FECHOU-SE UMA SAUDOSA CORTINA CULTURAL


      

  Morreu o dramaturgo e diretor teatral gaúcho Ronald Radde. Esta notícia fez passar um filme de curta metragem na minha memória, curto mas muito simbólico para os meus vinte e poucos anos de idade na época. Em 1974, quando eu iniciava a minha carreira de funcionário público na prefeitura de Porto Alegre, conheci o Radde como colega de trabalho. Foi por pouquíssimo tempo, logo ele abandonou o emprego de barnabé municipário para se dedicar integralmente ao seu grupo Cia Teatro Novo. Mais de quarenta anos depois, podemos dizer que eis um cara que viveu fazendo o que amava fazer até  morrer, pois é para poucos semideuses conseguir manter um grupo teatral em atividade por tanto tempo e, mais raro ainda, conquistar a sua própria sede de teatro, como Radde consolidou no Shopping DC Navegantes. 
Naquela época o dramaturgo Ronald Radde era uma espécie de Plinio Marcos (autor de Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja) para o teatro dos pampas, escreveu e dirigiu várias peças contestatórias montadas em plena ditadura militar (Transe, João e Maria Nas Trevas, A Fossa, B. em Cadeira de Rodas).  Na sua luta pela sobrevivência pessoal e pela profissionalização da classe teatral, Radde desenvolveu projetos como “A Escola Vai ao Teatro”, visando formar plateias para a cultura de teatro, inclusive o público infantil. Neste período eu estudava o segundo grau numa escola pública noturna e, articulando com um professor de literatura do colégio, agenciei com o Radde a variante “O Teatro Vai à Escola”. O grupo Teatro Novo apresentou “Apaga a Luz e Faz de Conta que Estamos Bêbados...” para uma gurizada adolescente que nunca tinha assistido uma peça teatral, foi sensacional! Naquele dia aproveitei a ocasião para fazer a minha primeira entrevista com alguém: entrevistei o próprio dramaturgo enquanto o grupo ensaiava as marcações de palco no auditório da Escola Estadual Presidente Roosevelt. Gravada em fita cassete, transcrevi a entrevista e a guardo como relíquia no meu baú de escritos.
 Recentemente, no mês de março/2016, o Santanter Cultural apresentou um ciclo de filmes em homenagem ao escritor Caio Fernando de Abreu. Deste ciclo fiz questão de assistir ao filme baseado em um conto do Caio, Aqueles Dois, no qual atua magistralmente o meu saudoso amigo Pedro Wayne. O Pedro veio de Bagé para a capital para ser ator e se integrou no grupo do Teatro Novo do Ronald Radde. Com o Pedro eu me habituei a ler livros de peças teatrais (até escrevi uma peça) e costumava acompanhar os ensaios do grupo do Radde no Teatro do Clube de Cultura da rua Ramiro Barcelos, hoje tombado como patrimônio cultural de Porto Alegre mas desativado por falta de reformas estruturais. Pedro Wayne, filho e neto de poeta, que foi o cara que também me ensinou a ler e curtir poesia (sabia tudo de Carlos Drummond), morreu muitíssimo jovem, no início da década de 1980, com trinta e poucos anos de idade.
Agora, com a morte do Ronald Radde aos 71 anos, para mim se fecha a cortina de dois personagens importantes de uma saudosa fase de outros tempos culturais da minha vida.