ENTREVISTANDO UM APOSENTADO


From:  Gabriela Werlang
Subject: PESQUISA ACADÊMICA

Boa tarde Celso,
Sou formanda do curso de Gestão de Recursos Humanos - Unisinos 2013/2. Meu trabalho de conclusão é sobre Programas de Preparação para a Aposentadoria, é muito importante para minha pesquisa fazer entrevistas com pessoas que estejam participando ou que já tenham participado de PPA. A Tanise, da prefeitura está me ajudando com os contatos, mas no seu caso foi o Jair Staruk que indicou seu nome.
 Como resido em Salvador do Sul, com os demais entrevistados combinei de mandar as perguntas por e-mail e quando respondidas, caso eu fique com alguma dúvida, entro em contato por telefone. Gostaria de saber se você aceita responder, é bem rápido! Estou enviando as perguntas, se quiser responder e me enviar...

De: celso lima
Para: Gabriela Werlang
Gabriela, estou enviando em anexo as respostas às perguntas formuladas em tua entrevista, juntamente com uma planilha das minhas "100 Coisas para Fazer na Aposentadoria". Como verás, todas estas questões  e muitas outras eu venho desenvolvendo no meu blog "Diário de Um AposentaNdo", portanto nas respostas procedi colagens de trechos das postagens do blog. Espero que as respostas ajudem no teu trabalho. Continuo à disposição no que puder ajudar. Valeu, e aproveito para postar um resumo das respostas sobre o tema do PPA como um remake no meu blog:
O que você entende por aposentadoria?

           Cada ex-colega que encontro na rua vem sempre com a mesma pergunta:  O que estás fazendo com o tempo?!? Falam exclamativamente como quem diz: Como estás conseguindo ser o tempo todo o senhor do teu tempo, sem ter um esconderijo onde bater o ponto e se esconder para deixar que o tempo da tua vida escoe por oito horas diárias, com um breve intervalo para o almoço, de segunda à sexta-feira?!?... Ui, que medo que se criou do tempo disponível na aposentadoria!
          Respondo pacientemente da mesma maneira a todos, que é uma deliciosa sensação de liberdade não precisar mais se adiar e agora ter que decidir a cada momento o que fazer com o seu tempo. Estar aposentado implica numa mudança de ritmo e de estilo de vida, em não ficar mais no superficial que a pressa exigia, sempre deixando para fazer e aprofundar as coisas depois, mais adiante, um dia, quem sabe quando...
         Contudo, sinto que há falta de concretude nesta minha descrição de como é a vida pós-aposentadoria. Agora é que o blog pode vir a ser realmente útil para os novos “aposentaNdos”, mostrando que há vida e como é ela além do horizonte do cartão ponto. No fundo, o que as pessoas realmente estão interessadas é saber como se faz para desmistificar este mito da “figura do aposentado de pijama sentado em frente à televisão e enchendo o saco da família com sua inutilidade”...Para responder o que entendo por aposentadoria, terei que mostrar mais do que simplesmente descrever com adjetivações a vida de um aposentaNdo, que seja com N maiúsculo!...
Conte um pouco sobre o momento em que percebeu que a aposentadoria estava próxima. Como se sentiu?
         Pela lei anterior às sucessivas reformas da previdência eu me aposentaria aos 52 anos de idade. Sou engenheiro, e quando resolvi voltar a conquistar uma vaga na UFRGS em 2003, o meu plano era de que estaria  cursando filosofia ao me aposentar e, portanto, estaria devidamente ocupado, espantando de antemão o fantasma da síndrome do tédio. Na época eu estava com 49 anos e pretendia me aposentar aos 53 anos, já pagando o pedágio de 1 ano e cumprindo a idade mínima de 53 anos exigida pelas reformas da previdência do presidente FHC.
        Por isso, em 2010, novamente às vésperas de me aposentar (se nenhuma outra Reforma da Previdência ocorresse depois da realizada pelo presidente Lula, que ampliou minha sentença de trabalhos forçados até aos 56 anos de idade!), e de também estar às vésperas de ser jubilado da UFRGS por decurso de prazo de validade do vestibular, vale dizer, ser excluído como aluno de filosofia sendo compulsoriamente defenestrado, resolvi aproveitar para tentar re-editar o plano de anti-tédio da aposentadoria, apenas que  buscando então uma nova vaga na UFRGS no curso de Letras-Espanhol.
         Talvez o pulo do gato da tranquilidade em que se processou a minha transição para a tribo dos chamados “inativos” tenha sido o fato de eu ter iniciado um ano antes, com este blog, o meu processo de luto e despedida prévia das rotinas e colegas servidores do Dmae e da PMPA. Quando chegou o momento eu já estava leve e solto das amarras para voar pela nova vida, livre da tortura do relógio ponto que eu batia sempre no limite da tolerância do vermelho no cartão...
        Com a aposentadoria próxima se é um aposentando. Ser um aposentando é viver cada dia como se fosse o último, e andar prestando atenção em cada detalhe da mesma trajetória tantas vezes repetida distraidamente. É bom prestar atenção pra não ser contagiado pelo saudosismo melancólico depois, quando já não estivermos mais revivendo esta rotina, ocasião em que ela poderá parecer fantasiosamente mais atraente por pura nostalgia.
O que você pensa sobre sua aposentadoria? Você possui planos para o futuro? Quais?
No transcorrer do ‘Programa de Preparação para Aposentadoria (PPA), durante a palestra de uma psicóloga sobre “Pós-Carreira”, o colega Jair Staruck do DMAE revelou para o grupo que pretendia se ocupar com trabalhos de marcenaria, que há tempos vem montando uma oficina bem equipada em casa. Nós, o Jair e eu, descobrimos que fomos hippies artesões pioneiros da Praça Dom Feliciano no mesmo período, no início dos anos 70, e íamos nos aposentar juntos como dois roliços barnabés, quem diria?
A propósito da pergunta, comento a última atividade letiva do curso PPA, que foi a entrevista de dois aposentados (coincidentemente ambos ex-funcionários do DMAE), muito bem conduzida pela Cida, colega jornalista que também é do DMAE. Na ocasião, antes mesmo de iniciar oficialmente a entrevista, estive conversando com os três e ironizei que eu queria que, tudo bem, um dos entrevistados fosse do tipo empreendedor que estava desenvolvendo outra atividade na pós-aposentadoria (ou seja, que continuou correndo atrás de dinheiro); mas que o outro entrevistado representasse ao tipo oposto, que correspondesse ao perfil do aposentado que usa o seu tempo livremente para atividades lúdicas, culturais e afetivas. Considero que ambos podem constituir modelos de aposentados felizes, ou será que não existe ninguém deste segundo modelo que seja feliz?...Meu plano para o futuro é fazer só o que eu gosto e ser feliz!
 Como você recebeu o convite para participar do Programa de Preparação para Aposentadoria da empresa onde trabalha/trabalhou?
         A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, cujas estimativas é de que nos próximos anos se aposentem cerca de mil funcionários por ano, está promovendo uma espécie de curso preparatório para os seus aposentandos. É o denominado ‘Programa de Preparação para Aposentadoria (PPA), o qual eu  cursei em 2010. A divulgação é feita por emails corporativos enviados aos funcionários em geral.
       Como fechamento conclusivo de sua palestra no PPA, o psicólogo Regis Caputo Krug (que vai criar cavalos de raça quando se aposentar da PMPA) ressaltou que a tendência de um aposentado que não tem projetos de atividades criativas em coisas que gosta muito de fazer é de adquirir invisibilidade  no meio familiar e social. Invisibilidade é quando ninguém mais presta atenção e nem sequer respondem aos seus pedidos, quando vira um móvel da casa ou uma mala sem alça e sem rodinha.  A internet e a própria correria da vida moderna tem agravado  a invisibilidade entre pais e filhos e multiplicado a invisibilidade entre netos e avós vivendo dentro de uma mesma casa. Reafirmou o palestrante que a identidade de uma pessoa é “fazer” trabalhos, mas do aposentado é não mais fazer por obrigação e sim por prazer; caso contrário há desistência, irritabilidade e depressão. Estudos mostram que um homem aposentado que não se interessa por fazer nada com gosto e brilho nos olhos, fica invisível, cai no alcoolismo (ingerindo bebidas alcoólicas “socialmente” até sete dias por semana) e morre em quatro anos!... Como eu estava com brilho nos olhos para me aposentar, tratei logo de me inscrever no PPA para melhor me preparar antes de dar este importante passo para uma nova fase da vida.


O que significa qualidade de vida para você? Você julga ter qualidade de vida atualmente?
O cerne da questão para se viver bem como aposentado é responder a uma única questão que permeia esta pergunta: O que fazer com o tempo livre, para não cair no tédio e na depressão, para se ter qualidade de vida? Recém completei dois anos consecutivos de liberdade incondicional. É cedo ainda para se ter domínio de como vai funcionar a longo prazo, se em algum momento vai surgir o tal monstro do fundo do lago do tédio para me amedrontar, como quase todo mundo acredita que, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer!...Penso que o medo da vida a ser vivida só acontece com quem teve medo de viver a vida já vivida antes, que a viveu confinada nas rotinas coletivas sem garantir espaço para desenvolver sua individualidade e que perdeu de vista a criança que foi. Sou daqueles, como o Saramago, que diz: Quando me for deste mundo sairei de mão dada com a criança que fui.
Qualidade de vida é poder finalmente dormir as oito horas por noite ( recomendadas pela medicina para se ter boa saúde) e ainda curtir uma breve sesta após o almoço...e me dedicar de tempo integral à coisas e às pessoas que gosto. 


Conte um pouco sobre as atividades promovidas no PPA. Com qual você se identifica/identificou mais?
No Programa de Preparação da Aposentadoria (PPA), o qual freqüentei em 2010 antes de me aposentar e recomendo a todos, foram dadas muitas orientações, algumas óbvias para o pós-carreira, tais como: ler livros, viajar, ter uma religião, ter amigos de sua faixa etária, etc. Mas duas recomendações me chamaram a atenção: Escreva uma autobiografia e escreva uma lista de 100 coisas para fazer!
         A autobiografia eu já estava desenvolvendo através deste blog “Diário de Obra de Um Aposentando”; mas gostei muito da idéia da lista e passei a elaborar a minha própria “lista de 100 coisas para fazer quando estiver aposentado”. Apresentei a minha lista como um modelo prático para que os “aposentaNdos”, leitores do blog, se estimulem e desenvolvam as suas próprias listas.

A partir do seu ponto de vista, qual a importância para as pessoas em processo de aposentadoria participar de PPA?
Vale a pena? – À esta pergunta que outros colegas próximos da aposentadoria me fazem sobre o curso, respondo com os versos do poeta Fernando Pessoa: Tudo vale a pena quando a alma não é pequena!
Você percebeu reflexos em sua vida participando de PPA? O que mudou?
         Hoje, das 100 coisas da minha lista, 21% dos itens já estão realizados e 16% se encontram em andamento. Nada mal para o primeiro ano, sobretudo se considerarmos que a “Minha Viagem dos Sonhos para a Europa” foi realizada neste período, que era o projeto de maior custo financeiro da lista. E a melhor notícia é que, pelo andar da carruagem, esta minha lista vai levar mais alguns anos para ser inteiramente realizada e, melhor do que isso, é que a lista  tende a crescer com “Outras coisas para fazer na aposentadoria”... Este é um exercício interessante, pois diariamente surgem novos tópicos que se candidatam a entrar na lista  que estará sendo construída permanentemente, crescendo sempre para muito além das 100 coisas...

A partir de seu ponto de vista, como a promoção de PPA nas empresas, pode impactar na vida das pessoas?

O PPA pode impactar na vida das pessoas a partir de temas de “Aspectos Psicológicos da Aposentadoria”, como o de um psicólogo que iniciou a reunião promovendo a rodada de auto-apresentação, depois salientou as relações do trabalho com a identidade da cada um: eu sou engenheiro do DMAE, eu sou professora, eu sou arquiteto...Nós nos identificamos com aquilo que a gente faz. Se o “fazer” nos estrutura uma identidade, o ócio pode nos desconstituir. Ao nos aposentarmos, quem somos nós quando não somos mais o engenheiro do DMAE, a professora da SMED ou o arquiteto do Meio Ambiente?...Esta questão se coloca como um joelhaço, com um impacto psicanalítico do Analista de Bagé na cabeça de um aposentando despreparado. 


Você tem alguma consideração que julga relevante compartilhar sobre o seu processo de aposentadoria?

O projeto do livro “Diário de Um AposentaNdo do DMAE, contendo uma seleção de crônicas deste blog, é especialmente “relevante”  porque ele tem um público alvo certo e, conforme os milhares de acessos no blog, a abordagem e  as temáticas desenvolvidas estão agradando a este público. Talvez agrade por que estão sendo relembrados no blog muitos dos grandes momentos vividos por esta geração que está se aposentando agora, e a Prefeitura tem milhares de aposentaNdos.
Tenho convicção que o universo de assuntos que efetivamente envolvem este rito de passagem é muito mais amplo do que pode ser tratado no curso PPA e que, com o meu convívio com a problemática durante os últimos quatro anos, acabei conseguindo captar várias nuanças e questões de grande valia para os aposentaNdos com N maiúsculo, os conscientes do passo que estão daNdo. O fato é que temos um produto literário cultural de interesse dos municipários, temos a orientação técnica da SMC em publicação de livros e temos um ótimo esquema de distribuição no PPA e no Previmpa, mas nos falta os meios capitalistas de produção: Karl Marx tinha razão!
Assim, queimados todos os cartuchos e afundados todos os navios, só me restou seguir em frente fazendo arte alternativa e libertária aqui e agora, no espaço democrático e sem custo de produção do blog, veiculando o meu trabalho nesta ferramenta anarquista que é a internet..
  Para concluir esta entrevista com uma mensagem, acredito que tenho transcrito aqui neste blog uma boa nova aos aposentaNdos: Não há tempo ocioso na aposentadoria, pelo contrário, falta tempo. Tenho mostrado que os aposentados pós-modernos têm dois mundos para povoar: o cyberespaço da vida virtual da Internet no computador e o espaço mundano da vida real. Acreditem, falta tempo! 






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