Como eu havia prometido na postagem anterior sobre eleições de chefias, vou contar para vocês como um petista de bandeirinha foi levado a pedir a sua desfiliação partidária. Transcrevo a seguir um texto que escrevi no naquele traumático ano de 2003:
Apenas um ano depois das grandes comemorações da vitória eleitoral e da posse do Lula como Presidente do Brasil, do emocionante coroamento de uma geração que dedicou a sua melhor energia para a construção deste sonho (quase impossível) de fazer um partido dos trabalhadores tomar as rédeas do poder para corrigir o rumo do curso deste país, foi decretado pelo tribunal do Diretório Nacional do PT que o sonho acabou!
Nesta data, 14 de dezembro de 2003, ao serem expulsos do PT os deputados federais João Fontes (SE), Babá (PA) e Luciana Genro (RS), juntamente com a senadora Heloisa Helena (AL), indiretamente também ficaram expurgados do partido todos aqueles que, se pudessem votar na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, votariam contra a Reforma da Previdência, tal como ela foi encaminhada pelo executivo e aprovada pelas duas instâncias legislativas. Seria covardia nos omitirmos desta leitura dos fatos, fingirmos que não é conosco, que não temos nada a ver com isto e continuarmos sonhando.
Não há brasileiro politicamente consciente que não estivesse convencido de que são necessárias as reformas, na Previdência especialmente, mas qual reforma? De que forma democrática se construiria um consenso sobre os sacrifícios e perdas a serem socializados, respeitados os direitos adquiridos ao longo da vida das pessoas? Todos, certamente, estariam dispostos a ceder mais um pouco, dentro de um projeto que sentissem firmeza, que mobilizasse a nação para uma arrancada triunfal da brasilidade.
Mas, para desespero e desilusão de todos que acreditavam que o sonho estava tendo um final feliz, se percebeu que o “sapo-barbudo” que virou “príncipe-presidente”, com o beijo do poder, se transformou num “bicho-papão” para amedrontar os servidores públicos e os velhinhos (por enquanto, pois já dá medo o que nos espera na anunciada Reforma Trabalhista, com toda esta disposição governamental para fazer o serviço sujo de algoz dos assalariados), sob a égide da doutrina neoliberal do “Estado Mínimo”.
Bem diziam os antigos que o poder transforma. Fomos ingênuos e idealistas em acreditar que isto não aconteceria conosco, que com o PT seria diferente. Com as mesmas práticas políticas dos partidos tradicionais, em nome de uma dócil governabilidade, rapidamente se revelaram os “caciques” que construíram um leque de “partidos aliados” para, em troca de ministérios, garantir uma maioria legislativa. Sem uma oposição verdadeiramente identificada com as causas populares, papel até então desempenhado pelo próprio PT, que agora mudou de lado, ficou fácil assumir a continuidade do governo FHC, encaminhando de maneira piorada (pela prepotência de uma conjuntura favorável à aprovação de qualquer barbaridade decretada pelo executivo) as mesmas reformas que o próprio PT já havia rejeitado reiteradamente no governo anterior. Se antes eram “trezentos picaretas” no Congresso, conforme dizia a música dos Paralamas do Sucesso, agora são quatrocentos.
É com profundo sofrimento que sou forçado a reconhecer que o sonho acabou, e que está pesado o sono pra quem não acordou (parafraseando uma antiga canção do Ministro da Cultura Gilberto Gil).
A geração anterior à minha na atuação político-partidária, que mais diretamente fez o enfrentamento com a ditadura, se autodenominou “Geração Amordaçada”, pelos 20 anos de repressão e de silêncio que vivenciou. Penso que, analogamente, a minha geração poderia se denominar “Geração Sacrificada”. Sim, pois é a segunda reforma da Previdência que ela sofre (a primeira foi em 1998 com o FHC, quando houve a instituição da idade mínima de 53 anos para homem e 48 anos para mulher, com um pedágio de 20% de acréscimo no respectivo tempo que faltava para cada um atingir 35 anos de trabalho). Só aí já foram imputados mais dois anos de trabalho nas minhas costas, eu que estava pronto para me aposentar aos 51anos de idade!
Além das perdas financeiras de direitos imediatos, esta geração sacrificada foi penalizada com uma pena sobre a outra, totalizando um acréscimo de dez anos de serviços forçados, além dos trinta e cinco anos que já estavam pactuados a mais de trinta anos. Há milhares de pessoas que serão penalizadas por faltar um mês, uma semana ou até um dia para completarem o tempo de 35 anos (mais o pedágio) de trabalho ou os 53 anos de idade.
Além das perdas financeiras de direitos imediatos, esta geração sacrificada foi penalizada com uma pena sobre a outra, totalizando um acréscimo de dez anos de serviços forçados, além dos trinta e cinco anos que já estavam pactuados a mais de trinta anos. Há milhares de pessoas que serão penalizadas por faltar um mês, uma semana ou até um dia para completarem o tempo de 35 anos (mais o pedágio) de trabalho ou os 53 anos de idade.
Propor regras de transição não seria uma atitude natural para se evitar estas injustiças generalizadas e para se respeitar o direito de quem começou a trabalhar mais cedo, para que possam se aposentar um pouco antes de quem começou mais tarde? Fazer esta exigência mínima é ser radical? É ser fundamentalista? É ser corporativista ou demagogo, ou tantos outros rótulos pejorativos que o revelado novo “Rei da Mídia”, o “Lula-marqueteiro” difundiu com suas célebres metáforas? É justo que os “filhinhos de papai”, que só começam a trabalhar depois de formados na faculdade, lá pelos 25 anos de idade, se aposentem junto com os filhos dos pobres que são obrigados, pela necessidade, a começaram a trabalhar ao 15 anos de idade?
Por incrível que pareça, uma das causas do “expurgo de nós petistas” é a de exigirmos regras de transição na Reforma da Previdência. É o tempo de vida das pessoas que o Estado está arbitrariamente se apropriando, ao mudar as regras aos 40 minutos do segundo tempo de nossas vidas!
Sem demonstrações técnicas convincentes para a adoção dos critérios da reforma, utilizando-se da velha esperteza sofística de manipulação dos números e informações populistas, o PT ludibriou a sua principal base de apoio nesta sua escalada ao poder, que foram os servidores públicos (municipais, estaduais e federais), traindo a confiança e a esperança de que “um jeito melhor de fazer as coisas era possível”. O fato é que o Palácio do Planalto foi apedrejado e a lua de mel do governo Lula com o povo brasileiro acabou bem antes de transcorrer um ano de “paz e amor”.
Particularmente não me restou outra saída, que não a de me considerar um “expurgado”, até por uma questão de responsabilidade histórica. Toda a minha militância política foi desenvolvida dentro da categoria dos funcionários públicos, onde tenho consciência que influí no engajamento de muitos colegas nas bandeiras de lutas defendidas pelo PT, aos quais só me resta pedir desculpas pelas perdas e desenganos que, ingenuamente, os induzi pela convicção de minhas posturas políticas. Com que cara iria desculpar-me e aliviar este peso da minha consciência, senão com a penitência de assumir-me como um expurgado, de ostensivamente não compactuar com esta guinada de rumo?
A pior conseqüência deste fulminante desencanto com o governo petista, é de recairmos, novamente, na absoluta descrença em relação aos partidos políticos, credibilidade esta que o PT levou tantos anos para construir e, até então, era o único a possuir tamanho patrimônio junto à população em geral. A coerência entre o discurso e a prática era o diferencial petista. Pessoalmente eu já havia sido excluído partidariamente, nos últimos dois mandatos da Administração Popular na Prefeitura de Porto Alegre. Até então, convivia bem com esta situação de excluído aqui, em nível municipal, mas vinculado às macro-questões em nível nacional, com fidelidade às teses e bandeiras que sempre defendemos. Mas agora estou sendo definitivamente expurgado pelo comando nacional do PT, pelo governo do meu partido, em última instância, pelo meu presidente, por aquele que me levou às lágrimas no dia da vitória e no da sua posse.
A vida é um constante aprendizado. Com esta dura lição só me resta encerrar o meu ciclo de militância sociológica. Este melancólico encerramento do meu “ciclo de vínculos sociológicos”, ao completar os 50 anos de idade, é uma difícil passagem, com o drama de ser expurgado justamente daquilo que mais intensamente me envolvi em toda a minha vida. Foi a minha seita de ateu materialista! Lembro especialmente dos áureos anos da democratização do país, das Diretas Já!, das campanhas eleitorais majoritárias desde 1982, até o primeiro gostinho de vitória em 1989. Foram vinte anos de boca de urna no colégio eleitoral ESEF-UFRGS, juntamente com os antigos companheiros do lendário Núcleo Jardim Botânico do PT, dos utópicos tempos dos núcleos de base em garagens e porões.
Felizmente, neste momento de encerramento do meu ciclo sociológico, tenho o consolo de estar iniciando o Curso de Filosofia na UFRGS, que me propõe um novo ciclo surgido das cinzas do anterior, como uma fênix. Ciclo de estudos aprofundados dos porquês: por que as pessoas e os partidos se comportam de maneira completamente oposta, conforme estejam no poder ou na oposição?...
Por tudo o que já vi e ouvi ao longo destes quatro mandatos do PT na Prefeitura de Porto Alegre, com mais esta paulada federal, o meu rompimento com qualquer ligação partidária mais orgânica é irreversível e tardio. Viva as comunidades alternativas e voluntárias! Viva o Fórum Social Mundial! Viva Raul Seixas! Viva o Anarquismo!
Filiação partidária é como um casamento. Neste matrimônio, porém, houve um processo litigioso, em que a cúpula do PT decretou o divórcio unilateralmente, com a sentença de abandono do lar por parte dos inconformados. Nestes termos não há mais clima para se buscar uma reconciliação, pois quebrou-se o encanto do sonho da felicidade conjunta. Na melhor das hipóteses, superadas as mágoas com o tempo, poderemos, quem sabe, “ser bons amigos simplesmente, mas coisas do amor nunca mais”.
Filiação partidária é como um casamento. Neste matrimônio, porém, houve um processo litigioso, em que a cúpula do PT decretou o divórcio unilateralmente, com a sentença de abandono do lar por parte dos inconformados. Nestes termos não há mais clima para se buscar uma reconciliação, pois quebrou-se o encanto do sonho da felicidade conjunta. Na melhor das hipóteses, superadas as mágoas com o tempo, poderemos, quem sabe, “ser bons amigos simplesmente, mas coisas do amor nunca mais”.
O resgate da minha liberdade ideológica eu vou buscar no cartório eleitoral, solicitando a minha desfiliação do Partido dos Trabalhadores, em cumprimento ao expurgo decretado pelos donos do poder. Também vou providenciar a transferência do meu título eleitoral e sair da Zonal-113, página virada:
-Adeus companheirada de boca de urna do NúcleoJB, valeu!
Naturalmente que vou continuar torcendo para que o governo petista encontre o seu verdadeiro rumo, e não desperdice esta fantástica oportunidade que o povo brasileiro conquistou democraticamente, e que consiga apresentar no final do mandato um saldo construtivo real, e não meros índices numéricos que a realidade das ruas e campos não reflitam como concretos, como sempre fizeram os governos anteriores.
Espero - a esta altura já por um milagre - que efetivamente ocorra o anunciado “espetáculo do crescimento”, para que, com “fome-zero”, eu possa aplacar esta gana raivosa que sinto de rasgar com os dentes e mastigar a minha velha e surrada bandeira do PT por tanta decepção.
...Ufa!, que desabafo foi este texto, hein?! Constato agora em 2011, oito anos depois da desfiliação, que no final até que houve mesmo o milagroso espetáculo do crescimento durante a Era Lula, né? E, depois de muito jogo de empurra e milhares de desfiliações de petistas históricos, também foram aprovadas as reclamadas regras de transição na reforma da previdência pública, através da PEC do Senador Paim, que ao invés de eu ter que trabalhar mais sete anos, tive que trabalhar apenas mais três anos além dos dois a mais do FHC. Apenas?! Vá lá, agora já foi!... No final da Era Lula (que ainda sujou as mãos, não só com o petróleo do pré-sal, mas também com o escândalo do Mensalão), uma vez passada a dor de cornos e a do desencanto, acabamos ficando amigos simplesmente: depois de eu votar nulo na reeleição do Lula Lá, voltei a votar no PT (no 2º turno, é claro!) pela continuidade do petismo pmdebista de Dilma/Temer & Sarney! Que escolha?!...
Valeu!
VOCÊ NÃO TEM E VERGONHA NA CARA DE AINDA SER AMIGO DESTE BANDO DE SAFADOS QUE PRATICAMENTE ACABARAM COM O BRASIL, E VARIAS EMPRESAS ESTATAIS, E VÃO DEIXAR O PODER SE DEUS QUISER, AGORA EM 2014, SÓ QUE ELES E SEUS FAMILIARES VÃO SAIR MUITO BEM DE VIDA NÃO E MESMO, E AINDA QUASE TRANSFORMARAM ESTE PAIS EM UMA CUBA QUE SÓ SERVE PARA BOIAR NO MEIO DO MAR.
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