A CIDADE, O DMAE E NÓS


      Nesta semana em que se comemora os 238 anos da cidade de Porto Alegre, chove informações do seu histórico em todas as mídias. Mas um detalhe que me chamou atenção é de que a Usina do Gasômetro, símbolo postal que remete aos “velhos tempos das carruagens”, foi desativada apenas agora em 1974. Desta informação sobre o “gasômetro” me veio uma dúvida: será que nós, os cinquentões, vivemos inconscientemente o funcionamento dos “lampiões de gás” inspiradores das marchinhas cantadas antigamente em nossa infância e juventude?...
      Percebi, pesquisando como um desvairado na internet, que reina uma confusão histórica entre o A Usina de Gás e a Usina de Eletricidade do Gasômetro, uma vez que ambas ficavam nessa região denominada de Gasômetro, que é o meu local favorito da cidade, por sua proximidade com o pôr-do-sol. Para agravar a confusão, nas minhas pesquisas descobri que em 1908, a Prefeitura inaugurou a Usina Municipal de Energia Elétrica e, como no DMAE todo o pessoal da área operacional se refere às estações de captação de água bruta tanto da hidráulica Moinhos de Vento quanto da São João, localizadas na Voluntários da Pátria, como o local denominado Usina, pensei que essa tal Usina Municipal pudesse ter sido ali.
      Qual nada, mas algumas questões consegui esclarecer. Primeiro que a Usina de Gás de Hidrogênio Carbonado, sito à Rua Washington Luiz (frente à Câmara de Vereadores, hoje utilizada pelo DEP no fabrico de tubos de cimento), foi inaugurada exatamente um século antes da data de desativação anunciada da Usina, em 1874, e destinava-se à produção de gás para a iluminação pública do centro da cidade. A partir de então os lampiões das ruas centrais deixaram de queimar óleo de baleia e passaram a usar o gás de hidrogênio produzido nas caldeiras aquecidas por combustão de carvão na Usina. Nesta época a iluminação residencial passou a ser feita com lampiões de querosene.
     A partir de 1887 a Companhia Fiat Lux iniciou timidamente o fornecimento de energia elétrica para uso residencial e, em 1908, a Prefeitura inaugurou a tal Usina Municipal de Energia Elétrica. Mas a iluminação do centro histórico continuava sendo pelo sistema do gasômetro.
     Em 1928 a Cia Energia Elétrica Riograndense (CEERG) - subsidiária da multinacional americana Eletric Bond and Share que geriu a eletricidade e o transporte elétrico de Porto Alegre até 1954 - assume o monopólio do setor de produção e distribuição de energia elétrica e a gás na capital, substituindo as usinas Cia Fiat Lux, Cia Força e Luz Porto-Alegrense e a Usina Municipal. Segundo o contrato, a nova Companhia deveria manter em funcionamento aquelas três usinas e construir uma nova termoelétrica.

     A Usina Termelétrica do Gasômetro foi, então, inaugurada no dia 11 de novembro de 1928, na então chamada Praia do Arsenal, produzindo energia com geradores movidos pela queima de carvão vegetal. Somente em 1937 é que foi instalada a famosa chaminé (atual outdoor dos protestos mais significativos da cidadania portoalegrense), devido às reclamações da população de antigamente contra a fuligem e cinzas lançadas pela Usina. O complexo arquitetônico recebeu esta denominação de Usina do Gasômetro devido à proximidade com a antiga Usina de Gás de Hidrogênio Carbonado (O Gasômetro) que fornecia gás destinado à iluminação pública e abastecimento de fogões.
     A nova Usina do Gasômetro forneceu energia elétrica à base de carvão mineral para Porto Alegre de 1928 a 1974, quando foi desativada. Esta usina é que foi desativada em 1974, e não a de gás! Sua importância histórica é inegável, sendo palco da industrialização ainda incipiente no Brasil. Após algumas tentativas de demolição, que foram evitadas graças à reação da sociedade civil, em 1982 a Eletrobrás transfere para o município o uso do terreno da Ponta do Gasômetro. Neste mesmo ano, o governo estadual tomba a chaminé e, em 1983, o governo municipal tomba o prédio.
     Assim, uma coisa é certa, eu usufrui da energia elétrica gerada pelo Usina Termoelétrica do Gasômetro até a minha adolescência.


     Outra questão que consegui esclarecer foi sobre a denominação de Usina das EBABs do DMAE na Voluntários da Pátria, e não foi através da internet , foi com uma testemunha ocular e colega de sala, a Engª Catarina, que chegou a trabalhar com os grupos motor-bombas movidos a vapor instalados naquele local. O vapor era gerado por caldeiras aquecidas através da queima de lenha, denominada Usina de Vapor. Ainda hoje consta na fachada do prédio original (atual Gráfica e Conservação) os dizeres em concreto: USINA DE RECALQUE (prédio que também deveria ser tombado e restaurado pela sua importância histórica para o DMAE).
     As questões para as quais não localizei nenhuma resposta simples e objetiva ficam colocadas para que os blogueiros respondam como comentários: -Em que ano a Usina de Gás cessou suas atividades e os lampiões de gás da iluminação pública do centro histórico portoalegrense foram desativados? – Onde ficava localizada a Usina Municipal de Energia Elétrica?...


     Esta intersecção temporal entre o meio comunitário e o ser humano remete para uma indagação numérica da cronologia histórica que envolve as nossas vidas, a do nosso município e a da empresa onde trabalhamos: Nós (incluídos nossos pais) estamos muito velhos ou Porto Alegre é bastante jovem? Calculando por baixo, cerca de 25% da existência da capital conta com a minha presença no seu senso demográfico, ainda que eu não seja filho natural e sim adotado pela cidade, como tantos outros que vieram nas levas de migrantes oriundos do êxodo rural dos “gaúchos a pé” nas décadas de 50 e 60.
    Em 1928 foi criada a Diretoria Geral de Saneamento (DGS) e a água passou a ser tratada. Em 1956, a DGS transforma-se em Secretaria Municipal de Água e Saneamento. No início da década de 60, o município faz empréstimo em dólares com BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para investimento em saneamento básico e, por exigência daquela instituição, a Secretaria Municipal de Água e Saneamento é transformada em Autarquia. Assim, o DMAE é fundado em dezembro de 1961.
     Moral da história, eu sou mais antigo do que o DMAE, pois eu fui fundado em 1954. Calculando por regra de três, como o DMAE fará 49 anos agora em 2010, eu que estou completando 34 anos de trabalho dmaeano, constato que cerca de 70% da existência da empresa contou com a minha modesta presença e contribuição.
     A propósito de antiguidades, em 2008 completou 100 anos da inauguração dos bondes elétricos em Porto Alegre. Até então, desde 1873, os bondes puxados a mula dominavam o transporte coletivo na cidade. Em 1906, as duas empresas de transporte de bonde (Carris de Ferro e Carris Urbanos) se unem e fundam a Companhia Força e Luz Porto-Alegrense (denominação que conservou por vinte anos antes de retornar a Cia Carris), responsável pelo transporte elétrico e o fornecimento de energia para a Capital. Em face de uma greve de empregados de bondes, que paralisou a empresa em 1952, o poder executivo foi autorizado a intervir. A partir daí, torna-se uma Empresa de economia mista, com 99% do município. Desde 1970, com a desativação dos bondes, a Cia Carris passou a atuar como concessionária de linhas de ônibus.
     Resumindo, na moral da história, somente agora percebo que até quatro antes de eu começar a trabalhar na Prefeitura (em 1974 na SMF) os bondes ainda circulavam pelas ruas portoalegrenses e eu dentro ou denpendurado neles. Lembro que na minha velha infância, com menos de dez anos de idade, foi com os bondes que ganhei autonomia de circular sozinho pela cidade...



     A grande conclusão inevitável a se chegar é que tudo é muito recente, a cidade é uma jovem e o DMAE é um garotão, mas vamos combinar que nós, os pós-cinquentões, com toda a tecnologia incorporada neste meio século vivido, estamos com o couro curtido da história da cidade e da empresa. Estamos feito espécies empalhadas vivas num museu interativo de reality-show vivido no “diário de obra” de cada um, mas ainda não postado por todos para ser espiado pelo “Big Blog” global da internet, como eu o estou fazendo agora, como um testamento de final de carreira.

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