MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA - I

A PRIMEIRA E MAIOR METADE DA VIDA
       Quem é você? - É o primeiro questionamento didático formulado no curso para “aposentandos” (PPA) que a Prefeitura está ministrando para preparar o pessoal que está em vias de se aposentar, visando preparar-nos para a nossa “nova vida”. E as respostas de auto-definição dos “idosos alunos” sempre começam pela profissão ou cargo de cada um: eu sou engenheiro, arquiteto, professor...e trabalho em determinado lugar.
       As profissões e ofícios constituem universos específicos, com seus ambientes, linguagens, rotinas e personagens contextualizados no tempo e no espaço. No transcorrer das etapas da vida, é comum irmos mudando de profissão na busca de melhores salários e realização pessoal. Agora, com os meus cabelos brancos, quando estes períodos em que exercemos distintas profissões são relembrados à distância no tempo, parecem episódios de outras vidas que vivenciamos ao longo desta existência.
           Quem sou eu? – Já fui muitos e diferentes eus.
           No meu caso, o meu primeiro ofício foi o de gráfico, que durou dos meus treze aos dezoito anos, se bem me lembro. Comecei como ajudante geral da tipografia, uma espécie de Office-boy; depois passei a ser “impressor auxiliar”. O impressor de máquinas elétricas de operação manual era o cara que colocava com a mão direita e simultaneamente retirava com a mão esquerda folha por folha (de tamanho até duplo-ofício) de uma espécie de mandíbula de ferro que se abria e se fechava ininterruptamente, onde se imprimia como se fosse um gigantesco carimbo mecânico. Bastaria um vacilo do impressor, com relação ao tempo do ciclo de abre e fecha da mandíbula, para os dedos de suas mãos serem esmigalhados até a espessura de uma folha de papel.
         Só sei que passei por esta etapa e mantive todos os dedos intactos, inclusive do perigo maior que era a guilhotina elétrica, onde o impressor cortava as folhas de papel nos tamanhos desejados. Da minha experiência de auxiliar de impressor, evolui para impressor oficial de máquinas planas horizontais rotativas, que possibilitavam a impressão de folhas grandes tipo jornal, sem mais a ameaça das mandíbulas de ferro aos dedos do impressor.
            Mas nesta minha existência como gráfico não exerci apenas o ofício de impressor, aos poucos fui migrando para a profissão de tipógrafo. Tipógrafo era o cara que juntava, letra por letra, os tipos móveis feitos de metal (os mesmos de Gutenberg -1390/1468 - o inventor da impressa) e montava manualmente os textos das páginas para serem impressas, tais como cartões de visita, notas fiscais, folhetos de propaganda e pequenas revistas e jornais de entidades profissionais. Como tipógrafo não fiquei apenas como um amador, fui buscar especialização no curso profissionalizante do SENAI (onde o estudante ganhava metade de um salário mínimo ao longo de todo o ano, de uma empresa que o contratava e onde o estudante estagiava nas férias escolares: tenho carteira de trabalho de menor assinada por dois anos pela Livraria do Globo!), pois pretendia seguir carreira no parque gráfico e ascender ao mais bem pago ofício do ramo que era o de “linotipista”. Linotipista era o cara que fazia numa máquina sofisticada com teclado e caldeira, uma espécie extinta pré-histórica de computador da era do chumbo, o mesmo trabalho que o tipógrafo fazia manualmente, apenas que expelia frase por frase em linguetas de chumbo. Era uma máquina fantástica!
           Mas, antes de eu poder realizar o meu sonho profissional, veio o cataclisma evolutivo da impressão off-set que, praticamente, extinguiu com todos os ofícios dinossáuricos das gráficas; restando-me apenas a vaidade de ter sido em uma vida passada como o Machado de Assis: um tipógrafo.
         Na era seguinte, da eletro-eletrônica, naturalmente que reencarnei na minha adolescência direto no oficio de eletricista, buscando de imediato uma profissionalização na Escola Técnica Parobé. Esta foi uma vida de buscar entender como as coisas do mundo moderno funcionavam: do rádio à televisão, do telefone à geladeira e do automóvel ao avião.
          Andei perseguindo os elétrons pelas bobinas de fios dos transformadores e motores que movem a civilização para um progresso tecnológico que, na época, migrava do suporte eletro-mecânico para o eletrônico. De eletricista progredi para técnico em eletrônica, e continuei a perseguir, na era do silício, os elétrons que migravam dos circuitos valvulados para os transistorizados e, rapidamente, destes para os circuitos integrados e para o mundo pós-moderno dos chips.
          Ao mesmo tempo que compreendi os mecanismos digitais da modernidade, também compreendi que a aceleração avassaladora com que este universo se movia e se renovava era absolutamente incompatível com a essência contemplativa de minha alma. Não cometi nenhum suicídio, mas tratei de me transportar para uma outra vida em que eu me integrasse com mais harmonia.

        A minha vida seguinte como um jovem adulto, já num mundo de acelerados progressos tecnológicos e de grandes ameaças destrutivas do planeta, foi dedicada ao estudo e compreensão das entranhas da Terra. Busquei compreender geologicamente os seus sedimentos fósseis, sua ígnea formação magmática e suas metamorfoses através do estudo da exploração de suas jazidas minerais, ou seja, reencarnei como um aprendiz de mineiro, materializado como um aluno de Engenharia de Minas da UFRGS (assunto desenvolvido sob o título “EU & OS MINEIROS SOTERRADOS NO CHILE”, postado em outubro/2010 neste blog) .
        Após formado, já como adulto, aproveitei ao máximo o título de engenheiro para ganhar o sustento da vida trabalhando no DMAE por 35 anos com exploração de água, o que não deixa de ser um minério líquido aflorante a céu aberto na capital gaúcha.

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