Como já foi comentado anteriormente, é no Gabinete Médico que se reencontram as diferentes gerações de trabalhadores da empresa. Um dia desses aconteceu de eu estar no saguão de espera para consultar com a Drª Beatriz (a propósito do meu colesterol, triglicerídios, etc.), assistindo a um documentário que passava no aparelho de televisão instalado em suporte de parede (artifício eficiente para entreter o tempo de espera dos pacientes), quando sentou ao meu lado um aposentado, um ex-colega não só de trabalho, mas de militância política e de aprendizagem de vida.
Aprendemos muito um com o outro, sem nunca termos conversado sobre estas coisas que aprendemos; nos referenciamos pela autenticidade nas posturas de vida e pela intensidade com que nos dedicávamos especialmente às lutas sociais. Apesar de sempre estarmos em ciclos diferentes da vida, em conseqüência da nossa diferença etária de uma década ou pouco mais, adquirimos um nível tal de confiança mútua que ele até serviu de meu fiador na locação de um apartamento, num momento crucial em que eu saia do meu primeiro casamento.
Logicamente que nossas reminiscências comuns passaram por reconsiderações críticas de nossas antigas ideologias políticas: ele um brizolista ferrenho e eu, naquela época, um petista “lulista-olivista” quase fanático. Inclusive pudemos fazer uma releitura conjuntural do grave confronto que vivenciamos de lados opostos, após uma longa militância sindical em que atuamos conjuntamente. Refiro-me ao episódio em que fiz parte de uma comissão de intervenção, decretada pelo então prefeito Tarso Genro, que destituiu a diretoria do Montepio dos Funcionários Municipais de Porto Alegre, da qual este meu ex-colega exercia a presidência justamente naquele momento histórico (havia assumido o cargo apenas 17 dias antes – que azar!). Relembramos a dramaticidade da estratégia do ato de posse da Comissão de Intervenção, que se deu através de invasão de surpresa do prédio (acompanhados apenas de dois guardas municipais desarmados!) e pela ocupação da sala da diretoria da instituição. Recapitulamos a longa agonia da diretoria deposta que se viu forçada a buscar a reintegração de posse na justiça comum, o que só foi conseguir cerca de seis meses depois da intervenção.
Aqui abro uma parênteses no relato deste encontro para dar asas ao livre relembrar de alguns aspectos deste episódio ocorrido a partir de maio de 1994, que talvez tenha sido o mais controverso em que me envolvi em toda a minha vida. Nesta ocasião, através do Decreto Nº 11.003/94, foi formada uma “tropa de elite petista” para constituir a tal Comissão Administrativa Provisória, com especialistas designados em cada área: um economista na presidência (Everton da Fonseca), um procurador na Diretoria Administrativa (Rogério Favreto, que depois seria o Procurador Geral da Prefeitura), um economista na Diretoria Financeira (Roger Keller), uma fiscal da Fazenda Municipal na Tesouraria (Marilene Iurkfitzg) e eu, na Secretaria Geral, como especialista na política sindical da categoria dos municipários:
(foto da Comissão Provisória e a Eleitoral sentados sobre as urnas já apuradas)
A comissão foi investida com o objetivo de fazer valer a Lei Orgânica que determina a realização de eleições diretas para a Diretoria do Montepio, e cumprir a Lei 751/94, recém criada pela Câmara Municipal, que estabelece as eleições diretas para a Diretoria e também para uma Assembléia Constituinte a fim de elaborar um novo Estatuto para o Montepio. Foi um cerco total para acabar com o castelinho dos “donos do Montepio”, onde a Comissão de Intervenção era o Cavalo de Tróia que invadiu o território do inimigo.
Até então a eleição da Diretoria sempre fora realizada indiretamente através do Conselho de Representantes. O fato é que o mesmo grupo se manteve sempre no poder usando a máquina da entidade para controlar a renovação dos membros do Conselho que se dava em conta-gotas: 1/3 em cada eleição de dois em dois anos. Convenhamos, num esquema desses quem tem um olho, se quiser, se torna rei fácil, fácil! Várias gerações de municipários ensaiaram chapas de oposição ao conselho, mas as compras de votos eram escancaradas...Eu atribuo o envolvimento deste meu bem intencionado e íntegro amigo, como de tanta gente boa, que buscava entrar para o Conselho de Representantes a fim de tentar mudar a coisa por dentro. Porém o grupo mafioso que operava na entidade manipulava estas pessoas e até os colocava como “testas de ferro” para ganhar com a credibilidade destas lideranças. Tanto que em seguida, decerto percebendo no ninho de cobras que tinha se metido, este meu amigo se demitiu da presidência e o verdadeiro mentor de todo o esquema teve que assumir e mostrar a cara: Mendelski.
Com contribuições compulsórias de todos os servidores e outro tanto dos cofres públicos, arrecadando cerca de 810 mil dólares mensais, O MFP era nesta época uma poderosa instituição financeira. Era uma verdadeira mina de ouro, por mais besteiras e trampolinagens que os administradores fizessem, sempre entrava mais dinheiro para tapar os furos. Eram até folclóricas as filas que se formavam em torno da quadra da sede da entidade todos os inícios de meses, onde se realizavam cerca de 4 mil empréstimos mensais aos municipários. Portanto, eu entrei nessa briga consciente que para devolver o Montepio ao controle democrático dos barnabés e arigós, era necessário um plano radical como este de invadi-lo através do Cavalo de Tróia que foi a Comissão Administrativa Provisória (Éramos como o grupo do Fidel Castro tomando Sierra Maestra para libertar a Ilha e devolvê-la ao povo! – Doce ilusão).
Justamente neste período da Intervenção o Montepio estava construindo o Shopping Olaria, o que foi um banquete para se pegar falcatruas de superfaturamentos a partir de auditorias que deram origem a várias ações ajuizadas e liminares, uma delas suspendendo o repasse de milhões para a maior de todas as loucuras que pretendiam cometer: o tal de Projeto SISA (Sistema Integrado de Saúde e Assistência) que envolvia a construção de um hospital, para entrar no ramo de assistência médica e quebrar com a AFM. Os caras, que não conseguiam administrar com competência nem os prédios próprios da entidade, já estavam megalomaníacos e se alçando para contratações de grande obras; se não fosse a intervenção eles teriam falido com o Montepio, pois quebrado e endividado já estava com as pensões que não pagava integralmente, e os cofres os caras já tinham deixado raspados.
O fato é que realizamos a maior de todas as eleições já promovidas dentro da classe municipal, com mais de 10.000 votantes no primeiro turno e com seis chapas concorrentes. Daí em diante foi uma guerra de liminares na justiça, a primeira devolvendo a direção da entidade para antiga diretoria. Esse foi um período difícil que, sem a máquina do Montepio, tivemos que bancar o segundo turno da eleição na clandestinidade (apenas com um apoio encolhido e assustado do governo municipal) e ainda com a diretoria procurando minar e desacreditar o processo. Foi efetivamente uma epopéia de intensa entrega pessoal à militância para se conseguir garantir a lisura e a infra-estrutura de votação e do escrutínio do pleito. Aos trancos foi concluída a eleição em que disputaram duas chapas: a do Darvin Ribas (e João Paulo Machado do DMAE e outros) e a do Paulo Müzel (e Paulo Marcos do DMAE e outros), resultando vencedora a chapa alinhada com a Adminstração Popular Petista, que era a do Paulo Müzel. Então, outra briga de liminares judiciais foi travada para que esta diretoria democraticamente eleita, conforme estabelece a lei, pudesse tomar posse num montepio que já estava literalmente tomado de seguranças (capangas) agora realmente armados para não possibilitar a entrada de outro presente de grego em seus domínios.
Durante este período de intervenção, que durou seis meses, em que não recebemos nenhum centavo dos cofres do Montepio (ao contrário do que faziam as Diretorias anteriores que se presenteavam com altos salários), além de assumir a função do “Tio Hugo” que fazia o chamado “beija mão” de conceder “favores populistas”, atendendo filas de servidores que precisavam de algum “jeitinho” para acessarem a “mais empréstimos”; eu fiquei também encarregado da “comunicação com a Categoria”. Fiquei encarregado de sozinho escrever, editar, publicar (contratar gráfica e mandar imprimir uma tiragem de 15.000 exemplares) e distribuir (nos gabinetes dos Secretários e Diretores de Departamentos) o Boletim Informativo do Montepio...Era uma maravilha ter quatro páginas (tamanho ofício A4) para escrever matérias pertinentes aos trabalhos da Comissão Administrativa Provisória e suas auditorias, os da Comissão Eleitoral e ainda os artigos de construção da consciência política da categoria. Durante esta batalha eu realizei completamente o meu lado de jornalista (mais do que nos tempos da AMPA, pois aqui sem concorrências nas elaborações dos textos), escrevendo pelas madrugas adentro para alimentar o periódico mensal e ainda tendo o meu nome na caixa de expediente como “Redator”!...
Ao final de dezembro/94, com a missão completamente cumprida de promover as eleições diretas no Montepio, e considerando que os desdobramentos judiciais se desenvolveriam em outra esferas, demos por concluída a missão da Comissão neste episódio e viajei para umas merecidas férias no verão de 1995.
Avalio que a intervenção valeu a pena, pois sem essa devassa na caixa preta do MFM não se criariam as condições objetivas para a concepção do PREVIMPA como independente desta estrutura totalmente corrompida e em ponto de implodir que era o Montepio, ao contrário do que até então a propaganda da entidade fazia a categoria acreditar. A decantada fortaleza do MFM era um castelo de areia, não restou nada aproveitável, nem mesmo o seu patrimônio em imóveis; a entidade resultou como um buraco negro que engoliu tudo o que arrecadou da família municipária, mas que finalmente acabou.
- Valeu Membros da Comissão Administrativa Provisória do Montepio!
Quando voltei daquelas férias, fiquei sabendo que depois de muito puxa-e-empurra judicial, a nova diretoria e o novo Conselho Deliberativo, eleitos democraticamente no segundo turno do maior processo eleitoral já realizado no meio dos municipários, havia conseguido tomar posse no dia 10/janeiro/1995 através de liminar, mas que já tinham sido depostos por outra liminar menos de trinta dias depois. Foi um mandato relâmpago que consistiu o último sopro de vida do Montepio, antes do ocaso agonizante de morte por “insolvência judicial” dessa pseudo entidade de previdência (posto que pagava apenas as “pensões das viúvas” sem arcar com as aposentadorias dos municipários), até a gangue operadora se metamorfosear em “cooperativa financeira de crédito” (COOPERPOA) para continuar engambelando os incautos.
Mas, voltando ao aqui e agora do meu encontro no Gabinete Médico com o ex-colega da ativa e futuro colega aposentado, Joel Almada Emer, o que concluímos nesta nossa breve conversa na sala de espera do Gabinete Médico é que o legado da nossa participação político partidária foi altamente frustrante (com o Brizola morto) e decepcionante (com o Lula presidente), em última análise, destruidor da esperança de que nossas gerações somadas pudessem construir um país melhor como legado aos nossos filhos. Deixaremos esta missão para os nossos filhos fazerem para os nossos netos...
- Valeu companheiros de lutas de antes da AMPA e da sindicalização da categoria municipária!
Nenhum comentário:
Postar um comentário