O ARMANDINHO DENTISTA

           Hoje, parece que abriram os portões de todos os asilos de velhinhos, pois não parou de aparecer ex-colegas no Caminho dos Aposentados. Primeiro visualizamos o Olírio Liquinho passando pela calçada, abrimos a janela e gritamos para ele entrar, ao que respondeu lacônico:
- Não, se não vamos começar a relembrar e a ficar tristes! – E seguiu rumo ao Gabinete Médico.
          Depois usamos o mesmo expediente para o Nelson Schunck (pai do colega César Amarelinho) que entrou voluntarioso e nos contou detalhes da sua rotina de cuidar da esposa doente. Diz que começa suas atividades cedinho da manhã e fica envolvido com todas as lidas da casa, inclusive a feitura da comida, o dia todo. Não tem tempo pra nada!
         Em seguida apareceu o Gazo, um boa vida super bem conservado e humorado. Como eu, ele também é um homem casado que vive em casa separada da mulher (cinquentona como a minha); mas estranhamente para mim, porém, diz ele que nem viajam juntos!...
        Ao mesmo tempo apareceu o aposentado Mezari, pedindo para fazermos uma cópia da sua receita médica na nossa impressora multifuncional. Na verdade ele nunca foi dos quadros da manutenção, mas sempre jogou no time da EME (antigo nome da DVM), onde formou uma linha de zaga histórica com o Paulo Chatinho e o Juarez Lagartixa. Provocado, o Mezari lembrou a escalação completa do time, desde o goleiro Haroldo (o pai da miss Deise) até o centroavante Olírio.
          Por último, apareceu o Armando Severo, vulgo Armandinho Dentista, que estava desaparecido há mais de quinze anos. Ele era um cara popular no meio operário, especialmente pela camaradagem com que desenvolvia o seu trabalho; até que começamos a puxá-lo para participar da militância sindical, que na época estava em plena ascensão e efervescência.
         Nesta época, nos anos 80, ainda prevalecia a unidade sindical, independente das ideologias partidárias. O Armandinho era uma figura vinculada com o então prefeito João Dib do PDS, nomeado pela ditadura, mas que naquele período de transição da abertura democrática no país acabou se envolvendo em várias epopéias sindicais junto conosco, as emergentes forças da esquerda pmdebistas, pedetistas e petistas.
Juntamente com o Joel Emer, o Ivo Deboita, a Fátima Silvello e eu, o Armandinho participou da composição de uma chapa para ASDMAE, tendo ele como candidato a presidente. O nosso propósito na época era romper com o assistencialismo da entidade, que era presidida há décadas pelo hoje saudoso Seu Pinheiro, e transformar a associação numa organização combativa e engajada no movimento de sindicalização dos servidores públicos, que até então era proibido pelo regime autoritário.
        Ganhamos a eleição e, com uma administração austera do Joel como tesoureiro, passamos a desenvolver uma nova dinâmica de mobilização dos servidores do Dmae em prol do movimento pré-sindical de constituição da AMPA (Associação dos Municipários de Porto Alegre) que mais tarde, fortalecida, se auto-converteria no SIMPA.
        Todavia, conforme a democratização avançava, a conjutura ia modificando a correlação de forças no movimento dos servidores. Com a eleição do Prefeito Collares e a ascensão do PDT ao governo, os quadros militantes do partido naturalmente foram guindados para cargos da administração do DMAE, e o Armandinho foi ficando meio sozinho na ASDMAE, uma vez que eu estava assumindo como presidente da AMPA (antes dela se transformar no SIMPA), devido ter havido vacância do cargo (O presidente Rigotti foi ocupar um cargo no governo do Estado com o Pedro Simon).

        Só hoje pude reconstituir esta passagem do final do mandato do Armandinho na ASDMAE, tamanha era a loucura da minha entrega pessoal ao movimento naquela época. Pois agora ele nos contou que havia sido convencido a se filiar no PDT e posteriormente a se candidatar a vereador pelo partido. Porém, como mais adiante o ex-Diretor Geral Petersen resolveu também se candidatar ao cargo de vereador, aos poucos o Armandinho foi sendo coagido a recuar da sua candidatura, de tal forma que foi convidado a sair do DMAE para deixar o campo livre. Foi quando, repentinamente, ficamos sabendo que o Armandinho tinha sido transferido para o DMLU.

       Com o final do mandato do Armandinho, começou a desgraça da ASDMAE a partir da ascensão democrática de um operário corrupto ao poder, um tal de Arildo. O cara roubou o que deu tão escancaradamente que teve que pedir demissão e sair fugido do DMAE. Diz o Armandinho que o Arildo foi visto como carroceiro posteriormente. Depois disso, a associação dos servidores do Dmae vem minguando de mão e mão, cada vez mais depauperada...

        Tem males que vêm pra bem, diz o dentista, posto que no DMLU passou a trabalhar meio turno apenas e, assim, pode desenvolver o seu consultório particular que, após a sua aposentadoria, tem sido a sua ocupação principal com grande clientela. Como empreendedor nato, também desenvolveu duas casas de geriatria na Cidade Baixa e, aos 68 anos de idade, o baixinho está muito bem de vida, graças à Deus!
        Curioso, citei o caso da mulher do vice-presidente da Dilma, o Temer que acabou de assumir o cargo aos 70 anos de idade exibindo sua jovem mulher ex-miss de 28 anos (a Carla Bruni tupiniquim!), e perguntei brincando se ele estava na mesma onda:
- Quase, a minha mulher tem 33 anos.
- Valeu Armandinho!

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