O guia turístico do receptivo no aeroporto de Maceió pela CVC, empresa que praticamente monopoliza o turismo brasileiro, fazia um tipo “sério & competente”, era o Allan, que nos arrebanhou com outros turistas que vínhamos por pacote, mas não em vôo fretado. O cara nos informou dos procedimentos, enquanto nos conduzia aos respectivos hotéis, para o citytur pela cidade seguido de um passeio à Praia do Francês, onde passaríamos a tarde e onde poderíamos contratar os demais passeios oferecidos pela empresa e que não estavam incluídos no pacote. Acabamos contratando todos os passeios, para aproveitar ao máximo a nossa estadia por lá.
O segundo guia turístico a nos acompanhar foi o Jânio... Sem Quadros (como ele próprio se apresentava, decerto de tanto ouvir o trocadilho infame que eu mesmo já estava pronto para complementar nas reticências), que nos conduziu à Praia de Paripueira. O cara fazia o típico nordestino “he-he-he eu vivo rindo à toa”, e fazia comédia disso com talento dramático. Foi ele quem nos anunciou que durante a noite os guias encenavam uma peça teatral (como um biscate para ganharem uns trocados além do explorado salário que recebem da CVC) ambientada nos últimos dias de Lampião e Maria Bonita, que já está em cartaz há seis anos e conta com a participação do personagem “Nega Maluca”, que já atuou no programa de humor A praça é Nossa, do SBT. Assistimos a tal peça, mas numa sessão extra aberta naquela noite, pois os ingressos já estavam esgotados desde a véspera. Podemos, então, ver a força de propaganda que estes guias possuem com os seus microfones nas mãos sobre os sonolentos passageiros confinados em seus ônibus, todos sedentos de diversão.
O terceiro guia a nos orientar ao nosso passeio à paradisíaca Praia do Gunga, onde como bons turistas comemos uma lagosta e passeamos de “bugre” até as Falésias, foi o Antônio – O lindo (como ele mesmo repetidamente se referia a si próprio). Ao contrário dos outros que tinham a maior cara e cabeção de nordestino, este era um negrinho de cabeça fininha e cheio de frases de bordões que, de início, doíam no ouvido de todos, mas depois fomos nos acostumando até sermos cativados pelo tipo. Os bordões mais característicos eram: Jóia? - Bacano? (isso mesmo, o cara dizia bacano e não bacana!). Foi ele quem nos informou que a Praia do Gunga era uma área particular, cujo dono mantinha na região a maior plantação de coco do Estado de Alagoas. O tal dono do mundo, é um usineiro e ex-prefeito da cidade na qual a atual prefeita é a sua esposa, e que nas cidades vizinhas da região da Barra de São Miguel, suas filhas são prefeitas. A família mantém um curral eleitoral em toda a região sul do Estado, sendo um dos homens mais poderosos e também um dos mais temidos pelos alagoanos. Os guias turísticos fazem a descrição sociológica da região, mas se omitem deliberadamente de emitir o nome do cabra da peste. Ironizam que a extensão de propriedade do Cabra Safado, um tal de Sr. Jatobá, nome este que descobri numa faixa de agradecimento dos comerciantes da Praia do Ginga (vide foto), faz parte de heranças das Capitanias Hereditárias que se mantiveram na família...Mas pela internet descobri que o coronel usineiro, de nome Nivaldo Jatobá, é processado por crimes, ameaças de morte e por posses ilegais das terras da Praia do Gunga por usucapião fraudulento, que após décadas de trâmites na justiça, foi recentemente condenado a indenizar a família que é a verdadeira proprietária que, por ameaças dos capangas do Jatobá, teve que abandonar Alagoas.
O quarto guia turístico foi o João Alberto, que nos levou para conhecer a Praia de Marogogi, que fica no extremo-norte do Estado, a cerca de 140km de Maceió. Aguardada como o “top-do-veraneio” e se confirmou, algo como a Fernando de Noronha de Alagoas, com direito a passeio de barco, a ver com snorkel peixinhos coloridos e a banho na piscina natural da Praia da Bruna Lombardi. Em Marogogi encontramos um casal de colegas, Aloma e Darci, como nós e tantos-e-tantos outros formados no casamenteiro DMAE.
Na viajem, saímos da BR101 do litoral, e adentramos no sertão alagoano, viajando o tempo todo entre os canaviais, na monotonia da monocultura de cana-de-açucar sobre qualquer relevo: morro acima, nas planícies e nos vales. - Quando recomeçar a aparecer coqueiros, é porque estamos retornando ao litoral, anunciava o guia. Neste caminho do norte do Estado encontramos um acampamento de Sem-Terras que havia recentemente sido incendiado por jagunços de latifundiários da região. O atear fogo clandestinamente na calada da noite em acampamentos de Sem-Terra é uma política usual pela região, mas ainda assim considerada como pouco eficaz pelos usineiros do sul do Estado, como o Sr. Jatobá.
O guia que nos levou até a praia de Dunas da Marapé foi o mesmo João Alberto. No caminho ele comentou que as terras que veríamos a partir da cidade de Marechal Teodoro eram todas de um único dono, que viajaríamos dezenas de kilômetros apreciando as propriedades do homem. Indaguei o nome do cabra, ironicamente o guia dissimulou dizendo que não lembrava...Pois como eu já sabia, conforme constatei na internet perguntando ao Tio Google, o dono da metade sul de Alagoas é o mesmo cabra safado Nivaldo Jatobá. O que mais me impressionou é que nas terras do danado não tem nenhuma cerca nem casas, só cana-de-açúcar. Também pudera, pois comentam os guias de que nesta região não tem Sem-Terras; todos os sem-terras que por aqui se aventuram logo ganham o seu pedacinho de terra por cima, são plantados à sete palmos da “terra que queriam ver dividida’.
Em Dunas de Marapé não tem duna nenhuma, mas em compensação tem mangue. Este é outro passeio que não é divulgado nos microfones dos ônibus da CVC, mas foi uma experiência marcante pegar um barco e ir pelo rio Jequiá adentro até os manguezais. Penetrar no mangue, atolando até o joelho, infiltrar-se entre as tramas de galhos e raízes das plantas aquáticas e, desafiados pelo barqueiro nativo da região, ver colegas turistas enfiar o braço até o ombro na toca dos caranguejos e trazer o “Toni-Ramos” (caranguejo peludo) a unha como um troféu, foi como uma expedição para conhecer um pouco da vida dos brasileiros, valeu. O quinto guia, do qual nem lembramos o nome, foi o único que cometeu uma falha técnica na execução do seu trabalho de nos conduzir à Foz do Rio São Francisco. Como de costume, madrugamos para viajarmos até o extremo-sul alagoano, localizado a cerca de 140km da capital, e o guia aceitou colocar a rodar um filme no DVD nos telões de plasma do ônibus, a pedido de um dos turistas, sem consultar se a maioria estava disposta a assistir o Lobisomem não sei das quantas...A custo de muita meditação budista consegui não assistir a nenhuma cena do chatíssimo filme, mantendo o olhar firme pela janela, mas não pude escapar da torturante trilha sonora e dos diálogos por cerca de duas horas me tentando pelos ouvidos. Foi uma provação: bem diz o Dalai Lama que as situações adversas (e os inimigos) são nossos grandes mestres!
A grande emoção foi mesmo o banho no Velho Chico. Viajamos numa escuna por 13 km naquele lendário rio, desde a cidadezinha de Piaçabuçu até o seu encontro silencioso com o mar, chamado pelos nativos de “perereca”, por não ser ruidoso como o de uma “pororoca”. Através das únicas dunas móveis remanescentes do litoral alagoano chegamos ao banho de batismo nas águas do grande rio, com 2.800km de extensão, que nasce nas altitudes de Minas Gerais, atravessa a Bahia e passa por Pernambuco e Sergipe até se espraiar ali na foz, onde como canta Luiz Gonzaga: “O rio São Francisco vai dar no fundo do mar”.
No retorno, aperreada por mim, uma jovem nativa de Piaçabuçu, a Moniqueli, que faz orientação histórico-turística como “voluntária” (mão de obra explorada pela CVC que ao final do seu excelente trabalho passa um chapéu aceitando doações), abordou a problemática do mega projeto de “Transposição do Rio São Francisco”, que consiste em desviar parte de seu fluxo para levar água, em tese, para as regiões de seca do nordeste brasileiro. A polêmica se deve ao fato de ser uma obra cara e que abrange somente 5% do território e 0,3% da população do semi-árido brasileiro, e também que se a transposição for concretizada afetará intensamente o ecossistema ao redor de todo o rio São Francisco. A menina informou que antigamente o Velho Chico tinha força para invadir 6 km mar a dentro, hoje já é o mar que invade 11 km rio a dentro, tornando sua água saloba e causando mudanças drásticas na fauna e flora da região. Com a redução do fluxo de água provocada pela transposição, que na verdade vai beneficiar mesmo são os latifundiários nordestinos, já que grande parte do projeto passa por terras dos grandes fazendeiros do Ceará, RGNorte e Paraíba (70% para irrigação, 26% para uso industrial e 4% para população), as populações ribeirinhas como a de Piaçubuçu vão sofrer um impacto que só vai poder ser realmente dimensionado depois que a merda toda do “Lula-Ciro Gomes & CIA” já estiver feita e faturada!
A emoção foi tanta que até compus poema alusivo ao passeio:
O VELHO CHICO
O rio São Francisco visto da beira
Das dunas de areia do deserto de sua foz
Parece ser um rio comum na cheia
Pois nem se ouve na pororoca a sua voz
O Velho Chico, visto de dentro de suas águas
Impõe respeito por se revelar profundo
E por separar Estados como mundos
Em suas margens de nordestinas praias
Mas o Grande São Francisco visto do alto
Sob nuvens pela pequena escotilha do avião
É que se expõe em sua imensa real dimensão
E nos emociona por nos surpreender de assalto
Serpenteando em meandros desde o limite do olhar
Por toda terra até a outra linha do horizonte no mar
Como um espelho d’água atravessando o planeta
Feito uma vertente que escoa como um rastro de cometa
E que tem por nascente pontual o céu de cima, no oeste
Até ser represado no Atlântico mar de baixo, ao leste.
Mas na manhã do último dia, no qual retornaríamos pra casa, ainda contatamos um guia avulso, o jangadeiro Roberto, para nos levar até as piscinas naturais da Praia de Pajuçara, que fica em frente ao hotel Sete Coqueiros, onde estávamos hospedados, mas que não está contemplado nos pacotes de passeios opcionais da CVC. Aliás, nenhuma praia propriamente de Maceió é promovida pela empresa operadora do turismo, pois sem haver o deslocamento não há como se obter o lucro pela infra-estrutura oferecida. A bem da verdade, é preciso que se diga, que há muita ocorrência de algas nestas praias, de sargaços nojentos que putrefatos ao sol fedem, os quais ocorrem em função da grande explosão demográfica do turismo e crescimento desenfreado de edifícios nas praias de Maceió, cujos esgotos acabam incrementando a proliferação de algas .
No passeio de jangada da Pajuçara, que é o mais tradicional de Maceió, levamos junto um casal de turistas santistas (de nascimento, mas corintianos de coração), César e Edna, que conhecemos nos passeios. Como estávamos numa semana de maré alta, madrugamos para pegar a maré baixa às 7h da manhã e, surpreendidos com a quantidade de peixinhos que vinham comer ração em nossas mãos, todos saímos convencidos de que este foi o melhor entre todos os passeios que realizamos. Pra ver como são as coisas...mas como é grande e bonito este nosso Brasil pra quem vive de férias! Especialmente quando se refere ao último gozo de férias com este gosto de ser um breve período de folga entre dois longos períodos de trabalho; pois as próximas férias terão um gosto de gozo de aposentadoria com um mês de antecedência.
Olá, parabéns pelos seus escritos e fotos. Alguns detalhes ajudam os viajantes a escolherem melhores opções. Abraço. Sergio - 19/04/16
ResponderExcluirBuenisimo blog! Es de gran ayuda para viajantes extranjeros que amamos el litoral brasilero.
ResponderExcluirGunga, belleza!(a pesar de Jatoba)
Saludos desde Paraguay.