PAIXÃO NACIONAL: NINA CONTRA CARMINHA!

         Eu andava procurando um mote para escrever uma crônica sobre como as novelas nos pescam para a sua rede de fiéis telespectadores, por mais que se resista, depois de beliscarmos  o anzol das chamadas anunciando cenas dos próximos capítulos no horário nobre do Jornal Nacional. Da atual novela global, Avenida Brasil,  assisti aos dois primeiros capítulos (que sempre são especiais e funcionam como iscas) e conscientemente me libertei do anzol. Mas minha autonomia noveleira durou apenas os primeiros meses, logo acabei caindo definitivamente na rede quando esquentou o jogo de rato e gato das duas protagonistas, Nina e Carminha.
Agora cativo, ao saber que a trama vai se alongar até o mês de outubro, fico me debatendo como um dependente químico, só em pensar que deveria entrar em abstenção deste vício de gastar tempo  vendo TV. Mais uma vez me encontro jurando e fazendo promessas que eu não caio de novo nesta teia das novelas das nove, sequer vou lamber as iscas...
           Então, eis que o mote procurado pra esse tema surgiu do maior fomentador cultural portoalegrense, o qual qualificou com tantos argumentos a Avenida Brasil, que acabou me confortando que foi por uma  boa causa a minha recente recaída novelística. Tanto que só me restou fazer esta introdução do assunto e, agradecido ao autor, transcrever  literalmente alguns trechos da sua matéria publicada no Caderno de Cultura da ZH (18/08/2012), sob o título “Paixão Nacional – A Vingança como Mote”:
Há muitos anos a televisão brasileira não apresentava uma novela como Avenida Brasil. O gênero apresentava inegáveis mostras de exaustão dramatúrgica, pela redundância de enredos previsíveis e fórmulas desgastadas pelo excesso de uso. Mas só espectadores muito preconceituosos não reconhecerão as novidades bem-vindas da trama escrita por João Emanuel Carneiro. Avenida Brasil mantém o espectador em tensão permanente diante do televisor.
Avenida Brasil tem um enredo cheio de som e fúria, como uma boa peça shakespeariana, em que o ódio move as ações inusitadas dos principais personagens. A vingança é o elemento central da novela, o sentimento preponderante, o mote do enredo. O ajuste de contas entre Nina/Rita (Débora Falabella), a órfã abandonada num lixão, e a madrasta, Carminha (Adriana Esteves), galvaniza todas as atenções. Os amores que entrelaçam seus personagens não têm, nem de longe, a força arrebatadora do duelo travado por ambas.
Como num bom romance policial, as duas são dissimuladas e inteligentes e apostam todas as fichas em um jogo arriscado e perigoso. Nunca se viu na história da televisão brasileira uma “mocinha” como Nina. Rancorosa e vingativa, ela é capaz de gestos tresloucados. Nina relega seu sentimento amoroso a um segundo plano, incapaz de abandonar a pulsão vingativa que lhe dá razão para existir. Amor e serenidade, somente depois de crucificar, bem crucificada, a megera Carminha.
As regras estão invertidas. As cartas estão embaralhadas. Muitas vezes, há mais humanidade na vilã do que na heroína. O público não sabe para quem torcer efetivamente. No fundo, parte significativa da audiência torce por Carminha. Muito se deve ao excepcional trabalho da atriz, no melhor papel de sua carreira. O mesmo se pode dizer de Débora Falabella, perfeita ao encarnar as contradições oscilantes da mais antipática das heroínas já vistas em nossa televisão.
Nina/Rita diz que quer vingar os inegáveis maus tratados sofridos desde a infância, mas sua justiça é embasada em gestos de crueldade dignos de uma psicopata. Carminha encarna a maldade absoluta e indefensável e, mesmo assim, desperta simpatia e curiosidade. Fundamentada na excelência das duas interpretações realistas, que fogem de caricaturas infantilizadas, há cenas de uma densidade raramente alcançada na televisão brasileira.
Outro acerto absoluto de Avenida Brasil foi o de colocar o futebol como instrumento de ascensão social. O grande personagem positivo da novela, e isso soa como outra novidade, é um homem, e não uma mulher. Igualmente bem interpretado por Murilo Benício, o ex-jogador Tufão já tem assegurado seu lugar como personagem inesquecível da teledramaturgia nacional. Boa praça, decente, marrento na medida, vive sua vidinha com humor e obstinação.
As canções popularescas poderiam ser contrabalançadas com músicas e intérpretes de melhor qualidade. É muito “oi oi oi”, “ai ai ai” e “eu quero tchu” de uma vez só. Marisa Monte canta uma canção cujos versos confessam explicitamente “Hoje eu não saio não, eu quero ver televisão”.
Melhor que a maioria das peças e dos filmes oferecidos atualmente ao público brasileiro, Avenida Brasil encontrou sua perfeita tradução no mencionado refrão. A novela de João Emanuel Carneiro vai deixar saudades. - Texto de LUCIANO ALABARSE DIRETOR DE TEATRO E COORDENADOR DO PORTO ALEGRE EM CENA.
Ps.: Eu não teria ”bagagem cultural” pra embasar  tantos elogios, embora eu já tenha feito  aqui no blog elogios para a novela “A Vida da Gente” (aquela ambientada em Porto Alegre), mas tenho "aquilo roxo" e bala na agulha o suficiente para compartilhar publicamente este gosto nada cult pelas paixões nacionais: futebol e novela (Nem sempre nesta ordem!).

O CABALÍSTICO NÚMERO 95

        Hoje um dos meus colegas de cela está fazendo aniversário, comemorando 56 anos de idade. Mais do que a pirâmide etária brasileira que já acusa uma  acelerada tendência ao envelhecimento, o quadro funcional do órgão público em que trabalho está ficando predominantemente grisalho e cinquentenário.
O assunto de cada festinha de aniversário, portanto, gira em torno  das perspectivas relativas aos critérios de aposentadoria. A pergunta usual agora é a seguinte: Quanto soma a nova idade e o tempo de serviço do aniversariante?
Após as sucessivas “Reformas da Previdência”, implantadas inicialmente pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que passou a exigir a idade mínima de 53 anos, seguida pela do Presidente Lula (emendada com a PEC do Senador Paim), que estabeleceu a idade mínima para aposentadoria em 60 anos, criou-se  esta numerologia.
Trata-se de um processo de transição que exige como critério para aposentadoria que a soma da idade e do tempo de serviço seja igual a um número cabalístico: 95 para os homens e 85 para as mulheres.
          Atualmente estou somando 93, portanto no ano que vem, com mais um ano de idade e completando mais um ano de tempo de serviço, fecho os 95 e posso sair pra nova etapa da vida de aposentado, sem prejuízo dos meus vencimentos.

(Remake de texto postado em novembro/2009)

 
Caro leitor do Diário, leia também o poema Faces da Lua no blog:

LER LIVROS: AS OLIMPÍADAS DE UM APOSENTADO

              Em plena Olimpíadas de  Londres de 2012, além de poder assistir de manhã, de tarde e de noite as disputas na TV a cabo, e graças à greve da UFRGS que propiciou um mês de agosto sem aulas, consegui bater o meu próprio recorde: acabo de galgar a leitura da centésima página do livro Ulisses de James Joyce, após várias tentativas abortadas desta travessia. Como o ginasta Diego Hipólito, eu sempre amarelava e não conseguia concluir esta prova de fogo que é ler o Ulisses, livro que faz parte da minha “Lista de 100 coisas para fazer na aposentadoria”. Desde que comprei o volume  da 7ª edição, em meados da década de 1990, com a clássica tradução de Antônio Houaiss, a cada nova olimpíada eu voltava a testar a minha capacidade de abstração na leitura com obstáculos da obra-prima de Joyce. Diz uma lenda difundida na internet que ninguém conseguiu ler de fato todo o livro; seja como for, os relatos de desistências definitivas e de reincidentes abandonos, como o meu caso, são numerosos.
             
             O principal obstáculo é  que, dizem,  sequer há uma história sendo contada no livro. O texto é desenvolvido por  narradores diferentes, sem linearidade, que mudam de repente e não se sabe quem está falando pra quem, e seguidamente nem se fica sabendo que assunto está sendo tratado durante várias páginas. Exige, portanto, que o leitor seja um atleta literário com fôlego para se manter por longo tempo velejando (como o Robert Scheidt, velejador com cinco medalhas olímpicas conquistadas), sobre os fluxos e refluxos das palavras do autor, muitas inventadas pelo próprio e reinventadas pelo tradutor.
            Desta vez, porém, creio ter atingido a maturidade intelectual suficiente para segurar a onda por toda a travessia, não como uma árdua leitura, e sim com a alegria de um esportista que sente prazer em praticar o esporte de leitura literária: ler por puro lazer, com paciência  de maratonista budista. Mas confesso que a coisa já não ia bem no final da primeira parte do livro, eu começava a esmorecer lá pela página 42, como prenúncio de um novo naufrágio, o que a esta altura da vida seria como sofrer um ippon da judoca Sarah Menezes, medalha de ouro em Londres. Então comecei a praticar o método de leitura em voz alta, interpretando com entonações orais as frases e soletrando as palavras agrupadas com neologismos. A partir daí sim, ganhei um novo fôlego e atingi o inédito marco lido de um quinto do livro.
Estou, pois, otimista que desta vez vou conquistar a medalha de ouro ao chegar até a última frase do clássico dos clássicos moderno, feito o ginasta Arthur Zanetti surpreendendo agarrado em suas argolas...Uau!, que susto: Fui espiar agora qual era a última frase do livro, para transcrever aqui como a “linha de chegada”,  e voltei a levar medo da maratona de leitura ao descobrir que a última frase, a  rigor, se estende por 33 páginas, sem vírgulas e sem pontos. A reta de chegada parece ficar numa montanha íngreme de difícil alpinismo até para a leitura em voz alta. Espero que durante a longa jornada o leitor amador vá aprendendo a  dominar as armadilhas do universo joyceano, ficando apto para a escalada da leitura final que  consagra o recebimento da bandeirada de conquista do seu Olimpo.
Todavia, para não perder o foco da linha de chegada na longínqua última página do livro, decidi adotar o didático procedimento de fazer uma “Ficha de leitura do livro Ulisses de James Joyce”, para me garantir que estou acompanhando os malucos fluxos psicológicos de Joyce, que em Ulisses são verdadeiros “fluxos alucinógenos”. Toda atenção é pouca, haja visto todo o cuidado da atleta Fabiana Murer com suas varas de saltar que, mesmo assim, não foi o suficiente para ela se classificar para as finais. Por isso vou ir cravando referências pela quilometragem do caminho, escrevendo notas no marcador de páginas e apelando para destacar trechos do livro com caneta marca-texto,  de modo que possa sempre recapitular quem é quem  e por onde andaram e andam, pelo menos os personagens que eu identificar como sendo os principais do enredo sem trama, ou do drama sem enredo.
Mas, a estas alturas, ao contrário de Maurren Maggi  (campeã olímpica de Pequim em salto à distância que “decepcionou” em Londres), começo a sentir firmeza na minha atual jornada olímpica pela epopéia do Ulisses, pois já estou dando boas risadas com o peculiar senso de humor do Joyce. Assim, espero concluir a leitura do livro Ulisses de James Joyce antes da próxima Olimpíadas, que será realizada em 2016 no Brasil.
 Não vou fazer como a seleção brasileira de futebol do Neymar, Oscar e Damião, que repetiu as várias tentativas frustradas do escrete canarinho para conquistar o ouro em Londres, adiando a esperança de realização do feito olímpico como um tema para fazer em casa. Na Olimpíadas brasileira quero já estar com a medalha de ouro do Ulisses no meu peito (como as meninas do vôlei)  e quero estar conquistando a leitura de Rayuela de Julio Cortázar, no original em espanhol, livro que igualmente faz parte da minha “Lista de 100 coisas para fazer na aposentadoria” e que também está pendente com várias tentativas e desistências há quase vinte anos, ou seja, há várias Olimpíadas.

Caro leitor do Diário, olimpíadas também dá poesia, leia o poema "O Último do Pódio" no blog:

UM SONHO DE LIBERDADE

              Domingo, dia 15 de novembro de 2009, ao abrir meu correio eletrônico no computador da empresa onde trabalho encontrei um e-mail de um amigo aposentado: E daí Xirú? Essa moleza vai acabar no ano que vem. Vai dar saudade dos plantões de domingo.
             Minha resposta, também por e-mail, foi imediata e determinada, como exigia a ocasião. Era o dia da proclamação da república e às margens do riacho da Ipiranga, como quem desembainha a espada esclamei: Este será o meu último plantão! A partir de agora vou ir cortando os vínculos e jogando as tralhas ao mar, durante a travessia de 2010, para romper com as dependências financeiras na hora de sair para o “MEU SONHO DE LIBERDADE”.

               Diferente do filme Um sonho de Liberdade (com Morgan Freeman), em que após cinqüenta anos de reclusão os presidiários têm medo de sair deste mundo que eles já dominam e onde são respeitados; mas semelhante ao protagonista do filme que nunca desisitiu de sua libertação, estou conseguindo cumprir minha pena, sem enlouquecer, cavando pacienciosamente um túnel para a liberdade integral do meu tempo e mantendo acesa a esperança de que o melhor da vida ainda está por vir.
             Depois de cumprir 38 anos de sentença de trabalhos forçados em regime semi-aberto, vou me aposentar e quero sentir todo o tédio do ócio fumado e prensado direto no cérebro, vou adorar a saudade do presídio! Espere por mim...abraço meu irmão!


Somos como as garças
Que voam para o Dmae
Para buscar o alimento
Nas águas de seus decantadores
E depois migrar com o vento...
            Mas sem suas asas, meros trabalhadores
            Decantamos em seu colo Dmãe
            Como seus fiéis filhos servidores
            Até migrarmos envelhecidos pelo tempo
            Levados na viagem sem volta no vento.

(remake de postagens iniciais deste blog)