MINHAS TANTAS VIDAS NESTA EXISTÊNCIA - II

A SEGUNDA E MENOR METADE DA VIDA
         Ah! Os 50 anos que me espreitavam logo ali adiante, atrás das placas de sinalização de quilometragem desta auto-estrada de altíssima velocidade em que escoamos nossas vidas, já ficou para trás. Seus grandes olhos, outrora ameaçadores, já não se parecem tão impiedosos e cruéis. Nem os cabelos estão tão brancos, nem a pele está tão enrugada e nem a energia está tão esgotada, como eu imaginava que estaria quando o visualizava de muito longe deste ponto da linha do tempo.
Naturalmente que  para um jovem adolescente o horizonte longínquo dos 50 anos já significaria a extrema velhice do fim da vida, principalmente naquela época, antes das academias de musculação, das cirurgias plásticas, dos silicones e dos jeans que unificaram as indumentárias e rejuvenesceram a aparência de todas as faixas etárias. Imagine o que significava esta barreira do tempo para a minha geração que teve a forte influência literária do livro O Lobo das Estepes, de Herman Hess, cujo personagem central se havia prometido  a libertação das mazelas desta vida através do suicídio quando chegasse aos 50 anos. Eu próprio reli este livro várias vezes, em diferentes décadas de minha vida, mas não pretendo relê-lo agora para não dar mole aos fantasmas do passado.
          Como eu ainda nem consegui resolver o que eu quero ser quando eu crescer, uma coisa é certa, ao invés de fazer uma simples adaptação tipo “o que eu quero ser quando envelhecer?”, no mínimo preciso reformular esta crucial questão para: afinal, quem sou eu? O que eu realmente preciso para ser feliz nesta vida? Ao invés de suicídio, estou planejando um renascimento para uma nova vida com  a vantagem de poder aproveitar este corpo, esta vivência e esta identidade de Celso, sem precisar reaprender todo o básico de novo, desde o be-a-bá, em outra encarnação. Mesmo assim é preciso agir rápido, pois esta segunda metade da vida é geralmente menor que a primeira, pois poucos conseguem chegar aos 100 anos!
           Quem sou eu? Eis a questão! Como eu sou, como os outros me vêem e como eu gostaria de ser? Até então tenho sido um personagem mais Kafkiano do que Shakespeariano, me debatendo pela sobrevivência entre os pilares urbanos de uma sociedade medíocre, oferecendo a mais valia do meu tempo em troca de comida, diversão e arte. Mas será que, para quem sou eu, isto é felicidade? Após quase meio século de convivência íntima comigo mesmo (nem tão íntima assim), ainda não posso afirmar peremptoriamente que sei quem sou eu, mas algumas necessidades básicas minhas eu já posso enumerar com convicção. Não são muitas, mas estas poucas já definem algumas características peculiares da minha individualidade.

           Por ser uma “consciência solitária no universo”, tenho prescindido  de interagir mais profundamente com as pessoas em geral, tem me bastado ter uma interação com uma pessoa que me beije a boca, faça sexo comigo e que seja interlocutora inteligente e crítica para longas conversas. Pareço ser uma Consciência simples e modesta? É, mas o beijo e o sexo do qual preciso não são nada simples nem modestos, pois eles precisam preencher todo o éter da solidão partilhada a dois, no silêncio que há entre as longas conversas que também não são nada simples e nem sempre  tão amigáveis. E o amor? Também neste campo tenho algumas pistas recolhidas pelo caminho, pois a vida tem me propiciado a experiência do amor incondicional, esta relação umbilical com os filhos, em contra-posição ao amor conjugal que é extremamente condicionado e até conjuntural, conforme pude perceber  nos três casamentos que já tive até o momento. Se ontem fomos almas gêmeas,  hoje  podemos ser dois estranhos, quiçá, inimigos...
Ao entrar na segunda metade da minha existência, num tempo em que a humanidade toda estava se interligando pela rede de internet através da informática e a automação estava substituindo a mão de obra humana nas fábricas e escritórios, o meu espírito assustado quis compreender melhor o pensamento humano e, para tanto, conduziu a minha existência seguinte à de engenheiro para o outro extremo,  me levou a estudar filosofia por dez anos. Queria saber o porque pensamos o que pensamos sobre as coisas; saber o que é o pensamento, o que é o eu que pensa e o que é o corpo que contém o eu que pensa.... Haja Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel, Nietzsche, Wittgenstein, Sartre e tantos outros para me fazerem compreender com serenidade as perspectivas possíveis de compreensão do sentido da vida e do desespero humano diante da morte.
Quem sou eu hoje? Sou este ser composto pela experiência acumulada de todas estas existências anteriores, que já foi tantos outros “eus”, mas que mantém o fascínio  e a persistência de continuar construindo a sua identidade e cada vez mais revelando as habilidades e as preferências naturais do seu verdadeiro eu (se é que haja algum eu definitivo e permanente). Hoje como aluno do Curso de Letras, trago a expectativa de que a Literatura possa vir a ser a minha última existência, a que me possibilitará  um estágio prático no Paraíso Ficcional das Idéias, de simuladas de inspirações divinas vivenciadas aqui mesmo na Terra. Caso contrário, se não for na literatura o último estágio de evolução do meu eu, por quantas vidas mais terei que perambular para assumir outras existências? Quantos outros “eus” terei ainda que ser?...
           Quem sou eu? – Um aposentaNdo que vive a expectativa de a partir de meados de 2011 ter tempo disponível para finalmente se dedicar ao que, mal ou bem, sempre fez ao longo de todas as suas existências: ler e escrever!
         Quem serei eu nos próximos anos? Serei um aposentado (ex-engenheiro) estudante de letras.

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