AS FÉRIAS DE FINAL DE CARREIRA

Mas é grande este Brasil, tão grande que comporta  a existência de fusos horários: o fuso me deixou confuso. Ao chegar em Recife, na viagem comemorativa às últimas férias da minha vida de trabalhador antes da aposentadoria,  tive que atrasar o relógio em uma hora. Não por causa do fuso horário, mas devido ao horário de verão que não existe em Pernambuco. Dias depois, após avançarmos 500 km  adentro no Oceano Atlântico, ao pousar no paraíso natural de Fernando de Noronha, tive que adiantar uma hora no relógio, por conta do tal fuso horário. Na volta, numa viagem de uma hora de duração até Recife, foi que finalmente entendi na prática a  Teoria da Relatividade de  Einstein, pois saí do arquipélago e cheguei no continente igualmente às 15 horas local!?!...Louco, né? É a relatividade do tempo.  E não é só isso, ao voltar  para Porto Alegre tive que novamente adiantar uma hora os ponteiros do relógio, por conta do horário de verão, e tive que voltar a atrasar uma hora, no dia seguinte, devido ao término do  período do horário de verão (que por lei se inicia no terceiro domingo de outubro e se encerra no terceiro domingo do mês de fevereiro). Afinal, que horas são?...
Depois  de completar meio século de vida, de ter sido andarilho hippie na juventude, passei a fazer minhas viagens com o padrão CVC de qualidade.  Viajo apenas uma semana de férias por ano, mas faço com tudo de bom que tenho direito!  Há controvérsias sobre as vantagens e desvantagens de viajar por pacotes turísticos: alguns alegam a questão da falta de liberdade para fazer o que bem entender quando quiser; outros alegam que conseguem fazer a mesma viagem pela metade do preço. Costumo argumentar que, por ocasião das férias, não estou interessado em reduzir custos, pelo contrário, gostaria de fazer a mesma viagem pelo dobro do preço, pois significaria que estou agregando maior qualidade na hospedagem  e ampliando a abrangência dos passeios. É pena que o meu salário não permita. Por via das dúvidas, sendo  ainda um engenheiro acostumado a lidar com indicadores de eficiência, resolvi avaliar quantitativamente as vantagens econômicas da contratação de pacotes turísticos para melhor embasar a minha opção:
Somando apenas os valores das diárias do hotel de frente pro mar que nos hospedamos na praia Boa Viagem em Recife e da pousada especial em Fernando de Noronha, por baixo totaliza cerca de 60% do valor do pacote de 8 dias da CVC. Ao acrescentarmos o valor de quatro  passagens de avião POA-Recife (ida e volta), Recife-F.Noronha (ida e volta), certamente fecha os 100%.

Logo, já  tenho de lucro no mínimo os translados (com a visita à Olinda incluído no pacote e a oportunidade de realizar o passeio noturno “Luzes da Cidade” de barco catamarã pelos rios e pontes da Veneza brasileira) e as mordomias dos guias  turísticos com suas dicas quentes e informações interessantes sobre o lugar! 
Com a programação de passar dois dias livres em Recife, pude fazer o meu batismo no mergulho com cilindros a seis metros de profundidade, para ver os peixinhos e os corais no fundo do mar de Porto de Galinhas. Tudo foi uma maravilha, mas do meio pro final da meia hora de mergulho, já era crescente a ansiedade de voltar à superfície e retomar a minha natureza aeróbica, o que nos fez abortar o mergulho mais profundo e muitíssimo mais caro que projetávamos fazer na ilha. Quanto ao argumento da liberdade, avalio que é graças aos horários estabelecidos pela longa experiência das operadoras de turismo em cada local que se consegue aproveitar mais e melhor a viagem, não se perde o melhor da festa por dormir demais. Turista sofre, quem quiser descansar que fique em casa ou faça veraneio em praias monotonamente conhecidas! But, cada um sabe o que melhor lhe convém...
Na encantadora Fernando de Noronha há dois passeios fundamentais, um por terra e o outro pelo mar: o IlhaTour e o Barco Tradicional, que percorrem as principais praias e recantos da ilha, e possibilitam  banhos incríveis durante o percurso e a visão inesquecível dos golfinhos rotadores correndo em alta velocidade na frente do barco e saltando na água azul-marinho do mar de fora.
          Durante os passeios, através dos guias turísticos, a gente fica  sabendo que após ser  invadida e ocupada pelos ingleses, pelos franceses e pelos holandeses nos séculos XVI e XVII, o Arquipélago Fernando de Noronha só foi definitivamente retomado pelos portugueses a  partir de 1737, com a  construção do Forte e da Igreja Nossa Senhora dos Remédios. A ocupação da ilha foi realizada com o envio de presos, a qual passou a se constituir num grande presídio imperial.
No final do século XIX é que Pernambuco tomou posse definitiva e tornou a ilha um presídio estadual. Mas em meados do século XX, o governo de Getúlio Vargas comprou a ilha e a transformou num presídio político e, posteriormente, a promoveu ao status de Território Federal de Fernando de Noronha com um governo militar. Inclusive  na Segunda Guerra Mundial foi instalada na ilha uma base americana de rastreamento de satélites operada pela NASA.
       Um aspecto histórico interessante, contado pelos guias turísticos, é que o lendário Miguel Arraes do PSB (partido de esquerda que aceitava algumas teses marxistas, defendendo a socialização dos meios de produção, mas crítico ao stanilismo; e que abrigou as lideranças comunistas durante a cassação getulista do PCB) foi cassado pela ditadura militar na década de 60 do cargo de Governador de Pernambuco e feito preso político na ilha. Com a redemocratização do Brasil, Arraes foi re-eleito Governador de Pernambuco em 1986 e promoveu a reanexação do arquipélago como Distrito Estadual de Pernambuco. O velho Arraes (O Brizola de Pernambuco!) foi re-eleito governador de Pernambuco pela terceira vez em 1994 com 78 anos de idade, e aos 86 anos ainda se elegeu Deputado Federal em 2002, vindo a falecer em 2005: Êta cabra da peste!
- Valeu Arraes!
       Antropologicamente, portanto, o povo nativo noronhense é descendente de presidiários por parte de pai e mãe, pois com o passar do tempo a ilha se tornou uma colônia contendo também presídios de mulheres, e os presos bem comportados podiam casar e constituir um lar na vila enquanto trabalhavam para os militares.
       A propósito desta questão, eu indaguei uma nativa guia turística noronhense sobre as opções disponíveis para que o povo pudesse sair da ilha e ir passear em Recife, por exemplo. Ela me confirmou que o único meio de transporte coletivo para o continente é o avião, pois não é permitido o transporte de passageiros por barcos (para poderem controlar quem entra e sai da ilha). Todavia, para desfazer a minha hipótese de que eles continuam presidiários na ilha, como seus antepassados, devido ao alto custo das passagens áreas, ela me revelou que eles possuem um “green-card” que lhes possibilita preços mais acessíveis em um percentual “mínimo” dos lugares de cada voo, havendo maior possibilidade de conseguirem vaga pela lista de espera nos períodos de baixa temporada turística. Os nativos reclamam que não sabem onde vai a dinheirama da taxa que os turistas pagam por cada dia de permanência, pois na ilha não tem uma escola nem um hospital que preste, apesar que 60% da água potável é produzida com a dessanilização da água do mar, que é um processo caríssimo; o restante é coletado da chuva.
           Geralmente só conseguimos realizar o sonho de conhecer Fernando de Noronha quando já não temos mais idade para usufruir inteiramente de seus desafios de natureza agreste, íngreme e de mar com ondas imponentes e agressivas. Como quase tudo na vida: quando temos juventude, não temos grana; quando temos grana, falta juventude! Assisti a vários grupos de idosos, ou empacando em determinados trechos dos passeios, ou se arriscando além do que é racionalmente recomendado, para que o corpo possa sustentar com segurança o desafio.
          Eu mesmo passei por momentos dramáticos, por conta de um erro de auto-avaliação da minha condição física de sedentário quase sexagenário, ao aderir ao passeio de ir ver as tartarugas marinhas com snorkel, pé-de-pato e colete salva-vida. O detalhe subestimado neste chamado “mergulho de superfície” é que era necessário nadar 400 metros para chegar até aonde as tartarugas habitam.  Caí na lábia dos guias turísticos vendedores de passeios, os quais são completamente inconsequentes: vendem qualquer produto de alto risco sem considerarem as condições físicas do freguês.
        No meio do longo caminho até o nicho das tartarugas eu já percebi que nadar 400 metros, mesmo de colete, é muito mais do que eu poderia suportar como lazer. Fui, vi as tartarugas marinhas gigantes e alguns peixes (possíveis filhotes de tubarões) na água turva devido à chuva do dia anterior.
        Mas, na volta, que sufoco, achei que não ia conseguir chegar! Com o esforço extra exigido pelos pés-de-pato, começou a me dar sinais de câimbras nas pernas...na água é cada um por si, não tem guia nenhum pra te ajudar: é tudo contigo mesmo!
        Exausto, braceando contra a correnteza, com pânico que as câimbras começassem e a situação se tornasse fora de controle, nadei até chegar numa bóia localizada a cerca de cem metros da praia e me agarrei nela para respirar um pouco sem a máscara do snorkel que veda o nariz e aumenta a ansiedade. Este último trecho foi o pior, pois avistando a praia e vendo as pessoas caminharem com segurança em terra firme, por mais que nadasse parecia que não avançava nada em função do repuxo que anulava o esforço. O último recurso seria gritar por socorro, mas isso significaria perder o controle da situação e se entregar ao pânico da impotência e ao acaso da sorte de receber uma ajuda alheia ou divina. Na pior das hipóteses, pensava comigo mesmo, estou de colete e não vou afundar, posso é ficar à deriva das ondas e do repuxo; isso enquanto não tenho câimbras. Mas e depois, com câimbras, como será?...
        Decidi que era preciso exigir todo o esforço dos braços, poupando ao máximo as pernas, e chegar na areia o quanto antes, enquanto havia o sprint final de fôlego para ser extraído do corpo a fim de salvá-lo do risco de afogamento. Sei que nos cinquenta metros finais, cada vez que eu afundava para testar se já dava pé, sentia que não teria mais forças para voltar à superfície e continuar nadando contra a correnteza. Tal era o desespero que parei de sondar a profundidade e fui nadando até bater com as mãos no fundo e, a partir dali, saí me arrastando até ficar fora do alcance da maré e, me sentindo como um verdadeiro náufrago, fiquei deitado na areia de barriga para cima com a respiração ofegante.
- O senhor está bem? – Perguntou um turista que ficou assustado com o meu estado.
- Agora tô, mas estive mal!...
        Uma outra coisa que chama muito a atenção, além das belezas naturais do local, é a grande consciência ecológica que já está incorporada como uma postura cultural no povo noronhense. O que pode e o que não deve ser feito para não agredir o habitat natural da flora e da fauna, tanto no ambiente terrestre como no marinho, é respeitado religiosamente, melhor dito, conscientemente, como uma questão vital para a sobrevivência de todos, inclusive a dos humanos.

        É um micro modelo piloto de consciência ambientalista nativa, literalmente ilhado, mas que serve como um exemplo para ser ampliado para toda a população do planeta Terra.

Ah!, Havia me esquecido, segue uma prova obtida por nossa expedição, filmada pelo meu filho André, de que os golfinhos rotadores de Fernando de Noronha realmente existem (Não é propaganda enganosa para chamar turistas!):

Valeu.

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