AS ELEIÇÕES DE CHEFIAS NO DMAE

          Como eu dizia na postagem anterior, esta tensão entre chefias e subordinados gerada pela introdução do indicador gerencial de avaliação funcional me reportava a uma passagem marcante da história recente do DMAE, que foram as famigeradas “eleições de chefias”. Até havia me espantado: Oh! Meu Deus! Não é tão recente assim, foi em 1989, já faz mais de 20anos! Parece que foi ontem...

          Naquela época, foi o ano que o Partido dos Trabalhadores assumiu pela primeira vez a Prefeitura de Porto Alegre (que se estenderia por longos quatro mandatos), eu era a referência petista de maior tradição na militância sindical no DMAE. Tanto que, dos quatro superintendentes que assumiram na Administração Guilherme Barbosa, dois foram por indicação minha; isso por que eu próprio não podia assumir por não ter curso superior completo (e, por ironia, eu ainda não tinha completado o curso de engenharia justamente por causa da minha militância de entrega total à causa político-partidária) e não tínhamos quadros do partido para preencher os cargos.
        Contudo, eu fui trabalhar no primeiro escalão, na tropa de elite do Diretor Geral, compondo um grupo de assessoria especial, reunindo na mesma sala as seguintes figurinhas: O Dieter como assessor técnico (o cara que depois assumiria como DG com a eleição do Guilherme Barbosa para vereador), o Eron Estrela como assessor jurídico, eu como assessor sindical e a Fátima Silvello como assessora comunitária.
        Tudo correu bem, na maior calmaria, no primeiro semestre, período em que os CCs puros tomaram pé da situação, começaram a conhecer “quem é quem” e a dominar como funcionava a máquina de fabricar água e coletar esgoto que é o DMAE, com seus dois mil e tantos funcionários.
           Acontece que, especialmente na área de tratamento/pesquisa e na comercial, os jovens servidores petistas (muitos possuidores de curso superior mas não nomeados como tal) tensionaram as relações com as chefias durante a campanha e a ascensão do PT ao poder e, após, continuavam sem espaço na administração petista, cujas chefias continuavam com os mesmos de antes. Passado o medo do novo, de desestabilizar a administração pública por falta de experiência dos quadros petistas, de repente, o DG fez um acordo com o SIMPA, vale dizer, com o colega Édson Zomar (que havia se revelado nos últimos anos como uma nova grande liderança sindical dos setores mais operários do Departamento), para a realização de eleições de chefias em todas as Divisões do DMAE.
         Podem imaginar que alarido repercutiu pelos corredores e pavilhões do DMAE o anúncio desta decisão da Direção Geral. A casa caiu! Imediatamente três superintendentes apresentaram pedido de demissão coletiva. Era a revolução operária que estava por chegar! Como diria o Nei Lisboa: 89 foi bala!...
          Bueno, eu que estava cedido extra-oficialmente com a minha FG de seção da DVM para trabalhar como assessoria do DG lá em cima, no corredor do poder, ou seja, eu que continuava ganhando exatamente a mesma coisa que antes do PT, com as eleições de chefias decretadas tive que voltar para o meu local de trabalho original para concorrer na eleição à minha função gratificada de chefia da Seção de Manutenção Preventiva, pelo menos até conseguir incorporá-la ao salário.
           Foram realmente momentos revolucionários aqueles, houve assembléias gerais no Auditório Araújo Viana para aprovação do Regimento Eleitoral Único do DMAE, e foram estabelecidas Comissões Eleitorais eleitas em cada Divisão: Era a República Soviética do DMAE! Até os cargos em comissão mistos ficaram sujeitos à votação. Estas comissões funcionavam como sovietes (conselhos operários), com poder de organizar internamente quem estaria vinculado a quais chefias nas quais poderia votar e ser votado, comissões estas vinculadas ao Soviete Supremo que era a Comissão Coordenadora, com três membros indicados pelo Fórum de Representantes, um membro pelo SIMPA e o outro pelo DG. No processo eleitoral houve a eleição da instância máxima que era o Fórum de Representantes (O Politburo), o qual era composto por delegados eleitos em Assembleias Gerais das Divisões, cujo critério de proporcionalidade era que para cada 50 funcionários da Divisão indicavam um representante. Foi uma loucura formidável!
           Sei que fui eleito para a Comissão Eleitoral da DVM e também para continuar exercendo a minha função gratificada, para onde voltei determinado a me dedicar à causa de conseguir o meu canudo de curso superior completo. Como de fato, após ter ficado por dez anos marcando passo, abandonando uma por uma as disciplinas em que me matriculava, para “dar prioridade ao movimento de organização da classe trabalhadora na redemocratização do país”, com apenas mais dois anos focados no curso me formei em engenharia, finalmente! Confesso que foi duro ver oportunistas se locupletando e quem construiu a idéia do petismo desde a sua fundação ficar de fora, chupando o dedo e assistindo a coisa toda, pelo que tinha dedicado vários anos da minha vida, se deturpar... Mas isto já é uma outra história que me levou à minha desfiliação do PT dez anos depois, por ocasião da reforma da previdência do Lula Lá presidente, que eu conto um dia desses para vocês.
             No DMAE as eleições foram realizadas em todos os níveis de chefia até o Diretor de Divisão inclusive, para um mandato de um ano. Assim, como pelo regimento todo ano haveria eleições, na campanha eleitoral começaram a surgir articulações tipo rodízio “vamos votar no Fulano neste ano e no ano que vém é será a vez do Beltrano ...”, ou pior, “vamos votar no Ciclano que é dos nossos só para derrubar o atual chefe que é muito Caxias”! E, depois de eleito, se o Diretor Geral quisesse cassar o mandato de um chefe teria que submeter seus argumentos ao Soviete Supremo e a uma Assembléia Geral da Divisão do dito cujo. Era a democracia participativa do assembleísmo da Grécia Antiga funcionando no meio operário pós-moderno.
            Qualquer pesquisa de clima no quadro funcional daquela época indicaria o ambiente feito um caldeirão que ferveu muito naquele três meses em que decorreu todo o processo eleitoral. Havia muita tensão entre as chefias em exercício, as quais se viam ostensivamente ameaçadas pelos seus subordinados que se insubordinavam por conta do movimento bolchevique de tomada do poder: através do voto os oprimidos seriam eleitos como os novos chefes! As coligações eleitorais naturalmente que recorriam ao apoio de entidades de classe, como o próprio SIMPA, para desenvolver estratégias visando os cargos mais concorridos, como os de Seção, Serviço e Diretor de Divisão. O jogo ficou pesado em alguns locais.
          Tudo isso dava gosto de ver acontecendo, por ser até então inimaginável, e por vivermos permanentemente sob forte emoção revolucionária devido à tensão que havia entre as várias facções e visões ideológicas que se infiltravam com seus interesses nas disputas por espaços de cargos dentro da administração petista. Na DVT talvez tenha sido a Divisão em que ocorreu a maior cisão e que se manteve como um racha permanente durante toda a era petista. Houve até dispersão de muitos técnicos científicos para outras Divisões ou para o porão da Hidráulica do Menino Deus, histórico reduto de resistência que, com a queda do PT, foi transformado, como um monumento, no Gabinete do Diretor da DVT. São meras histórias peculiares, vistas assim de longe no tempo, sem os impulsos das paixões do momento em que eram vividas.
           Contudo, apesar da experiência de efetuarmos eleições de chefias em todo o DMAE ter sido muito valiosa em seus ensinamentos sociológicos, se mostrou demasiadamente intensa no acirramento dos ânimos e desestabilizadora da rotina operacional. Certamente que não era coisa para se realizar todos os anos, como queria a índole de militância revolucionária das jovens lideranças petistas municipárias, oriundas recentes que eram do movimento estudantil. Mas resultou sendo uma coisa para não se realizar nunca mais!
             Avalio que a decisão do Diretor Geral de acatar a proposta de realização de eleições de chefia no DMAE se deu por um interesse estratégico dele em provocar a ruptura do corporativismo estabelecido no Departamento. Penso que o Guilherme Barbosa sentiu a necessidade de abrir espaço para os servidores mais alinhados ideologicamente com a visão petista, os quais tinham ficado à margem devido à cultura vigente de que o DG escolhe os superintendentes e estes indicam os diretores e assim por diante. Como os superintendentes eram da Velha Guarda, sem vinculações petistas, nada mudou, ficaram os mesmos chefes. Com as eleições, além de conseguir dar um outro perfil na composição das chefias, de cima abaixo, pois até os superintendentes demissionários foram substituídos, a nova administração passou a dominar com absoluto controle todo o quadro funcional. Nem precisaria mais de sua antiga assessoria sindical, que era eu.
          Assim, uma vez conseguido o seu objetivo, não era mais de interesse da administração petista tumultuar sua gestão com novas eleições de chefias; de modo que nunca mais se falou neste assunto e tudo voltou à “normalidade” da calmaria de antes daqueles dias que pareciam tão revolucionários.
         Por isso, quando hoje os novos gestores falam em avaliação funcional de chefias, os mais antigos tremem nas bases e torcem o nariz, pois sabem que vem confusão por aí...

3 comentários:

  1. Muito bom relato, não dá para esquecer daquele periodo. Abraços
    Paulo Iser

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  2. Parabéns pelo resgate deste momento marcante, pela clareza e concisão do texto.
    Fernando

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  3. Pois ocupei teu lugar naquela sala com Dieter e Estrela e acabei participando de todo o processo eleitoral no DMAE, como representante da DG na Comissão Eleitoral.

    Foi aí que tive a grande oportunidade de conhecer todos os cantos e recantos do departamento e quem ocupava esses espaços e como o departamento operava.

    Enquanto retornaste estrategicamente para a DVM. E foi na DVC que tudo começou. Antes inclusive de o PT assumir já fazíamos esse tencionamento. E o Edson nem lá trabalhava, pois era da DVT. Era o Milton Caselani, o Álvaro Pires, eu, a turma dos leituristas...

    Olha diria que foi o grande lance inicial da gestÃo petista no DMAE, frente ao enorme boicote articulado pelos "técnicos". Foi muito interessante o dia em que o Super Adminstrativo, Von Mengden, juntamente com os outros, e falando em nome deles, a entrega coletiva dos cargos de Supers e de seus diretores. Foi aí que o Guilherme optou pelo processo eleitoral mesmo, como alternativa de tocar a gestÃo. O único superintendente que topou continuar foi o Barradas.

    E, quando ele se esgotou, na falta de consciência política de seus servidores, e com um quadro postado na defesa do trabalho com o comando de quem tinha sido eleito para tal, terminamos o processo. Aliás, foi uma intervençÃo do Arnaldo Dutra que nos convenceu de encerrar. Foi grande eprofícuo momento de nossas vidas, sim Celso. No DMAE talvez o maior. Depois começaram a aparecer "simpatizantes" de tudo que era lado, uma vez que o projeto se reelegeu por mais uma gestão, mais outra, e mais outra... e aquele brinde dos "técnicos" nos jardins da 24 ??? Ameaçaram de quem aceitasse assumir qualquer direção, sob pena de serem trucidados depois de 4 anos. O Valdir Flores assumiu a SA e pressionaram até a família dele para que recuasse. Há muita história para se contar desse período.
    Muita. E muita história interessantíssima

    Abraço a todas e a todos os colegas do DMAE, que tenham ou nÃo gostado disso.

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