O Caminho dos Aposentados

quinta-feira – 18/fevereiro
      Com a predominância da lógica capitalista neoliberal da globalização, seguindo a orientação das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o BID, de privatização dos serviços públicos e minimização dos custos, é cada vez menor o número de empresas públicas que ainda mantém uma estrutura própria de atendimento médico aos seus funcionários. Vivemos hoje um período de transição em que os órgãos de saneamento do país estão sendo gradativamente preparados para a privatização que se processa em etapas de reestruturações, todas orquestradas por exigências contratuais em cláusulas de empréstimos e investimentos estrangeiros. A empresa pública onde eu trabalho, ainda mantém um Gabinete Médico próprio que oferece médicos e dentistas para os funcionários, além de fornecer remédios com descontos. No início estes remédios eram gratuitos, mas com as “reformas”, primeiro os dependentes foram excluídos do benefício (consta que havia tráfico de remédios para vizinhos que se metamorfoseavam em parentes) e, gradativamente, passaram a ter custos crescentes para os servidores com alguns significativos descontos em relação ao preço de mercado, conforme a faixa salarial.
      Mas, de qualquer forma, é de relevante importância dispormos de uma assistência que possibilite, ao levantarmos pela manhã de uma noite mal dormida, com tosse, gripe ou torção muscular (etc.), podermos telefonar para o Gabinete e marcar horário com os nossos colegas médicos que nos acompanham e monitoram ao longo desta longa jornada de servidores públicos, dando manutenção em nossos equipamentos biológicos. Não dispormos mais desta agilidade de assistência médica, qual seja, a de consultarmos, recebermos a receita e retirarmos a medicação em poucos minutos, tem que ser computado no rol das perdas de quem se aposenta* (* = errata).
- Valeu doutores Emílio, Lélia, Nilton e Beatriz! Especialmente a Drª Beatriz que acompanhou a minha Saga Prostática, quando eu desci ao Inferno dos portadores da doença de câncer, a qual feito a musa inspiradora do poeta Dante (que também se chamava Beatriz) diagnosticou que tudo não passava de uma Divina Comédia: Valeu!
      Pois é justamente no Gabinete Médico que se encontram diferentes gerações de trabalhadores da empresa, especialmente os que conseguiram se aposentar pelas leis antigas e que, pelo avançado da idade, mais necessitam de remédios. Da janela da sala onde trabalho posso observar diariamente o que denominamos “o caminho dos aposentados” na rua Gastão Rhodes, que é o caminho que leva do Gabinete médico onde são autorizadas as receitas até a farmácia Panvel, conveniada para o fornecimento dos remédios, na mesma rua, no posto de gasolina na esquina com a Av. Ipiranga. Caminho este que passarei a trilhar a partir de 2011.
      Há pouco tempo vimos pela janela passar o “Seu Alonso” pela última vez, pois pouco tempo depois veio a notícia de que ele já estava morto e enterrado. Alguns deles, quando fazem este caminho dos aposentados, aproveitam para visitar os antigos colegas remanescentes que ainda continuam cumprindo pena ou estão na ativa por opção. Muitos deles, porém, passam direto e fazem questão de não retornarem neste território interno da EME (antiga sigla da Manutenção), talvez por questões emocionais ou por considerarem que praticamente já não tem mais ninguém do tempo deles. Será que eu farei visitas ou tomarei um sumiço?...
      A propósito, no mês passado esteve nos visitando o Hélio Vieira de Aguiar, vulgo Azeitona, do qual eu (vulgo Grazziotin) sei o nome completo por termos trabalhados juntos na mesma sala, como técnicos industriais, por muitos anos, junto com o Ranir (vulgo Grilo) e o Romeu (vulgo Coringa), este um gênio em mecânica que lamentavelmente o mal de Parkinson aposentou precocemente: Belos anos, valeu velharia medonha!
      Faz quinze dias veio tomar “muitos cafezinhos” conosco o Engº Valmor, vindo de uma consulta com o seu psiquiatra (o homem parou de fumar, mas continua tomando café pra caramba!), ao qual a colega Catarina elogiou de viva voz como sendo o melhor engenheiro mecânico que ela conheceu no DMAE, ao que ele próprio remendou dizendo “mas depois eu enlouqueci”; e eu complementei: o louco quando sabe que é louco é por que já está curado! (O problema se refere, os antigos sabem, a um caso de amor entre o diretor e a secretária que, tornado escândalo público, foi interrompido bruscamente e deixou seqüelas psíquicas).
      A semana passada abordei o aposentado Olírio no meio do caminho, vulgo Liquinho, o melhor centro-avante que o nosso time já teve (estilo Romário - que é um daqueles que nunca mais entrou na Divisão), que era radio-amador e com sua máquina de filmagem fez a cobertura do aniversário de um ano da minha filha agora vestibulanda.
      Mas toda esta reminiscência me veio por que hoje recebemos a visita do “Seu Breno das hidráulicas”, que nos contou que ele entrou no Serviço de Água em 1949, quando ele estava terminando de servir ao exército, no tempo que os capatazes tinham autoridade pra contratar e dispensar operários. Em 1954, ano em que eu nasci, ele foi promovido como o “capataz mais jovem” até então. Funcionário que sempre foi respeitado tecnicamente por toda área operacional, se aposentou com tempo integral pelo DMAE e trabalhou além, como “contratado”, por mais 20 anos até 2001. O maior orgulho do Seu Breno, conforme ele nos revelou hoje, é ser “o homem que mais colocou a funcionar hidráulicas”, pois todas as hidráulicas existentes ainda hoje foi ele quem preparou e deu o “start”. Este é realmente um feito imbatível.
- Valeu aposentados da EME, da DVM e do DMAE em geral!

* - Errata: Após postado este texto recebi um e-mail com uma boa notícia:
Caro Celso:
Grata pelos elogios ao GM do Dmae e a mim. Não é fácil “ver” elogios públicos ao GM. Mais fácil é ouvir as queixas. Quanto ao benefício do uso do GM para os aposentados, podes ficar tranqüilo que os aposentados podem continuar usando. Tenho vários pacientes aposentados que continuam meus pacientes, consultando e fazendo seus controles, consultas e avaliações.
Estaremos às ordens depois da aposentadoria também!
Abraço
Beatriz


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