CRÔNICA DA MORTE ANUNCIADA DA AFM



Sobre a eterna pendenga da assistência médica dos servidores municipais, as administrações dos dois Josés (Fogaça e Fortunati) jogaram todas as suas fichas, com o apoio do Sindicato dos Municipários (SIMPA), no Convênio com o Instituto de Previdência do Estado (IPE). O projeto até foi aprovado pela Câmara de Vereadores mas foi protelado pelo próprio IPE que se encontra em crise, à beira da falência.
A prefeitura, enquanto agente patronal, ao invés de contribuir com um percentual relativo a cada servidor, criando um fundo de assistência, preferiu economizar e sempre  repassou apenas uma verba no valor de  “quanto bem entender” a título de “Convênio” com a AFM, para cobrir exclusivamente as necessidades de hospitalização dos servidores. Resumindo, o famigerado Convênio que a prefeitura oferecia através da AFM não possibilitava sequer o diagnóstico e o acompanhamento médico prévio, cobria somente os custos após a internação. A prefeitura sempre pagou o mínimo: pagava só pro funcionário literalmente ter aonde cair morto!


             Por estas e por outras é que cerca de 70% dos municipários recorriam aos planos de saúde oferecidos no mercado, arcando sozinhos com os custos sem nenhuma contrapartida patronal da Prefeitura.  É preciso lembrar que antigamente não havia SUS, não havia esta universalização de alguma possibilidade de assistência médica para todos, por mais precária que seja. Assistência médica era oferecida só para os contribuintes do INSS, e como os municipários não contribuíam (e não contribuem!) compulsoriamente com nenhum instituto, por mais absurdo que isso possa parecer, eram quase indigentes. Eram “quase” porque, com a inauguração do “Hospital Porto Alegre” (HPA) em 1978 pela Associação dos Funcionários Municipais (AFM), os municipários em geral passaram a ter recursos médicos quando baixados no hospital. Contudo, para consultar o servidor tinha que se associar na AFM e pagar uma mensalidade que lhe dava direito a consultas médicas e baixa hospitalar pra toda família (pais e filhos).

Este verdadeiro “pau de sebo”, que sempre foi a questão da Assistência Médica dos municipários, transpassou todas as administrações durante a minha longa carreira profissional. Já no mandato do prefeito João Antônio Dib (1983-1985) participei, como liderança sindical representando o Dmae, de um longo “Seminário de Elaboração Coletiva de um Projeto de Assistência Médica para os Municipários”. Contudo, não resultou em nada de prático o seminário. Não houve avanços nem mesmo posteriormente na Comissão Paritária, na gestão do prefeito Alceu Collares (1986-1988), o primeiro prefeito eleito democraticamente após mais de 20 anos de ditadura militar, quando participei como presidente da AMPA (associação pré-sindical, embrião do SIMPA) de discussões sobre a assistência médica, tendo do outro lado da mesa de negociação a Dilma Rousseff (na época Dilma Linhares e secretária municipal). Foi assim também durante a longa era petista de 16 anos no comando da administração de Porto Alegre (com os prefeitos Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont e João Verle). O  petismo chegou a estabelecer data para extinção do Convênio com a AFM, por considerar o Convênio ilegal (dinheiro público injetado em entidade privada sem licitação), e prometia criar um novo mecanismo institucional  que atendesse aos anseios da classe dos trabalhadores do município...mexeu, mexeu, fedeu e também escorregou no pau de sebo e desistiu.


Ruim com o Convênio, bem pior sem ele. Em 2014 o prefeito Fortunati deu o tiro fatal firmando um convênio com o Plano Verte - Saúde (e o Dmae com o Centro Clínico) pra quem quiser e possa pagar e, gradativamente, foi estrangulando até encerrar o fluxo de verbas para o Convênio de assistência com o Hospital Porto Alegre. Com esta atitude o governo municipal sentenciou a morte anunciada da AFM.
As dificuldades financeiras que a AFM passou a enfrentar sem os repasses do Convênio com a prefeitura, a partir do segundo semestre de 2015, causou a descontinuidade da assistência hospitalar dos servidores mais humildes que só tinham o Hospital Porto Alegre (HPA). Para que os pais velhinhos, que são dependentes agregados dos servidores associados da AFM, continuassem a ter direito à hospitalização, tivemos que associá-los como “contribuintes hospitalares” e pagarmos mensalidades por cada um deles.


De lá pra cá a crise financeira e administrativa da AFM se agravou muitíssimo, as faltas de pagamento dos salários provocaram movimentos grevistas dos funcionários do Hospital Porto Alegre, paralisações que se tornaram notícias constantes nos jornais da capital, bem como as especulações sobre a venda do hospital. Agora, em junho de 2016, a AFM comunicou aos associados que havia celebrado um “contrato de parceria com o Instituto de Saúde e Educação Vida – ISEV – para garantir a continuidade operacional do Hospital Porto Alegre no atendimento ao seu quadro social”.


Recentemente, no dia 8 de julho, estive no HPA pra solicitar um exame de laboratório pra minha mãe e, casualmente, presenciei uma assembleia dos funcionários no pátio do hospital. Contando com participação do sindicato SINDISAÚDE-RS, relataram que ninguém sabia nada das condições do tal contrato celebrado com o instituto ISEV, empresa administradora de vários hospitais pelo interior do Estado, que passa a ser o proprietário do hospital em troca de assumir as dívidas do mesmo. Os  funcionários se manifestavam indignados por não ter vazado ainda nenhuma informação sobre as questões trabalhistas de interesse deles, tais como o pagamento dos seus salários atrasados. Reclamavam do absurdo de sequer saberem quem é o patrão deles neste momento e não saberem nada sobre a continuidade dos seus empregos. Constatei a situação de insegurança extrema do quadro funcional do hospital e das famílias destes trabalhadores da saúde.


Eu sou sócio da AFM a exatos 40 anos e, nas últimas duas décadas, passei a ter também um plano da UNIMED em benefício dos meus filhos (pela cobertura em âmbito nacional e melhores recursos hospitalares),  e mantive a AFM pela minha idosa mãe que, por sua idade avançada, teria um custo inviável em qualquer outro plano. Declaro aqui, em reconhecimento à qualidade da equipe médica que atende (ou atendia) pela AFM, que mesmo após eu possuir também o plano de saúde da UNIMED, continuei consultando os mesmos médicos da AFM, apenas que talvez com marcações de consultas em especialistas de forma mais rápida pela UNIMED, mas a um custo muito maior.
De qualquer maneira fica aqui este meu registro de desalento e desabafo de quem ouviu a mesma ladainha das administrações municipais por cerca de quarenta anos, de gestões que passaram sem assumirem suas obrigações patronais. E agora, sem o convênio e sem o Hospital Porto Alegre, com A Morte Anunciada da AFM, não me restou outra alternativa a não ser migrar a minha mãe para um plano de saúde da Unimed e, depois de cumpridos os prazos de quatro meses de carência, como tantos outros municipários estarei deixando de ser associado, lamentavelmente. Espero sair antes que a morte anunciada da AFM, hoje com 93 anos de existência, se concretize definitivamente, de modo que a minha mãe, hoje com 92 anos de idade, continue tendo assistência hospitalar por muito mais tempo.