COTIDIANO DE UM APOSENTANDO

            É muito difícil que exista outro aposentado que frequente tanto o seu antigo local de trabalho quanto eu. Faço isso não “porque não tenha mais nada o que fazer” ( tenho uma Lista das 100 Coisas para fazer na aposentadoria!)  ou por ter saudade depressiva dos colegas; nem por sentir falta do cafezinho compartilhado com bolachinhas ou da roda de chimarrão; pois nem deu tempo ainda pra tanta carência. Tampouco vou lá só para torturar os cativos do cartão-ponto com a minha exuberante liberdade! O motivo da minha assídua presença, que acontece pelo menos duas vezes por dia  (que só falta eu bater ponto no quarteirão) é a minha mulher. Ela é a culpada por eu ter que manter parcialmente a mesma rotina das últimas duas décadas, mesmo depois de estar aposentado:
Todo dia ela faz tudo sempre igual”, como dizia a música Cotidiano do Chico Buarque, só que sou eu próprio que “me sacudo às seis horas da manhã”, posto que moramos em casas separadas. Vivemos uma nova modalidade de relação conjugal em que “o sorriso pontual e o beijo com a boca de hortelã” se dá no carro, quando eu passo na casa dela para levá-la para o trabalho.
Estou no meu terceiro casamento, sou quase especialista no assunto. No ímpeto da paixão de querer ficar junto o tempo todo, a tendência dos casais é que um se mude de mala e cuia para dentro da casa do outro. Então, num novo casamento convencional, “toda noite ela diz pra’eu não me afastar”, até o cara se sentir asfixiado e, numa reação de legítima defesa, saltar fora novamente.
          Já faz dezoito anos que vivemos harmoniosamente, com  cada um vivendo na sua casa, com espaço físico e tempo para nos dedicarmos às nossas individualidades  e peculiaridades. Eu com esta minha compulsão por escrever, e ela com o seu estudo de piano; de modo que valorizamos qualitativamente nossos momentos de convivência familiar. É verdade que o universo  conspirou   a favor desse encontro de propósitos, pois tanto ela como eu tínhamos filhos pequenos quando iniciamos o nosso relacionamento, ela com um garoto e eu com duas meninas, de forma que convinha que a reunião desta nova “grande família” barulhenta ficasse restrita a momentos lúdicos. Cada um podia, assim, cuidar de seus rebentos ao seu modo e sem tensionar demais o período de namoro e de ajustes do novo casal que se formava. 
Assim, aproveitamos os momentos em que estamos juntos, que não são poucos, procurando viver prazerosamente e com alegria, pois é um estar junto sem o estigma da rotina geralmente estabelecida nos casamentos convencionais de que trata a canção do Chico,  na qual o cara “todo dia pensa em poder parar, pensa em dizer não, depois pensa na vida pra levar e se cala com boca de feijão...”
No nosso cotidiano se pode parar, pensar e diariamente dizer “não”. É claro que surgem ruídos na comunicação, como em todos os casais, mas aí cada um tem o escurinho do seu quarto e o silêncio do seu travesseiro para refletir e desarmar o espírito para na manhã seguinte, ou quem sabe em dois ou três dias depois, poder voltar a investir na relação. Evita-se, com isso, os desgastes mais graves que uma convivência obrigatória num momento de atrito conjugal pode causar: “me aperta pr'eu quase sufocar, e me morde com a boca de pavor.”
A cultura popular é sábia ao dizer que a vida dos amantes clandestinos é mais excitante, nem tanto por ser às escondidas e mais por eles se encontrarem apenas nos momentos de prazer. Analogamente, a modalidade de casal que vive em casas separadas, são como amantes monogâmicos publicamente declarados ou como namorados permanentes: “Meia-noite ela jura eterno amor.”

Por isso o nosso cotidiano conjugal é bastante peculiar, até pelo fato de que moramos propositadamente apenas uma quadra de distância um do outro e trabalhávamos na mesma empresa, ainda que não no mesmo prédio, mas no mesmo quarteirão. Portanto, além de almoçarmos juntos todos os dias em restaurantes buffets, “às seis da tarde  como era de se esperar, ela pega e me espera no portão” da empresa e  geralmente também jantamos na companhia um do outro.
Mesmo sem nunca termos pensado em “juntarmos os trapos” para morarmos juntos, por “essas coisas que diz toda a mulher” sobre o glamour do casamento enquanto declaração de amor, nos casamos legalmente há três anos atrás (através da Declaração de União Estável), e seguimos “com boca de paixão” a vivência do nosso cotidiano de um casal que vive em casas separadas.
Mas garanto que é por pouco tempo que vou manter esta rotina de aposentaNdo freqüentador assíduo do seu ex-local de trabalho, sabem porquê?...
Por que daqui há dois anos ela também vai se aposentar e ambos estaremos livres para voarmos juntos por outras rotinas e horários, numa aposentadoria familiar integral!

POESIA: QUEM NÃO PRECISA?

Quando é muito
Do mesmo de sempre
É hora de um pouco
Do novo de nunca.

         Saibam que nem só de prosa é feita a vida de um aposentado. Saibam também que sempre é hora de se libertar da camisa de força prosaica de querer ter tudo bem explicadinho e soltar a franga poética de poder ficar apenas nas sintéticas sugestões sutis:


A GENTE SOMOS UNS CORRUPTOS

           Todo mundo sabe exatamente
           O que é que tem que ser feito
          Mas ninguém exatamente faz
          Não faltam leis nem mandamentos
          Sobram filosofias e religiões
          Abundam partidos e associações
          E ONGs, e tribos organizadas
         Não falta boa intenção nem ação
         Sobram voluntários de mãos dadas
         Abundam planos de ações aceleradas
         E obras, desperdícios e corrupção!

                 Então, desde já acesse ao meu blog de poemas ELOS e exercite o seu jogo de cintura poético:


E volte  sempre!

Manifestações de protestos na Europa: por quê?

Em 2010 houve manifestações de rua em  Paris contra a reforma de previdência que aumentava de 60 para 62 anos  a  idade de aposentadoria naquele país. Agora em 2011, também em reação aos pacotes econômicos governamentais, as manifestações de rua de jovens e estudantes se espalharam com força pela Grécia e pela Espanha, também repercutindo na Itália, Irlanda, Portugal e agora até em Londres. Ou seja, a Europa do Euro está tremendo nas bases!
O que está acontecendo com o Velho Mundo que apostou todas as suas fichas na união monetária do mercado comum europeu em 1999, e agora assiste a deflagração de crises graves em vários países do bloco, com a opinião pública se voltando contra o euro?...É como em maio de 1968, em que movimentos espontâneos, não partidários, eclodiram contra tudo e contra todos, pipocando em vários países, e que ninguém entendeu muito bem até hoje?...
As notícias dos jornais e televisões, como sempre, não são esclarecedoras nem formadoras de opinião, são meramente alarmistas e sensacionalistas. Enquanto os “indignados” espanhóis reuniam nas praças de Madri e Barcelona dezenas de milhares de manifestantes marchando contra o “pacto europeu”, desde maio até junho, eu lia e ouvia atentamente tudo o que diziam, mas os veículos de comunicação não dizem nada, nada, nada não! (parafraseando a letra de uma música dos Engenheiros do Hawaí)...
Foi enquanto o pau comia em praça pública no mês de julho na Grécia, que estava ameaçada de decretar calote na dívida externa, que de tanto catar informações  aqui e ciscar interpretações ali, consegui articular uma compreensão mínima de que bicho está pegando por lá. Trata-se do estouro da mais uma bolha do mercado financeiro, desta vez é a grande bolha do euro. Li na Zero e no Correio que a nova moeda trouxe a ilusão de riqueza: o juro baixou e, com crédito fácil e barato, as famílias compraram casas, carros e férias fantásticas. Países como Portugal. Irlanda e Grécia passaram a consumir como os alemães sem produzirem riquezas suficientes. Tanto foi que as famílias não puderam mais pagar os financiamentos e a bolha explodiu, provocando recessão e desemprego nesses países.  Uma vez resgatados emergencialmente como enfermos pelo FMI, em troca estes países se comprometeram com planos de austeridade ditados pela União Européia (UE). Assim, os países deixam de ser independentes, pois é a UE que vai determinar as reduções de salários, cortar os apoios sociais e aumentar os impostos. É mole?...
Claro que os jovens vêem um futuro sombrio pela frente. São pessimistas e acreditam que os políticos destruíram o futuro deles. O euro trouxe falta de soberania, a pobreza aumentou e a corrupção permeia a burocracia partidária no sistema de eleição por listas, onde os políticos tem mais lealdade ao partido do que ao eleitor.
O profeta da ruína do euro, o economista Edward Hugh, defende que os países devem abandonar a moeda européia unificada para recuperarem competitividade, uma vez que todos estão impossibilitados de operar uma política monetária própria. A Europa, depois de muitas décadas de taxas de fertilidade abaixo das de reposição, só tem pela frente o baixo crescimento demográfico, com aposentadorias em alta e com crescentes compromissos de atendimento à saúde. O enigma é como tornar sustentável uma previdência  para uma população de idosos sem taxar cada vez mais os jovens. A influência e o poder da Europa estão em declínio, inclusive sobre o FMI.
A Ásia e a América Latina são forças que crescem em escala global. Países como a China e o Brasil têm pela frente um futuro bem mais brilhante.
Hum...agora entendi. Mas, cá entre nós, ainda bem que o MERCOSUL abichou, não vingou, ficou cada um puxando pro seu assado e disputando beleza até que deu merda! Tem males que vem pra bem, a gente ainda é feliz e nem sabe. Somos a última geração de funcionários públicos com aposentadoria integral, talvez os últimos no planeta globalizado todo! A Dilma que não me ouça...

AGENDA DE JULHO DE UM APOSENTADO

     A  cena cultural portoalegrense no mês de julho é uma loucura, pra quem não está acostumado não é fácil acompanhar tantas opções. Dentro do espírito de dar uma idéia do que pode fazer um aposentado com o seu tempo, relato o pouco que eu consegui fazer, por falta de tempo (acreditem!), na minha agenda de julho:
         Início de julho é final de semestre letivo na UFRGS. Terminei de ler dois livros em español do García Márquez: a Crónica de Una Muerte Anunciada, para apresentar um resumo escrito; e o Relato de Un Náufrago, para relatar em aula como prova oral da disciplina de Español I, na qual obtive aprovación con B!
Truffaut
Ciclo de Cinema: Em pleno horário de expediente, na Sala Redenção da UFRGS - Ciclo Infância no Cinema (de 1º à 29/julho): assisti grátis ao filme Os Meninos da Rua Paulo do diretor Zoltan Fabri, em que se dá a disputa de um terreno baldio por dois grupos de meninos que entram em guerra; e também grátis assisti ao filme O Garoto Selvagem do diretor Truffaut, que narra a trajetória sociológica de um menino que, abandonado na selva, se criou sem contato com ninguém até ser apreendido como objeto de estudo.
 
Engavetar o meu pedido de aposentadoria?
         A minha Antecipação Natalina (conhecida popularmente como pagamento antecipado da metade do 13º Salário em julho) esteve ameaçada, isso caso o PREVIMPA emitisse a portaria da minha aposentadoria antes do preparo desta folha de pagamento. Por este motivo, e também pela expectativa de poder receber a gratificação de R$ 500,00 que o prefeito prometeu pagar aos engenheiros, a título de VRT (Valorização de Responsabilidade Técnica) em decorrência do Movimento dos Capacetes Brancos, fiquei torcendo e pedindo para que o PREVIMPA seja o mais demorado possível no despacho do meu processo. Agora que já recebi o Abono Natalino, relaxei. Total, fazendo bem as contas, tirando o imposto de renda destes R$ 500,00 prometidos, sobra menos do que estou perdendo por estar pagando integralmente a previdência ao invés de pagar apenas sobre a parcela que exceder o teto de isenção. Então, relativamente a esta pretendida gratificação de VRT, resta saber se ela será extensiva também aos aposentados que tem direito a paridade com o pessoal da ativa, por isso sim, tô na luta!...

Debaixo do cobertor + edredom:
        Eta mês de julho frio e chuvoso este! Sabe aquelas manhãs frias e escuras que a gente não quer sair da cama por nada desse mundo?...Sabe a aquelas tardes chuvosas que a gente sempre fica imaginando como seria maravilhoso ficar sesteando até às duas ou três horas?... Pois isso tudo eu estou realizando e afirmo que este outro mundo (longe do local de trabalho) é maravilhosamente possível: basta se aposentar!
No gargarejo do Arnaldo Antunes:
        Baita show o "Arnaldo Antunes ao vivo lá em casa" de um artista performático no palco do Teatro Bourbon completamente lotado de um público encantado com a sua poética musical. Teve destacada contribuição para a criação do clima mágico do espetáculo os solos do Scandurra, que era o guitarrista do Ira!. O 6º Festival de Inverno também promoveu uma palestra do Arnaldo Antunes no Teatro de Câmara, onde o cara se mostrou um papo-cabeça articulado e consciente da arte que faz. Na minha opinião, Arnaldo e Zeca Baleiro são os melhores compositores da MPB atualmente (pena é aquela voz encatarrada do Antunes, mas ao vivo funciona tri-bem!).

       Participei da Oficina de Crônicas, do 6º Festival de Inverno, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura, ministrada em cinco manhãs pelo lendário jornalista dos tempos áureos da saudosa Caldas Junior não igrejeira, o Walter Galvani. Pra se ter uma idéia da trajetória do oficinista, o homem já era jornalista quando o Getúlio Vargas morreu e quando eu nasci, em 1954. Foi patrono da Feira do Livro portoalegrense e tem vários livros publicados. Suas explanações são permeadas de causos e passagens de sua longa vivência com a escrita e com as personalidades que fizeram história e povoam nosso imaginário cultural portoalegrês.
      Criatividade não se ensina, mas é identificando as dificuldades inerentes do processo criativo e da aceitabilidade do texto em termos de oportunidade, relevância e mérito literário na forma do autor colocar a sua opinião, que vai se aperfeiçoando a técnica de se deixar expressar o talento de cada um.
        Escrever é julgar e se expor, ensina Walter Galvani. Crônica é o relato de uma visão peculiar de algo de forma a torná-lo de alguma maneira interessante para o leitor. Fazer crônicas é provocar estranheza com o trivial e simplificar o complexo, fazendo conexões das coisas e acontecimentos do mundo com os aspectos cotidianos da vida e vice-versa.
         Durante a oficina de Crônicas tivemos a oportunidade de escrever duas crônicas como exercícios de se fazer o “vôo da gaivota” para capturar o assunto, bem como para desenvolver o texto dentro de limites que exigem a sua depuração (máximo de 2.400 toques contando os espaços em branco). Reunidos numa turma que continha os mais variados profissionais (jornalistas, professores, empresários, aspirantes a escritor, doutorando em letras, advogados, e até um juiz e eu como ex- engenheiro), da oficina ficou o valioso saldo que é o fato do ministrante se propor a fazer acompanhamento posterior, disponibilizando o seu email para contatos. Ter-se disponível um mestre como orientador nos meandros da redação, não tem preço!
        Valeu Mestre Walter Galvani, a primeira oficina a gente nunca esquece.