Memórias da Viagem: GRANADA

Em Granada,  terra do poeta Federico Garcia Lorca, fica impregnado na gente a insólita paisagem da Serra Nevada sempre ao fundo, como um cenário coadjuvante, cujas montanhas permanecem o ano inteiro cobertas de neves, como que suavizando a imagem árida da geografia espanhola que tanto havia me impactado.
Nos sentimos em casa no frio de Granada (como se estivéssemos em Gramado), onde nos deliciamos com seus tradicionais  “tapas gratuitos” para cada cerveja pedida pelo freguês.
Na nossa brevíssima estada em Granada nada funcionou direito, lá deixamos de fazer um city tour já pago para tentarmos ver o Alhambra  (palácio árabe  patrimônio da humanidade)  e que acabamos sem nem coisa nem outra, por já estar lotado de turistas.
Tivemos que nos contentar espiando de longe, no local em frente subimos num monte repleto de oliveiras, de onde se avistava parcialmente a murada e alguns prédios da monumental Alhambra, pra fotografar e amenizar a frustração, de onde recolhi algumas pequenas pedras que trouxe como recordação, resquício de colecionador de amostras do  meu lado engenheiro de minas.
 Como compensação, aproveitamos o fato raro de termos ficado com o dia livre para perambularmos pelas ruas e bares de Granada... Cada  cidade da Espanha tem uma cerveja melhor do que a outra, todas ótimas!
Vimos muitas virtudes pelas cidades espanholas que circulamos, vimos trânsitos de veículos menos estressados, maior sensação de segurança pra se caminhar a qualquer hora, e vimos a preservação da qualidade de vida no costume de abrir o comércio tarde e ainda fechar para a sesta depois do almoço.


 Vimos muita automação em tudo que é tipo de serviço (aumentando o desemprego, como o de cobrador de ônibus cujo serviço é feito pelo próprio motorista) e vimos muitos veículos de transportes públicos elétricos transitando naturalmente pelas calçadas, mostrando que o futuro por lá resgata o passado dos bondes com novas tecnologias limpas.

Granada está há cinco anos construindo o seu metrô e ninguém aguenta mais o incômodo das obras que têm previsão de mais dois anos: que isso sirva de alerta pra nós portoalegrenses. Mas depois, vale a pena!
Mas também ficamos impressionados com os espanhóis pela quantidade que comem de jamón ibérico (presunto tipo copa conservado ao ar livre dependurados nos balcões na forma de um charque cru de pernil de porco com  osso e tudo), pernil que fica dependurado entre as moscas e as cabeças dos fregueses.
Jamón é o presunto do café e a carne do almoço e da janta, quando não é paella de frutos do mar, já que carne de gado é muito raro e caro por lá.
Depois de visitarmos Granada, atravessamos de trem convencional, a 150 km/h, a região de Castilha La Mancha, onde vive o eterno Dom Quixote do Cervantes, e retornamos a Madri.
Assim, chegando ao fim da parte espanhola do nosso roteiro, percorremos de trem a Espanha de leste (Barcelona) até o centro (Madri) e seguimos até o oeste (rumo a Lisboa), e depois do sudoeste (Sevilha) até o extremosul do país (Algeciras)...



De Algeciras, após fazermos a travessia do Mar Mediterrâneo de barco e passearmos de ônibus pelo Marrocos, retornamos a Granada e a Madri também de trem, utilizando todas as modalidades da matriz ferroviária espanhola de transporte de massa.
Ao contrário do Brasil, onde associamos viagens de trens com em veículos lentos, incômodos e destinados aos pobres, lá os trens são associados no imaginário popular como coisa de rico, pois que são rápidos, confortáveis, seguros e, por isto mesmo, caríssimos.
Sobretudo os trens dispensam os passageiros do stress inerentes aos mega aeroportos com seus procedimentos de longas esperas para embarque/desembarque e resgates das  bagagens, bem como dos pânicos das zonas de turbulências.
Outra coisa que nos chamou a atenção: mas barbaridade tchê, como é fumante aquela gente! O pior é que não são só os espanhóis, os franceses também são fumantes inveterados. Em Paris percebemos nas ruas cerca de dez mulheres fumando para cada homem: as francesas são chaminés, mas são mais bonitas e charmosas que as espanholas...
Mas Paris é a última  e a mais complicada etapa da viagem, aguarde a próxima postagem.

Memórias da Viagem: MARROCOS

A etapa seguinte da viagem consistia no ponto nevrálgico do roteiro, queríamos atravessar o Mar Mediterrâneo e pisar em território do continente africano. Como não conseguimos contratar esta travessia pela agência de turismo no Brasil, optamos por nos hospedarmos na desconhecida cidade portuária de Algeciras, sem nenhuma atração turística apesar de ser no Estreito de Gibraltar, apenas por ser um porto de trânsito turístico da Espanha com a África.
Gibraltar é um penhasco militarmente estratégico no ponto mais estreito do Mar Mediterrâneo, junto a uma cidadezinha de mesmo nome (não estivemos lá, só passamos perto de barco e avistávamos a montanha de Gilbratar desde Algeciras) que é um pedaço continental da Espanha, mas que continua sendo território inglês, o que é um caso pior do que o caso das Malvinas que é uma ilha com alguma distância da Argentina.

Em compensação, como resquícios colonialistas, a Espanha tem a cidade de Ceuta encravada no território marroquino, do outro lado do Mar Mediterrâneo e em outro continente, pode?
Tudo teria sido mais tranqüilo se não estivéssemos nos sentindo na situação de “clandestinos”e, sem o visto espanhol no passaporte, poderia se tornar complicado retornar à Espanha pelo território de Marrocos, região de forte tensão migratória. Estávamos como o clandestino da música que a Adriana Calcanhoto canta, cuja letra foi minha inspiradora de fazer esta travessia dizendo “la vida la deje, entre Ceuta y Gibraltar”.
Chegamos a pensar em desistir do propósito de pisarmos no Marrocos, devido ao alto risco, e desistir até mesmo de tentarmos ir pelo  menos até Ceuta, que é território espanhol no continente africano. Mas em Algeciras fomos informados que nas excursões levadas pelas agências turísticas locais através de Ceuta, em gigantes barcos catamarãs, os riscos eram mínimos, pois os passaportes do grupo são colocados numa sacola e entregues para a polícia marroquina de fronteira, que devolve na volta sem sequer abrir a sacola.

Fomos, vimos e voltamos impressionados com o mundo árabe no Marrocos. Entramos costeando pelo Mar Mediterrâneo o continente africano a partir de Ceuta até a cidade de Tetuán, região que está sendo ocupada com a construção de grandes condomínios para se tornar um balneário de luxo da Europa.
No caminho pelo litoral mediterrâneo fizemos uma parada para andarmos de camelo, o bicho impressiona pela sua altura com todo aquele seu simbolismo mítico de cavalo do deserto, só faltou o deserto para fazermos uma pose islâmica completa para as fotos.
 Em Tetuán conhecemos uma “medina” (cidade antiga dos árabes), onde as pessoas vivem até hoje como se estivessem no meio da Idade Média: indescritivelmente impressionante!  

Digamos que seja um vilarejo cercado por muralhas, que existe desde antiguidade, no qual as pessoas continuam vivendo no mundo pré-medieval.
São infinitas construções contíguas com a porta contendo a janela, como se constituíssem um imenso condomínio labiríntico, contendo moradias de até três pisos...
...apenas que localizada numa bolha do tempo de antes da existência da técnica de refrigeração dos alimentos.
Vista de cima é tal qual uma favela horizontal, apenas que tradicionalmente caiadas de branco para amenizar o calor, com raros poços de luz e, igualmente como as nossas, contêm as lajes como pátio e solário, para onde dão as pequenas janelas das casas.
Em muitos trechos as vielas que serpenteiam por toda a medina se transformam em túneis cujas coberturas são assoalhos de pavimentos construídos sobre o passeio.
A gente se sente dentro de um formigueiro, onde todo mundo é comerciante, uns vendendo para os outros num escambo geral.
Depois, saímos da cidade de Tetuán e atravessamos a ponta do continente em direção à margem do Oceano Atlântico, rumo à cidade de Tânger, onde já convivem as duas realidades: a  labiríntica cidade antiga medieval e seus mercadores ...

...convive com a moderna cidade ocidentalizada e seus edifícios em praias urbanizadas.


Fumar um charuto, pra mim, é um cerimonial de pajé gaudério comemorativo de alguma conquista importante, é como hastear uma bandeira em território conquistado. Pisar na África, berço da raça humana (que é quase como o homem pisar na lua) foi uma emoção tão grande que mereceu a queima de um super incenso, de um puro cubano.

Foi na Medina de Tanger que comprei um pequeno tapete marroquino (prometido como voador!), vítima que somos do assédio sistemático dos mercadores árabes, aos quais os guias combinadamente entregam os seus turistas como reféns.
É uma verdadeira aula-show de como não deixar o freguês escapar ileso, de onde é muito difícil sair sem comprar nada.
Na margem africana do Oceano Atlântico não cheguei a me batizar tocando na água, pois caiu uma chuvarada com vento forte, com tanta intensidade que destruiu o meu guarda-chuva, justamente quando chegamos na praia de Tanger, e já era hora de voltarmos...
No retorno a Ceuta cruzamos pelo litoral o ponto onde o oceano se mistura com o mar, o Atlântico com o Mediterrâneo; também cruzamos fácil a fronteira marroquina e, tcham-tcham-tcham-tcham!, em Ceuta a volta para Algeciras (ao continente europeu), ganhou suspense e emoção.
Em Ceuta soubemos que devido à ventania, por segurança havia sido suspensa a navegação pelo Mar Mediterrâneo. A informação da capitania dos portos era de que possivelmente houvesse saída de barcos duas horas mais tarde, às 21 horas, caso contrário, só no dia seguinte...
         Resumindo, conseguimos retornar ao território espanhol naquela noite (sem problemas com os passaportes) para continuarmos nosso roteiro turístico como clandestinos, seguindo de trem de Algeciras para Granada.
        Granada...é a próxima postagem, aguarde.





Memórias da Viagem: SEVILHA

Depois de visitarmos a capital portuguesa voamos para iniciarmos em Sevilha o roteiro por Andaluzia, região da Espanha ocupada pelos mouros por mais de 500 anos. De Sevilha para baixo já predomina o verde nos campos ainda montanhosos e sempre rochosos  da Espanha, onde raramente aparece um gado e coelhos marrons percorrem a monocultura das oliveiras que parecem ser a única coisa que se plantando dá naquelas terras.
 Os árabes deixaram fortes influências culturais no sul da Espanha, como o legado arquitetônico  do Palácio de  Alcázar Real, com o qual ficamos fascinados.
Trata-se de uma construção do último século do primeiro milênio, da época dos Califas, uma genuína obra em estilo mudéjar (de mouros) com sua delicadeza exótica indescritível, só vendo pra crer! Desde sua criação tem sido a residência oficial dos mandatários da Espanha, hoje em dia é o Palácio Real mais antigo da Europa.
Em Granada tem outro patrimônio mundial semelhante, a Alhambra, que dizem ser até mais fascinante, mas onde lamentavelmente não conseguimos entrar, a exemplo da Igreja Sagrada Família em Barcelona e o elevador da Torre Eiffel, por estarem com excesso de turistas  (isso na baixa temporada!).
           Este foi um amargo aprendizado da viagem: as visitações dos lugares muito badalados estão monopolizadas pelas agências de turismo, não tem choro, tem que se comprar antecipadamente o “tour panorâmico” mais a visita. Caso contrário se fica, como nós ficamos, numa fila enorme por horas pra ser informado na bilheteria que não tem mais lugar...
                                    

 Em Sevilha também fizemos turismo pedalando sobre duas rodas. Com bicicletas alugadas no próprio hotel passeamos pela antiga muralha romana de La Macarena.
A propósito, La Macarena é a santa padroeira dos ciganos e protetora dos toureiros, e é o foco da procissão da Quinta-feira Santa que assistimos em Barcelona, em que desfilam homens mascarados com assustadores capuzes semelhantes aos da malígna Kukuxklan americana. Depois circulamos pelas várias igrejas existentes nesta trilha, obras em estilo gótico  mudéjar e com relíquias de artes seculares.
A catedral de Sevilha, onde tem o túmulo do Cristóvão Colombo,  é descrita apenas com superlativos: é a mais bela e mais alta catedral da Espanha, o maior edifício em estilo gótico e a terceira maior igreja do mundo!
Na catedral foi mantida a torre de uma antiga mesquita, conhecida como Giralda, que por dominar o horizonte e poder ser vista de quase toda a cidade é o símbolo de Sevilha. Internamente a Giralda não tem escadas, é dotada de uma rampa helicoidal em que o rei subia a cavalo para observar a cidade.
A ciclovia transita pelos pontos turisticamente interessantes, acompanha a margem do estreito rio Guadalquivir que corta Sevilha...
passa pela Torre de Oro (do ano de 1220) em que os islâmicos estendiam uma corrente até a outra margem do rio para proteger a cidade dos barcos invasores, e leva os ciclistas por um anel viário em torno de todo o centro histórico.

A ciclovia de Sevilha não é como o brete ciclístico que a prefeitura da Porto Alegre fez numa quadra da Av. Ipiranga, que leva do nada a lugar nenhum, e que por enquanto só tem servido pro pessoal levar seus cães pra fazerem suas necessidades fisiológicas. Sinceramente, eu que passo por ali no mínimo duas vezes por dia, nunca vi nenhuma bicicleta utilizando a pista, exceto no dia da inauguração com o prefeito candidato a reeleição e seus assessores.  

Sevilha é o berço das manifestações culturais mais expressivas da Espanha, lá assistimos a um espetáculo de Flamenco com seu canto árabe e dança cigana sapateada. Cada país tem o CTG que merece historicamente, pra nós tocou o sapateado chulo da chula e a Ramilonga, nada mal.
Foi em Sevilha que acendi um charuto cubano puro especial em comemoração ao meu 58º aniversário, que era naquele dia,  fumado na estação de trem...
antes de embarcarmos no trem de primeira classe (com direito a jantar com champanhe servido nas poltronas aos moldes dos serviços de bordo dos aviões) até Córdoba, onde pegamos a conexão com outro trem rumo à cidade de Algeciras.
 Foi um aniversário atípico, convenhamos, deverá influir positivamente no meu mapa astral deste ano, quiçá chamando outras viagens destas.
 Mas ir pra Algeciras, onde diabo fica isso?...A etapa seguinte da viagem consistia no ponto nevrálgico do roteiro, queríamos atravessar o Mar Mediterrâneo e pisar em território do continente africano.  Mas Marrocos será o tema da próxima postagem, vamos nessa!