GALOS DE ENCRUZILHADAS NO DMAE

Matar animais em sacrifícios religiosos vem de tempos mais remotos do que matar por entretenimento público nas arenas romanas, vem do Velho Testamento bíblico, desde quando Abraão ia sacrificar seu filho Isaac a pedido de Deus que, na última hora, diante de tamanha prova de fé insana, trocou o  sacrifício humano pelo de um cordeiro...

Em 2004, o então governador gaúcho Germano Rigotto,  aceitou e sancionou o projeto de lei que permite o sacrifício de animais em rituais dos cultos africanos. O projeto, proposto pelo então deputado Edson Portilho (PT), alterou o Código Estadual de Proteção aos Animais, estabelecendo que animais destinados à alimentação humana poderão ser sacrificados. Com isso, pelo menos seguiu vetado o abate de animais domésticos, como cães e gatos; também continuou proibido o sacrifício de espécies ameaçadas de extinção, animais silvestres e rituais com requintes de crueldade. O Governo entendeu que o objetivo da lei era resguardar a liberdade de credos e que a lei não é favorável à crueldade;  pretendia (quanta ingenuidade!) acabar com a polêmica entre defensores dos animais e religiosos de cultos africanos.
A Câmara de Vereadores de Porto Alegre também autorizou o sacrifício de animais em cultos de origem africana. Os vereadores aprovaram o projeto de lei complementar que alterou o Código Municipal de Limpeza Urbana que classificava como ato lesivo a deposição em locais públicos de animais mortos utilizados em cultos de religiões africanas e da umbanda. No texto do código municipal, o depósito de animais mortos ou partes deles em via pública previa multas para os infratores.
         O autor do projeto complementar, então vereador Guilherme Barbosa (PT e ex-Diretor Geral do Dmae), alegou que o texto do Código Municipal de Limpeza Urbana confrontava com a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (LOM), que determina liberdade para o funcionamento de cultos, igrejas e o exercício do direito de manifestação cultural coletiva. O vereador lembrou ainda que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a liberdade de consciência e de crença é inviolável e o livre exercício dos cultos religiosos é assegurado, assim como a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
         Há, porém, controvérsias sobre estes argumentos “teologicamente corretos”, uma vez que  prevalece em vários estados e cidades do Brasil a premissa da higiene e saúde publica nas vias urbanas, que restringem o exercício dessa liberdade de culto ao âmbito privado das seitas, em respeito à liberdade de ir e vir dos cidadãos sem terem que conviver com carniças em putrefação que tornam fedorentas e intransitáveis as encruzilhadas de algumas ruas da cidade.
Os funcionários do DMAE que trabalham nos prédios do bairro Santana conhecem bem o que é conviver com este problema de despachos na encruzilhada da Av. Princesa Isabel com a Rua Dr. Gastão Rhodes. Eu, que trabalhei na região por mais de trinta anos, no mínimo uma vez por mês presenciei velas acesas em oferendas  religiosas nesta esquina (em que eu passava quatro vezes por dia), geralmente contendo  animais sacrificados e bebidas alcoólicas, comidas e charutos e, naturalmente, muito fedor!
Certa vez eu assisti pessoalmente o  alto risco que a pessoa que estava fazendo a oferenda corria ao, não contente em colocar junto ao meio fio da calçada, como era costume, enfrentou o incessante fluxo de carros até conseguir colocar uma galinha e velas acessas bem no meio da pista de rodagem da Av. Princesa Isabel. É mole? Naturalmente que os carros passaram perigosamente por cima das velas acesas, sujeitos a incendiarem, até destruírem completamente com o despacho. Mas o pior foi que, de tantos os pneus dos veículos passarem por cima, o cadáver da galinha praticamente virou partículas de fósseis impregnados junto aos paralelepípedos da rua; e a região toda até o colégio São Francisco ficou tomada pelo fedor de carniça podre. Por muito tempo os funcionários do Dmae e as crianças do colégio tiveram que suportar as conseqüências prejudiciais à  saúde publica do exercício de liberdade de culto daquele único cidadão!
Assim como a fé move montanhas, ela também faz as pessoas cometerem loucuras, provocando tanto guerras religiosas como casos pitorescos, como o de um certo despacho em que o sujeito colocou um galo vivo amarrado como oferenda. Alguém se apiedou do bichano e o soltou no pátio do  jardim cercado em frente à Divisão de Água do Dmae.
A Magda, servidora do Dmae que trabalha numa sala com janela justamente para aquela esquina, que já tem cadastro no DMLU e talvez seja a maior solicitadora do serviço de “recolhimento de cadáveres de animais da via pública” de Porto Alegre, passou a levar milho pro galo, que se aquerenciou naquele território gradeado em que ficava protegido dos cães noturnos. Assim, vários outros funcionários simpatizaram com o galo solitário que até ganhou o nome de Romário e, por brincadeira de alguém,  andava  ciscando pelo jardim portando pendurado no pescoço um crachá de servidor do Dmae!
Romário, após viver dois meses naquele cercado, protegido como talismã do sobrevivente de corpo fechado, foi ficando audacioso dono do terreiro e começou a bicar as pessoas que invadiam o seu território. Por causa disso, lá pelas tantas, ele  foi doado por consenso para um dos funcionários que tinha um galinheiro em casa. Romário foi então viver no equivalente ao paraíso islâmico, onde tinha várias galinhas disponíveis para cobrir. Marrento, Romário abusou da sorte na vida boa e andou bicando o pai do seu dono, que era diabético e sofreu muito para curar os ferimentos do sobrevivente metido a galo de rinha.  Foi então que o Romário cumpriu sua sina de servir de oferenda, mas não foi para os deuses ou pais de santos e orixás. Sacrificado, o galo foi feito galinha pra panela e acabou servido ao molho pardo num almoço dominical aos mortais comuns da família.

Nenhum comentário:

Postar um comentário