NELSON RODRIGUES: O REACIONÁRIO INTELIGENTE

Outro dia fui chamado de “reacionário” por ter postado no Facebook um comentário sobre o recente Golpe de Estado no Paraguai, onde eu dizia que “todo impeachment no regime democrático resulta sempre sendo um golpe da maioria parlamentar, razão pela qual, em nome da governabilidade, até somos forçados a reconhecer como legítimas as alianças espúrias do PT com o  Sarney, Maluf , Collor & Etc.”.

O impeachment brasileiro nos pareceu ter mais razão de ser, ser mais  legítimo que o paraguaio, por que pelo menos tivemos o cuidado de cozinhar o Collor nos kafkianos ritos parlamentares. A receita do golpe latino americano é padrão: pega-se um fato qualquer, com maior ou menor gravidade (o que pouco importa) e joga-se na batedeira da mídia. Agita bem o fato até a massa crescer bastante, sem deixar abatumar, e está criado o clima de comoção popular para a maioria parlamentar do Congresso se delegar legitimidade para dar o golpe do impeachment. O problema é que o Paraguai falsificou o rito desta receita e, como o apressado come cru, acabou escancarando um afobado golpe relâmpago no poder.

Cá entre nós, não fosse a ampla maioria parlamentar cooptada pelo governo petista, na época do escândalo do Mensalão, certamente até o Presidente Lula, com todo o seu carisma e habilidade política, teria tido seu mandato cassado “democraticamente”. Destruir o mito do lulismo no nascedouro era o sonho dos “lacerdinhas”  (como costuma se referir o Juremir Machado à direita golpista, herdeira política de Carlos Lacerda), o que privaria o Lula de realizar os seus dois consagradores mandatos presidenciais exercidos após o episódio, quando conquistou a condição de “mito popular” e garantiu a sucessão do poder para o seu partido. Contudo, o fantasma do Mensalão voltou a assombrar e assanhar muita gente!...

Como já comentei aqui no blog, Julho é o mês do Festival de Inverno portoalegrense, momento dos aposentados  participarem de atividades cults. Por curiosidade de conhecer em ação o mais famoso professor da Faculdade de Letras da UFRGS, frenquentei o curso que o pop star Luis Augusto Fischer  ministrou em quatro manhãs, sobre o tema de sua tese de doutoramento, cujo título é “Inteligência com dor: O ensaísmo de Nelson Rodrigues”. O mestre já começou explicando como que ele, um intelectual de esquerda, chegou a escolher para tema de seu trabalho um reacionário que apoiou a ditadura militar, um inimigo político seu. Conta que após ler as crônicas pouco conhecidas do famoso dramaturgo, Fischer ficou fascinado, e concordou de imediato com a tese de que Nelson Rodrigues escreve ensaios, no que ele é muito bom, e que ele é o Montaigne nacional (o filósofo pai dos ensaios).

A propósito de ser reacionário, ninguém o foi de forma mais inteligentemente brilhante do que Nelson Rodrigues, com seus contundentes textos ensaístas. Foi um autor respeitado pela autenticidade de seus argumentos, inclusive pela nata da intelectualidade de esquerda em plena ditadura. Amigo e defensor de comunistas notórios, como o João Saldanha, o dramaturgo que não abordava política em suas peças, em sua coluna de jornal denunciava que “hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário”. Se declarava um "ex-covarde", achando maravilhoso poder dizer tudo sem o medo ridículo do patrulhamento ideológico das esquerdas intelectuais. O homem, cujo centenário é comemorado em 2012, foi o único intelectual reacionário assumido naqueles tempos de chumbo, mas nunca trapaceou com ninguém.


        O legal é  que através das aulas do Fischer, que justificou plenamente a sua fama de excelente professor,  fiquei sabendo que eu tinha em casa uma relíquia literária, “O Óbvio Ululante” de Nelson Rodrigues. Assim,  resgatei o empoeirado volume da minha biblioteca, um livro de crônicas que comprei e li quando tinha dezoito anos (em 1972, há quarenta anos atrás!). Tomei coragem e pedi um autógrafo do Fischer no livro do Nelson, foi como reconectar o elo entre o meu passado e o meu futuro, do jovem leitor com o atual quase idoso estudante do curso de Letras da UFRGS, além de agregar maior valor afetivo ao velho volume ressuscitado do mofo do esquecimento.
Não quero ser um reacionário quando envelhecer, mas também me considero um “ex-covarde”, dou a cara pra apanhar e provoco com ironias as patrulhas ideológicas de todos os lados. Sou um franco atirador.
          Com a feliz coincidência entre o livro antigo e o tema do curso, fiquei sabendo uma coisa importante, na verdade duas. Primeiro aprendi que existe (e no que consiste) o gênero de textos denominados “ensaios literários” e, sobretudo, descobri que desde a minha juventude este gênero é o que mais me agrada escrever.
         Bah, desconfio que acabo de escrever um ensaio: Nelson Rodrigues que se cuide!


2 comentários:

  1. A ditadura do “politicamente correto” é uma das discussões permeiam as redes sociais. Na minha modesta opinião, teu blog (que muitas vezes me deixa bastante incomodado) tem contribuído para boa parte das minhas reflexões . Estou num momento no meio de uma crise intelectual política, que me faz repensar alguns conceitos. Não só na política, mais na vida mesmo. Mas deixando a terapia virtual de lado, obra de Nelson Rodrigues é tão fascinante. Ele fazia a autópsia da alma, aliava personagens profundos, situações que escancaravam a hipocrisia social e uma linguagem escatológica. Quero agradecer ao Mestre Fischer e a Você meu tio , por relembrar o Anjo Pornográfico. Luciano

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  2. Realmente, Nélson Rodrigues sempre foi citado positivamente por aquele intelectualidade que circulou nos bares de Ipanema e adjacências como uma pessoa respeitável.
    Já dizia o cearense Belchior em uma de suas músicas:"eu não posso cantar/como convém/sem querer/ferir ninguém"
    Por isso, continue a emitir opiniões, mesmo com a discordância da grande massa "anônima e heterogênea" que segue o discurso dos meios de comunicação e das redes sociais.

    Abs.

    Ricardo Mainieri

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