REFLEXÃO SOBRE UM LONGO CICLO DE FORMAÇÃO POLÍTICA

Há 35 anos atrás, quando o Partido dos Trabalhadores engatinhava no seu primeiro ano de vida, minha geração (que tinha passado a adolescência amordaçada pelo regime de ditadura instalado no Brasil em 1964)  se integrava ao movimento de construção de uma ferramenta partidária de lutas dos trabalhadores, convergindo com militantes de grupos que vinham das guerrilhas revolucionárias de resistência, com um imenso arsenal teórico sobre marxismo. Mas a diretriz das lideranças petistas era de que nós construiríamos as nossas próprias teorias revolucionárias no avançar do movimento. Convictos do acerto desta diretriz de construirmos um partido de massas e não de vanguardas intelectuais dirigentes das lutas sociais do povo, demos umas olhadelas superficiais nos livros sobre marxismo, leninismo e trotskismo que culminaram no trágico stalinismo, e nos jogamos na militância durante uma década no sindicalismo e nos movimentos populares, com a bandeira da democratização do país e de organização da classe trabalhadora: Trabalho, Terra e Liberdade!
                Atravessamos a campanha Diretas Já! na década de 1980, com a transição lenta e gradual e a anistia geral ampla e irrestrita aos torturadores, e o PT cresceu elegendo vereadores, depois prefeitos e governadores e até chegar com o Lula Lá como presidente da República em 2002. O sonho impossível se realizou. Depois parecia tudo dominado, Lula se reelegeu e elegeu também sua sucessora. Porém, cada vez menos, se reconhecia nos governos petistas um Programa de Esquerda, uma elaboração teórica qualquer que fosse pelo menos reformista da ideologia de Estado Mínimo Burguês e que mobilizasse as massas por sua conquista. Nenhuma reforma, nem política nem educacional, nada; o petismo caiu no canto de sereia da governabilidade por um governo de coalizão. Entrou no tradicional jogo deles de corrupção nas Estatais para comprar aliados da direita à extrema-direita pra base de apoio do governo, até se fragilizar o suficiente para sofrer o Golpe Parlamentar pelo Congresso Nacional e, descaracterizado de suas origens, não ter mais apoio popular para reagir. 
Por fim, três décadas depois da fundação do PT, assistimos a Esquerda sair do governo desmoralizada politicamente sob um massacre da mídia na opinião pública e sob vara da politização da justiça federal. Mas, principalmente por seus próprios erros, a Esquerda é escorraçada do poder e nos faz voltar à estaca zero na organização das lutas populares. Assim, completamos um longo ciclo de formação política ao assistirmos do sofá a meninada dos estudantes secundaristas resistindo ao Golpe no #OCUPAESCOLAS.

Não fizemos as lições de casa nos estudos lá no início sobre marxismo, leninismo, trotskismo e stalinismo e suas atualizações teóricas sobre a luta de classes no capitalismo dos tempos mais atuais. Faltou, por exemplo, lermos Gramsci com o seu conceito de “Bloco Hegemônico” que diz: o poder das classes dominantes (donas do modo de produção capitalista) sobre o proletariado é garantido pela hegemonia cultural, através do controle do sistema educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Através do sistema hegemônico (de Escola Sem Partidos), eles educam a submissão como algo natural. Por esta lacuna de formação política de combate no petismo, pagamos caro o pato para a Fiesp!

CARTA PARA O MEU NETO LER QUANDO CRESCER

        Diante da incomunicabilidade dos dias atuais entre nós brasileiros devido ao acirramento das narrativas de ódio no espectro político, escrevo esta crônica dirigida ao meu neto de cinco meses de vida. Escrevo como quem, sem ter com quem conversar a respeito deste espinhoso assunto, transmite para um idealizado tranquilo momento futuro uma mensagem escrita por necessidade minha de elaboração mental dos dias surreais que vivemos hoje, para eu não enlouquecer junto com esta realidade demente
O ponto que quero abordar, meu neto, é o papel das mídias em nossas vidas, especialmente as grandes redes de televisão concentradas nas mãos de cinco famílias que dão as cartas e jogam sempre de mãos dadas com a políticagem, a justiça e a polícia federal. Sem querer me aprofundar nas tenebrosas articulações políticas, contudo preciso contextualizar estes tempos difíceis para que todos os nossos netos compreendam o que vivenciamos de fato, pois não sabemos como a versão oficial da história vai contar esta passagem nas escolas futuramente, nem qual narrativa sairá vencedora deste embate.
Saiba meu neto que, com a reeleição da Presidenta em 2014, os especialistas já indicavam que elegemos junto o pior Congresso Nacional da nova era democrática do país, como de fato constatamos todos na lastimável e deprimente “célebre sessão de aceitabilidade do impeachment da Presidenta” da Câmara dos deputados em abril/2016, sessão que foi transmitida ao vivo pela TV aberta na íntegra. Foi de chorar!
Mas até o final de 2015, apesar das crises política e econômica se agravarem mutuamente com aceleração crescente, tudo corria bem no país da Operação Lava Jato que seguia investigando seletivamente os crimes de corrupção do PT na Petrobrás. Tudo corria bem até quando o presidente da câmara aceitou a denúncia por crime de responsabilidade e de impeachment contra a Presidenta da República. O mesmo sujeito que logo depois de fazer o serviço sujo de iniciar o Golpe seria cassado e descartado pelos golpistas, e que acabou de ter a sua prisão preventiva decretada devido às suas contas de propinas bilionárias na Suíça.
A bem da verdade, meu neto, a grande imprensa já estava operando em conluio com os demais poderes da União na divulgação seletiva e com abordagens de intermináveis massacres difamatórios dos governos Lula-Dilma e visando criar uma mobilização de setores da sociedade em manifestações de rua de protestos antipetistas por todo o país. Conseguiram criar assim as condições de apoio popular para o Golpe a ser dado sob uma roupagem legalista de impeachment, só que sem crime de responsabilidade como exige a Constituição Cidadã e sem que o Supremo Tribunal Federal se dignasse a entrar no mérito desta questão. A justiça simplesmente lavou as mãos com a lama que sedimentou o Golpe da maioria parlamentar que, com um discurso oportunista contra a corrupção, empossou um governo repleto de ministros réus ou indiciados por corrupção e praticantes de políticas de intolerâncias com os movimentos sociais e de atropelo dos direitos humanos.
Confesso que somente no episódio sensacionalista da midiática “Prisão Coercitiva do Lula” que foi levado para fazer um depoimento trivial em março de 2016,  é que me dei conta que o circo da cobertura televisiva e dos jornais impressos estava operando uma imensa farsa de âmbito nacional, articulado premeditadamente para ter repercussão internacional negativa na excelente imagem que o ex-presidente ainda detém no exterior, pelo seu feito governamental de ter tirado dezenas de milhões de brasileiros da fome e da miséria absoluta e também por ser um pop-star mundial por sua descontraída diplomacia internacional e criação do bloco dos países emergentes no BRICS.
Este teu avô aqui sempre foi um viciado em noticiários políticos, notoriamente em telejornais, ou seja, um dependente informativo do Jornal Nacional da Globo, como a maioria dos brasileiros que lamentavelmente ainda buscam informação na TV. Mas a coisa começou a ficar nojenta e insuportável quando as manipulações passaram a ser escancaradas, como o caso do Juiz da Lava Jato que fez escutas decretadas ilegais pelo STF de conversas da Presidência da República, portanto de segurança nacional, e as divulgou na mídia às pressas para influenciar no agravamento da crise política naquele momento crítico pré-Golpe.
Depois disso a perseguição política e o massacre midiático seletivo sobre denúncias de corrupção na Petrobrás passou a ser um samba de uma nota só, deixou de haver jornalismo informativo, todos os canais de televisão adotaram a narrativa de que a corrupção era exclusividade dos petistas vermelhos e que derrubá-los do governo era a salvação nacional verde-amarelo. Mesmo que fosse apoiando as forças sabidamente  mais corruptas e retrógadas dos partidos que sempre estiveram dentro deste governo de coalisão e de suas práticas de corrupção institucionalizadas desde sempre, mas que nunca foram investigadas nos governos anteriores. Convém que saibas, meu neto, que o mundo estava vivendo uma crise econômica prolongada desde 2008, e a onda de tentação fascista cresceu tanto na Europa contra os imigrantes refugiados das guerras no Oriente Médio e na África, como nos EUA. Também no Brasil o discurso de intolerância racista e homofóbico do fascismo ganhou notórios defensores públicos e militantes políticos, numa reação feroz do capitalismo selvagem visando eliminar as migalhas de direitos sociais conquistadas pelos pobres e as minorias em árduas lutas travadas por décadas, tais como saúde, educação, moradia, liberdade de opinião e garantia de validade democrática do voto contra golpes de Estado.
A partir daí, meu neto, cresceu a nossa busca por uma imprensa alternativa na internet. Cada um de nós, leitores ávidos por informações, foi fazendo links com blogs e sites de jornalismo livre e de coberturas ao vivo de eventos e movimentos que a mídia tradicional simplesmente ignorava ou minimizava e distorcia com manipulações escrachadas. Só pra tua geração do futuro ter uma ideia da desinformação que as redes de telejornais praticam hoje, neste momento estão ocupadas mais de 1.000 escolas pelos estudantes secundaristas acampados nelas, além de 50 universidades e 80 institutos federais protestando contra a PEC241 e contra a Reforma do Ensino, e nada disso é noticiado, por incrível que pareça. A radicalização e a cultura de ódio antipetista implementada pela mídia tornou o ambiente das redes sociais um campo de batalha e de insultos fascistas, dividindo o povo brasileiro como duas tropas inimigas em guerra aberta e sem possibilidade de diálogos. Divisão simbolizada pelo muro que ergueram em frente ao Congresso Nacional para separar os contra o Golpe e os a favor do impeachment nos dias das votações na Câmara e no Senado.
A busca de informações em fontes alternativas no início era  complementar às das notícias das grandes redes de comunicação, mas logo estas começaram a nos causar tanto mal-estar e revolta que nos vimos compelidos a não mais assistirmos noticiário de TV nenhuma, veja só a que ponto chegamos, meu neto. Era uma questão de saúde mental e harmonização social rompermos com o hábito enraizado que tínhamos de acompanharmos regularmente os telejornais. Tivemos que nos imunizar das manipulações de massa a partir da posse do governo interino ilegítimo do então vice-presidente e traidor Temer, até a finalização do impeachment que cassou mais de 50 milhões de votos, quando a mídia foi recompensada com verbas estatais e tornada definitivamente placa branca. Após meses agonizando em debates de surdos num jogo de cartas marcadas no Congresso, o Golpe acabou se consumando no dia 31/agosto/2016, revelando ao vivo pela TV ao povo brasileiro a mediocridade também dos senadores da República.
Nós, a esquerda democrática petista e principalmente a não petista (que é o meu caso), feito membros de uma tribo de Alcóolatras Anônimos Agrupados (AAA) nos agrupamos na internet para conseguirmos não mais nos envenenarmos com a imprensa golpista e nos ajudarmos mutuamente a resistir e a combater a lavagem cerebral que faziam na população com o surrado discurso anacrônico contra “os comunistas vermelhos”.
 Não sei qual será a realidade do Brasil quando leres este texto com maturidade pra interpretar seus fatos, meu netinho, mas no tempo em que escrevo a Rede Globo de Televisão era praticamente um monopólio e fazia a cabeça geral da chamada opinião pública. Espero que isto já tenha mudado no seu tempo e que o direito à informação tenha sido democratizado. Saiba que não era uma tarefa fácil se livrar do vício das doses diárias de Globo na mente da gente, era uma espécie de Matrix (procure ver este filme pra entender a metáfora). A coisa funcionava assim, o carro-forte da emissora eram as telenovelas com quase um ano de duração cada uma e eram várias por dia. Então, estes folhetins de teledramaturgia, em que pese os excelentes atores da emissora, eram esquematicamente repetitivos. Bastava assistir os primeiros capítulos da novela  e depois, através dos anúncios do próximo capítulo durante o Jornal Nacional, poderíamos ir acompanhando sem gastar tanto tempo assistindo. Mas isto funcionava como uma armadilha de duplo sentido: tanto capturava os telespectadores dos telejornais para as novelas, como destas para os noticiários e viciava a todos em ambos.
Tem males que vêm pra bem, meu neto, pois foi preciso que uma quadrilha de velhos raposões larápios tomassem de assalto o Brasil, em nome do combate à corrupção e prometendo “estancar a sangria dos políticos acabando com a operação contra a corrupção Lavajato”, para eu conseguir me livrar do vício do Jornal Nacional. Mobilizado para resistir até  a posse do próximo presidente eleito pelo voto popular em 2018, neste momento em que transmito esta mensagem para leres no futuro, estou em abstinência de telejornais e novelas há mais três semanas, desde a macabra sessão da Câmara dos Deputados, no início de outubro/2016, de aprovação da PEC241/2016. Que foi a votação em primeiro turno de mais um Golpe da maioria parlamentar escrota e fascista, que aprovou uma absurda violação da Constituição com um plano econômico de congelamento dos gastos com saúde, educação  e serviços sociais “por 20 anos!” no país. Não vão deixar pedra sobre pedra das conquistas sociais, prometem reforma trabalhista atropelando a CLT, reforma do ensino amordaçando intelectualmente as futuras gerações e reforma previdenciária empurrando a aposentadoria para os 70 anos de idade, para o pós-morte. Ninguém merece.
Até tentei assistir esta semana na TV Cultura o programa Roda Viva, com a ministra recentemente eleita presidente do STF. Mais uma vez era o circo armado só com entrevistadores alinhados com o governo ilegítimo fazendo perguntinhas fáceis para consagrar a entrevistada no centro da roda. Uma jornalista da Globo News até perguntou pejorativamente com um riso irônico: Teve golpe? Cuja resposta foi apenas outro riso da ministra. Analise comigo, meu netinho, mesmo com a tua distância no tempo. Se era um programa de jornalismo e a nação estava dividida entre estas duas narrativas, de Golpe X impeachment, não devia ter pelo menos um entrevistador de esquerda para perguntar sério: Ministra, o STF vai aceitar passivamente sempre que uma eventual maioria parlamentar resolver destituir um presidente eleito  por um motivo banal qualquer (que nem precise se comprovar como crime de responsabilidade), como se o sistema não fosse presidencialista e sim parlamentarista, ou este “não querer entrar no mérito da questão” por ser um “julgamento político” é uma maneira da Suprema Corte endossar, por omissão, o golpe contra este específico governo por ele ser de esquerda?...
Querido neto, encerro esta cartinha como um desabafo da minha geração que apostou suas melhores fichas, que chegou a estar dentro do poder com a faca e queijo na mão para espantar os ratos, mas que fracassou na missão de entregar o país reformatado para os seus descendentes.  Resultou que, mesmo com as manchetes de ontem de prisão do ex-todopoderoso presidente da Câmara, o pai do Golpe,  não tive nenhuma recaída no meu vício de assistir aos telejornais do dia, preferi assistir aos jogos de futebol  da dupla Grenal, pois sabia que fariam uma narrativa orquestrada em benefício de suas conveniências políticas e estratégicas. A meta deles agora é o Golpe Final:  conseguir a ilegibilidade para 2018 do ex-presidente Lula através da Operação lavajato, cuja perseguição continua implacável atrás de uma acusação qualquer que possa condená-lo à tempo. Ele representa o que restou de saldo eleitoral com potencial de unificar todos os movimentos sociais de esquerda deste país na luta pela retomada das rédeas do poder usurpado sem o voto popular. O voto secreto na urna é  que diferencia um regime democrático com legitimidade deste governo autoritário que passamos a vivenciar nestes dias tenebrosos.
Assim, Leonardo, meu único neto (por enquanto!), quando estudares esta página infeliz da nossa história na escola, lembre desta carta do teu velho avô; tomara que eu ainda esteja vivo e lúcido para discutir contigo os detalhes sórdidos deste período surrealista mórbido do nosso querido Brasil.

DEMISSÃO DA AFM

Mais uma vez fica aqui este meu registro de desalento e desabafo de quem ouviu a mesma ladainha das administrações municipais por cerca de quarenta anos, de gestões que passaram sem assumirem suas obrigações de assistência médica aos servidores. E agora, sem o Convênio e sem o Hospital Porto Alegre, com "A Morte Anunciada da AFM", não me restou outra alternativa a não ser migrar para um outro plano de saúde. Cumpridos os prazos de quatro meses de carência na Unimed, como tantos outros municipários, após mais de 40 anos estou pedindo demissão do quadro social da AFM, lamentavelmente

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O ÚLTIMO CONTRACHEQUE EM PAPEL

Recebi por email o seguinte comunicado do DMAE, datado de 14/07/2016:   Informamos que dentro das medidas de contenção de despesas adotadas pela Administração Municipal e seguindo as tendências da modernização administrativa, que proporcionam o uso da tecnologia para o acesso à informação e o zelo pelo quesito da sustentabilidade, a partir deste mês de julho, os contracheques dos servidores estarão disponíveis somente pelo portal RH 24HORAS. Não serão mais distribuídos na versão impressa.  A medida abrange todos os servidores do Dmae, inclusive aposentados e pensionistas do Previmpa. O fim do contracheque na versão impressa irá gerar economia financeira.
Economia para quem, Cara Pálida? As tendências de modernização com o uso da tecnologia para o acesso à informação e o zelo pelo quesito da sustentabilidade tem servido para jogar nas costas da população os custos pela impressão das nossas contas com os códigos de barra das lojas e dos cartões de crédito, enquanto estes estabelecimentos entulham nossas caixas de correio com impressos inúteis de propagandas de seus produtos. Agora também os contracheques dos servidores, este importante documento do histórico dos benefícios e descontos trabalhistas, foi tornado supérfluo e opcional: quem quiser e puder que providencie o seu.
 É o uso da tecnologia como um processo elitista de hierarquização pela desinformação dos excluídos do mundo digital. No perfil social dos municipários, como dos brasileiros em geral, é grande o contingente de servidores e aposentados que não têm acesso ao domínio digital, especialmente os de baixa escolaridade e os idosos. Diante das dificuldades impostas pela Administração para a obtenção dos seus contracheques, muitos acabarão tendo suprimido o seu direito a receber o extrato mensal do fruto do seu trabalho. Desinformados, os trabalhadores podem ser facilmente prejudicados por erros de lançamentos de vantagens ou por descontos indevidos.
Eu sempre guardei cuidadosamente os meus contracheques, desde 1975, quando ingressei com um grupo na Prefeitura, por concurso público na Secretaria Municipal da Fazenda – Divisão de Tributos Imobiliários, cuja nomeação nunca se efetivou, e que recebíamos salário por “Verba de Terceiros”, como se autônomos fôssemos e, ainda por cima, nos faziam pagar ISSQN.

Arquivados cronologicamente, tenho também os contracheques de 1976, quando fiz outro concurso e ingressei no Dmae no cargo de escriturário. Como verdadeiros documentos históricos da minha carreira funcional, revendo minha coleção de contracheques, constato que em 1979 fui promovido, também por concurso público, para o cargo de Auxiliar de Serviços Técnicos. Depois, em 1987, fui nomeado para o cargo de Técnico industrial numa reforma do plano de carreira, por eu possuir o diploma de Técnico em Eletrônica do Parobé.

A História do país também pode ser lida nos nossos desbotados contracheques. E para aqueles Caras Pálidas que dizem que atualmente vivemos a maior crise econômica do Brasil, fiquem impressionados com a vertiginosa montanha russa dos valores do meu salário entre os anos de 1985 e 1995. Viajem comigo: quando ingressei na Prefeitura na década de 1970 a moeda era o Cruzeiro (Cr$), e cheguei no ano de 1986 ganhando  Cr$ 3.347.360,00 quando entrou o Cruzado (Cz$) . A inflação era uma espiral tão louca que, quando a moeda passou a ser o Cruzado Novo (NCz$) em 1989, eu era um marajá e não sabia, estava recebendo Cz$ 7 milhões e, com a reforma, meu salário ficou em NCz$ 1 mil. E a doideira continuou, pois quando ressuscitaram o Cruzeiro (valendo 1 NCz$) como moeda oficial do país em 1990, eu ganhava cerca de  40 mil Cruzeiros e, antes da nova reforma que instituiu o Cruzeiro Real (CR$) em 1993, eu era um multimilionário pois cheguei a receber Cr$ 43.223.625,00. Isso mesmo: 43 milhões de cruzeiros! Veja a foto do contracheque e acredite se quiser. Mesmo antes da reforma de 1994 que instituiu o Real (no valor de 2.750 cruzeiros reais) eu ainda era um milionário e não sabia, pois ganhava mais de 1 milhão de cruzeiros reais e, a partir de então sim, caí na real de proletário, com o corte de três zeros no meu salário em Reais. Portanto, pra quem conviveu com uma inflação de 100% ao mês, falar que vivemos hoje a pior crise é Golpe!
Nessa viagem nostálgica que fiz em meus velhos contracheques, verifiquei que foi em 1992 que passei a exercer a função de engenheiro nomeado em Cargo em Comissão pelo Governo Petista, e fui nomeado definitivamente engenheiro por concurso público no final de 1993.

Nos meus contracheques consta que no ano de 1997 passei a exercer a função gratificada de Diretor da Divisão de Manutenção, registro que muito me honra por ter sido o local onde trabalhei por quase quarenta anos.
Constato  que é a partir de meados de 2011 que os meus contracheques passaram a ser emitidos pelo Previmpa e enviados pelo Correio, onde passei a constar como um engenheiro aposentado.
Assim, com este último contracheque emitido em papel e referente ao mês de junho de 2016, sou forçado a encerrar minha coleção de originais que registram, mês a mês, não só toda a minha carreira profissional, descrevendo detalhadamente quando ganhei cada avanço e progressão até a letra D, as horas extras que fiz e os meus empréstimos no Montepio, como também mostra quando vendi licença prêmio e dias de férias e a partir de quando passei a gozá-las integralmente. Os contracheques constituem um verdadeiro livro de nossas vidas, um diário de bordo desta longuíssima viagem que fizemos cruzando maus tempos para pescarmos o nosso sustento até, finalmente, atracarmos no idealizado porto alegre dos aposentados.  
Agora a minha coleção de contracheques, que abrange 41 anos, passa a ser uma relíquia preciosa dos tempos em que o zelo patronal era por garantir o acesso facilitado a todos os trabalhadores às informações de sua vida funcional. Coisa que paradoxalmente não acontece mais na pós-modernidade da era da informática, onde tudo e até a informação é líquida, está ao alcance de alguns e escapa entre os dedos de muitos.

CRÔNICA DA MORTE ANUNCIADA DA AFM



Sobre a eterna pendenga da assistência médica dos servidores municipais, as administrações dos dois Josés (Fogaça e Fortunati) jogaram todas as suas fichas, com o apoio do Sindicato dos Municipários (SIMPA), no Convênio com o Instituto de Previdência do Estado (IPE). O projeto até foi aprovado pela Câmara de Vereadores mas foi protelado pelo próprio IPE que se encontra em crise, à beira da falência.
A prefeitura, enquanto agente patronal, ao invés de contribuir com um percentual relativo a cada servidor, criando um fundo de assistência, preferiu economizar e sempre  repassou apenas uma verba no valor de  “quanto bem entender” a título de “Convênio” com a AFM, para cobrir exclusivamente as necessidades de hospitalização dos servidores. Resumindo, o famigerado Convênio que a prefeitura oferecia através da AFM não possibilitava sequer o diagnóstico e o acompanhamento médico prévio, cobria somente os custos após a internação. A prefeitura sempre pagou o mínimo: pagava só pro funcionário literalmente ter aonde cair morto!


             Por estas e por outras é que cerca de 70% dos municipários recorriam aos planos de saúde oferecidos no mercado, arcando sozinhos com os custos sem nenhuma contrapartida patronal da Prefeitura.  É preciso lembrar que antigamente não havia SUS, não havia esta universalização de alguma possibilidade de assistência médica para todos, por mais precária que seja. Assistência médica era oferecida só para os contribuintes do INSS, e como os municipários não contribuíam (e não contribuem!) compulsoriamente com nenhum instituto, por mais absurdo que isso possa parecer, eram quase indigentes. Eram “quase” porque, com a inauguração do “Hospital Porto Alegre” (HPA) em 1978 pela Associação dos Funcionários Municipais (AFM), os municipários em geral passaram a ter recursos médicos quando baixados no hospital. Contudo, para consultar o servidor tinha que se associar na AFM e pagar uma mensalidade que lhe dava direito a consultas médicas e baixa hospitalar pra toda família (pais e filhos).

Este verdadeiro “pau de sebo”, que sempre foi a questão da Assistência Médica dos municipários, transpassou todas as administrações durante a minha longa carreira profissional. Já no mandato do prefeito João Antônio Dib (1983-1985) participei, como liderança sindical representando o Dmae, de um longo “Seminário de Elaboração Coletiva de um Projeto de Assistência Médica para os Municipários”. Contudo, não resultou em nada de prático o seminário. Não houve avanços nem mesmo posteriormente na Comissão Paritária, na gestão do prefeito Alceu Collares (1986-1988), o primeiro prefeito eleito democraticamente após mais de 20 anos de ditadura militar, quando participei como presidente da AMPA (associação pré-sindical, embrião do SIMPA) de discussões sobre a assistência médica, tendo do outro lado da mesa de negociação a Dilma Rousseff (na época Dilma Linhares e secretária municipal). Foi assim também durante a longa era petista de 16 anos no comando da administração de Porto Alegre (com os prefeitos Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont e João Verle). O  petismo chegou a estabelecer data para extinção do Convênio com a AFM, por considerar o Convênio ilegal (dinheiro público injetado em entidade privada sem licitação), e prometia criar um novo mecanismo institucional  que atendesse aos anseios da classe dos trabalhadores do município...mexeu, mexeu, fedeu e também escorregou no pau de sebo e desistiu.


Ruim com o Convênio, bem pior sem ele. Em 2014 o prefeito Fortunati deu o tiro fatal firmando um convênio com o Plano Verte - Saúde (e o Dmae com o Centro Clínico) pra quem quiser e possa pagar e, gradativamente, foi estrangulando até encerrar o fluxo de verbas para o Convênio de assistência com o Hospital Porto Alegre. Com esta atitude o governo municipal sentenciou a morte anunciada da AFM.
As dificuldades financeiras que a AFM passou a enfrentar sem os repasses do Convênio com a prefeitura, a partir do segundo semestre de 2015, causou a descontinuidade da assistência hospitalar dos servidores mais humildes que só tinham o Hospital Porto Alegre (HPA). Para que os pais velhinhos, que são dependentes agregados dos servidores associados da AFM, continuassem a ter direito à hospitalização, tivemos que associá-los como “contribuintes hospitalares” e pagarmos mensalidades por cada um deles.


De lá pra cá a crise financeira e administrativa da AFM se agravou muitíssimo, as faltas de pagamento dos salários provocaram movimentos grevistas dos funcionários do Hospital Porto Alegre, paralisações que se tornaram notícias constantes nos jornais da capital, bem como as especulações sobre a venda do hospital. Agora, em junho de 2016, a AFM comunicou aos associados que havia celebrado um “contrato de parceria com o Instituto de Saúde e Educação Vida – ISEV – para garantir a continuidade operacional do Hospital Porto Alegre no atendimento ao seu quadro social”.


Recentemente, no dia 8 de julho, estive no HPA pra solicitar um exame de laboratório pra minha mãe e, casualmente, presenciei uma assembleia dos funcionários no pátio do hospital. Contando com participação do sindicato SINDISAÚDE-RS, relataram que ninguém sabia nada das condições do tal contrato celebrado com o instituto ISEV, empresa administradora de vários hospitais pelo interior do Estado, que passa a ser o proprietário do hospital em troca de assumir as dívidas do mesmo. Os  funcionários se manifestavam indignados por não ter vazado ainda nenhuma informação sobre as questões trabalhistas de interesse deles, tais como o pagamento dos seus salários atrasados. Reclamavam do absurdo de sequer saberem quem é o patrão deles neste momento e não saberem nada sobre a continuidade dos seus empregos. Constatei a situação de insegurança extrema do quadro funcional do hospital e das famílias destes trabalhadores da saúde.


Eu sou sócio da AFM a exatos 40 anos e, nas últimas duas décadas, passei a ter também um plano da UNIMED em benefício dos meus filhos (pela cobertura em âmbito nacional e melhores recursos hospitalares),  e mantive a AFM pela minha idosa mãe que, por sua idade avançada, teria um custo inviável em qualquer outro plano. Declaro aqui, em reconhecimento à qualidade da equipe médica que atende (ou atendia) pela AFM, que mesmo após eu possuir também o plano de saúde da UNIMED, continuei consultando os mesmos médicos da AFM, apenas que talvez com marcações de consultas em especialistas de forma mais rápida pela UNIMED, mas a um custo muito maior.
De qualquer maneira fica aqui este meu registro de desalento e desabafo de quem ouviu a mesma ladainha das administrações municipais por cerca de quarenta anos, de gestões que passaram sem assumirem suas obrigações patronais. E agora, sem o convênio e sem o Hospital Porto Alegre, com A Morte Anunciada da AFM, não me restou outra alternativa a não ser migrar a minha mãe para um plano de saúde da Unimed e, depois de cumpridos os prazos de quatro meses de carência, como tantos outros municipários estarei deixando de ser associado, lamentavelmente. Espero sair antes que a morte anunciada da AFM, hoje com 93 anos de existência, se concretize definitivamente, de modo que a minha mãe, hoje com 92 anos de idade, continue tendo assistência hospitalar por muito mais tempo.