS & PROTETORAS DOS ANIMAIS

8/set - postado em tempo real
        Anteontem, quando eu e a Magda estávamos saindo do DMAE, tinha um motorista de veículo terceirizado do Departamento pegando um gato que estava justamente embaixo do nosso carro. Ele nos contou que uma mulher tinha acabado de parar o carro dela ali e desovado uma ninhada de quatro gatos e fugido, quase atropelando os bichos. Compadecido, ele havia recolhido os outros três gatinhos e colocado atrás de umas lajes que estavam encostadas no muro da Colégio São Francisco na rua Princesa Isabel, e para lá levou este último que faltava recolher.
       A Magda, que é conhecida como “gateira” por comprar rações para alimentar os gatos que povoam o pátio da Divisão onde trabalha, me encarregou de fornecer ração para os novos órfãos, já que ela estaria ausente naquela tarde. Ela tem um casal de gatos em casa (Félix e Pitchuca, e a solteirona tartaruga Rafaela):
        A Magda determinou essa missão para mim por que sabe que eu sempre carrego rações no porta-malas do carro para os gatos e cachorros do estacionamento onde eu alugo um box, perto da minha casa, cuja última ninhada de gatos por lá nos deixou com uma super-população de uma dúzia de gatos (é impossível pegar todos numa foto só):

        Os novos órfãos, aparentando serem bem tratados e terem uns cinco meses de idade, estavam em pânico ao se verem, de repente, largados no mundo para se tornarem “gatos-de-rua” e cada um por si. Então, penalizado com os bichinhos, decidi recorrer à uma das protetoras de animais mais renomada na nossa área de trabalho, a “Neusa dos Bichos”, relatando o ocorrido e a localização do refúgio dos gatos.
        Ontem, liguei declarando que “eu tirava o chapéu pra ela”, ao saber que os órfãos estavam morando desde ontem dentro do carro dela (transformado numa quitinete móvel), já que no seu apartamento há outros gatos com os quais daria briga por domínio do território se levasse os filhotes para lá. No budismo se fala muito em compaixão e desapego, mas a atitude da Neusa de dar guarita provisória aos quatro bichos, até encontrar um lar adotivo para eles, é coisa de monja muito evoluída, sacerdotisa já em estado de iluminação!
       Hoje, recebo a notícia que os bichanos fizeram a transição do quitinete para o apartamento da Neusa, e que dois deles já foram adotados pelos colega Luis Fernando Albrecht. A partir de agora estamos formando uma rede de divulgação para acolhimento dos outros dois gatinhos órfãos, com a adesão da expert Maria Cristina Abott:

         Procura-se quem estiver interessado em adotar gatinhos que, de uma situação de risco, e a partir de uma iniciativa solitária de um motorista anônimo que acolheu os gatos que, por força do destino, estavam justamente sob o nosso carro que, por sorte, somos amigos da Neusa e que, por compaixão dela, passaram de abandonados a residentes em uma casa-lar de passagem.
       Participe, passe esta corrente do bem de proteção e acolhimento dos animais para os seus amigos e contatos online.