Éramos quatro na sala, os quatro dinossauros da jaula de extinção. Com a saída do Jalba, ficamos em três. Agora , com a minha saída para o mundo encantado da aposentadoria, restarão apenas dois, até que se confirmem as profecias de que o local será emparedado e deixará de existir quando sair o último e apagar a luz.
Sobre os outros dois colegas de cela, o Jalba e a Catarina, eu já postei comentários e observações aqui no blog, falta apenas tentar descrever para vocês o quarto elemento do bando, o Engenheiro Álvaro Silveira Neto. Não é à toa que ficou por último, é figurinha rara, de difícil apreensão!
Insuperável conversador ao telefone, capaz de manter diálogos de duração intermináveis, sempre calma e repetidamente, feito pingo d’água, até conseguir se fazer entender e ter a visão do outro bem entendida, o Álvaro é possuidor de um talento raro para a diplomacia. Onde todos nós nos estressamos e partimos para o ataque agressivo, o Alvinho vai comendo o mingau pelas beiradas, vai cozinhando o galo com sua risadinha de hiena esperta e sua paciência de monge tibetano e, via de regra, de tanto “rodear o toco” acaba costurando outras alternativas não pensadas anteriormente por nenhuma das partes envolvidas no debate, por mais acalorado ou sonolento que seja.
O cara é um exímio negociador, tanto com fornecedores e empreiteiros, como com os próprios funcionários, pois tem paciência e o dom de ouvir. Lembro de um caso que considero o mais emblemático da habilidade que o Álvaro tem para desatar nós cegos se fazendo de desentendido, e fazendo com que o interlocutor repita até a exaustão o argumento do seu ponto de vista, mesmo que seja a formulação de um simples pedido. O caso emblemático trata-se de uma reivindicação antiga dos Técnicos Industriais da Manutenção, que sempre era recolocada na pauta de qualquer discussão das escalas mensais de plantões para finais de semana e feriados, que consistia na alegação de que eles não tinham a obrigação de ficarem “à disposição” para atenderem chamadas de atendimentos noturnos, muito menos nas madrugadas. A tradição, desde sempre na Manutenção, é que os plantonistas ficassem em casa, sem ingerir bebidas alcoólicas, à disposição para chamadas emergenciais a qualquer hora, pois pode ser que uma hidráulica esteja parada e bairros inteiros estejam sem água. É uma atividade essencial de utilidade pública!
Sob esta bandeira de luta, as novas gerações de técnicos industriais, mais esclarecidos e sindicalmente politizados, faziam fortes trincheiras de enfrentamento com os engenheiros da DVM, fazendo questão de não serem encontrados nos horários que deveriam estar de “sobreaviso à disposição” em casa sem ganhar nada! Esta bronca se arrastava a mais de uma década, talvez duas, passando por vários Diretores (inclusive por mim), até que, na Direção do Engenheiro Álvaro, com seu jeitão de moscão, de quem não está entendendo nada, fez com que finalmente as lideranças conseguissem explicar o óbvio. Ou seja, que eles não estavam reivindicando que fosse autorizado o pagamento de “sobreaviso”, por saberem que isso não está legalmente previsto, mas queriam simplesmente que na escala de plantão fosse explicitado que eles estavam sendo convocados desde às 17h30 de sexta-feira até às 8hs de segunda-feira (para possível entrada na justiça futuramente?). Ah, é só isso?...Fácil, caso resolvido! A partir de então passou a ficar explícito nas escalas, a exemplo do que já era mencionado para os engenheiros de plantão, que a convocação se estende às 24 horas dos dias escalados dos plantonistas. Pronto, dissolveu-se o conflito e todos depuseram as armas pela ação diplomática de quem provoca a repetição psicanalítica, até que seja ouvido o verdadeiro sentido do que as pessoas estão querendo dizer e que, via de regra, não são bem entendidas.
O Alvinho é um gremista atípico, pois apesar de ser fanático o suficiente para ser associado e assistir às partidas no campo e ainda carregar um adesivo com o emblema do Grêmio na traseira do seu carro, ele é o maior crítico do seu próprio time. Suas análises futebolísticas sempre destacam mais as deficiências do que as vantagens da equipe tricolor, ao que ele chama de realismo de quem olha o futebol com racionalidade. Por exemplo, ele é um cara que faz muito tempo que vem alertando que o goleiro de seleção Vitor é muito bom de chutes de dentro da área, aí ele é um gato e pego tudo; mas bolas de longe, chutadas da intermediária, ele aceita quase todas! E não é que ele tem razão...
Nunca ninguém viu alguém conseguir tirar o Álvaro do sério, do seu jeito bonachão de ser, com seu contagiante bom humor mesmo sendo um benemérito polemista. Ele adora jogar “cascas de bananas” nas conversas, como costuma dizer o colega Tedesco, para provocar escorregadias discussões, geralmente a partir de temas que recolhe na sua imensa bibilioteca cultural que é composta exclusivamente pelos canais Discovery e History Chanel da televisão fechada:
- Qual a diferença entre segredo e sigilo? ... Assim ele começa uma polêmica.
O Alvinho é também um grande frasista, adora lançar no ar frases que generalizem atitudes e situações universais, tais como:
-Os políticos não são seres de outro planeta, são como a gente deste planeta. Eles saem de entre nós.
-O macaco só não fala de esperto, para não ser feito escravo pelos humanos.
- O tempo é um esmeril! (Referindo-se à deterioração física das pessoas com a idade).
Pra comprovar este perfil de fisgador humorístico de polêmicas forjadas, basta acessar o perfil do Alvinho no facebook, onde consta que a sua preferência política é a “direita mais extremada”, com a casca de banana da foto de Ronald Reagan. É mole?...Os colegas petistas beliscam direto!
Então, e a última polêmica que o Alvinho lançou, verdadeira casca de banana, diz respeito à derradeira estratégia de aposentadoria. Diz ele que, ao contrário do que eu e a maioria dos aposentaNdos pensa, é mais vantajoso primeiro se gozar o último mês de licença prêmio e depois entrar com o pedido de aposentadoria e ficar trabalhando os 30 dias previstos de espera para poder entrar de Licença LAA (de Aguardando Aposentadoria), pois é mais um mês da grana do Abono Permanência que faturamos. Faz um certo sentido a tese do colega, pois tem lógica o seu argumento de que na renda anual ter-se-á mais um mês de Abono Permanência. Alega ainda que, pra quem já ficou 39 anos esperando para se aposentar, um mês a mais não é nada! Sentencia que considera abrir mão dessa grana uma burrice do sujeito aposentaNdo que tem o direito de optar por gozar o mês de Licença Prêmio em casa, e só pedir depois a aposentadoria.
O argumento do Álvaro tem lógica, por isso consegue estabelecer uma pseudo polêmica, mas não considero que seja um bom argumento. O meu questionamento para ele sempre foi o seguinte: acho que é melhor não ganhar a grana sem trabalhar do que não ganhar a grana trabalhando! Explico: se entrar de licença prêmio e pedir a aposentadoria no mesmo dia, fico trinta dias sem trabalhar e sem ganhar a grana do abono permanência e estou livre. Pela tese dele, se eu aguardar trabalhando os trinta dias regulamentares depois de pedir a aposentadoria, vou ficar trabalhando sem ganhar o famigerado Abono Permanência. Pela lógica dele, do acúmulo financeiro, o mais vantajoso é ficarmos faturando o abono permanentemente e não nos aposentarmos nunca! Esta, inclusive, tem sido a opção de um número cada vez maior de colegas que vão ficando indefinidamente...Mas não é o meu caso!
Contudo, a questão deste anzol do Abono Permanência, que tem fisgado cada vez mais gente para ficar trabalhando oito horas por dia por mera terapia ocupacional, como veremos mais adiante, tem outros aspectos que exigem a atenção e o estudo reflexivo dos aposentaNdos. Primeiro que existe uma decisão patronal deliberada que, no momento que um servidor pedir a aposentadoria, significa que ele está declarando que não está mais interessado em permanecer e que está abrindo mão do abono, o que implica no seu corte imediato. Não precisaria ser assim, pois isto implica em perdas, posto que o processo de aposentadoria ainda é moroso. Dizem que já não demora mais de um ano, como no caso do colega Jalba, mas que pode demorar cerca de quatro meses, ou mais, dependendo do caso. Durante este período o servidor poderia estar “permanecendo” no trabalho a fim de ganhar o abono e evitar os prejuízos decorrentes da morosidade processual no PREVIMPA.
Para esclarecer um outro aspecto deste assunto, fui pessoalmente até o instituto de Previdência Municipal de Porto Alegre (Previmpa), com a esperança de que a portaria de aposentadoria, saísse quando saísse, fosse retroativa à data do pedido de aposentadoria. Acontece que quando o abono é cortado dos nossos salários, significa que começamos a pagar integralmente os 11% da previdência, até que saia a bendita portaria. A lei, porém, estabelece que só se deve pagar os 11% de previdência sobre a parcela salarial que exceder ao piso de R$ 3.300,00. Assim, enquanto não for publicada a portaria de aposentadoria, os aposentaNdos ficam pagando “indevidamente” 11% também sobre este piso, o que equivale a um prejuízo de R$363,00 mensais no nosso bolso. São perdas causadas por conta da morosidade institucional do Previmpa e da “sacanagem” patronal que, mesmo tendo culpa na morosidade do processo por ser quem repassa as informações funcionais dos aposentaNdos, corta de imediato a opção do requerente continuar trabalhando e ganhando o abono até a oficialização legal da aposentadoria. Ou seja, ao pedir a aposentadoria o sujeito é impelido a saltar fora!
Lamentavelmente, conforme fui informado nos guichês do Previmpa, a aposentadoria não é retroativa, portanto não temos a chance de recuperar este dinheiro pago ao fisco desnecessariamente. É de salientar, com todas as palavras, que isso só ocorre por imposição dos procedimentos gerenciais da administração municipal, a qual finge não perceber o prejuízo que está causando aos seus servidores em final de carreira. É com esta mesquinhez que trata os seus funcionários que a PMPA espera ganhar o prêmio de ouro no Programa Gaúcho de Qualidade Pública, o PGQP neoliberal do Gerdau, como o Alvinho costuma parafrasear os discursos esquerdistas dos colegas do PT!
Até tentei falar pessoalmente com o presidente Rigotti do Previmpa, o meu ex-colega de militância sindical, para registrar o meu protesto pela anormalidade deste quadro que está estabelecido como uma coisa inerente e normal. Porém, como das outras vezes que tentei, não consegui furo na agenda para conversar com o agora Poderoso Chefão. Mas, quando dei de cara com a portaria da aposentadoria do Rigotti sendo publicada no Diário Oficial Municipal, imediatamente enviei um e-mail provocativo ao novo “véinho aposentado”:
- Véio, aposto que o trâmite burocrático da aposentadoria do presidente do Previmpa foi muiiiito mais rápido do que será o meu!
Ao que o malandro (que sempre foi bom de latinha!) me respondeu:
- Quero te dizer que estamos trabalhando pra demorar cada vez menos. Quando entramos em 2005, demorava em torno de dois anos do pedido até a concessão da aposentadoria. No último mês a média de tempo foi de 97 dias. Queremos até o fim do ano baixar dos 60 dias. Isto quer dizer que quem tem toda a documentação do cadastro previdenciário atualizado pode ter sua aposentadoria em 30 dias, porém os desorganizados fazem a média ficar mais alta . Portanto, véinho, dá uma olhada no teu cadastro. Assim, se o teu pedido sair rápido não me acuse de querer me livrar de ti depressa... arggh!...Beijo.
Contudo, não é feito só de lamentos este tema do corte do Abono Permanência. Por incrível que pareça, este corte também tem o seu lado positivo. Como o Abono deixa de entrar no contra-cheque na coluna das vantagens salariais (o que já era uma outra sacanagem que nos faz pagar imposto de renda sobre o abono!), logo haverá uma redução do desconto do IRPF, o que implicará um acréscimo no líquido que compensará as perdas provocadas pela morosidade no PREVIMPA e, depois do ato final, será um ganho permanente no salário que somado ao desconto do piso da previdência, praticamente equivale ao próprio Abono. No final da história, analisando bem, o Abono Permanência resulta como sendo uma grande “empulhação” para a “barnabezada” ficar trabalhando praticamente de graça!
Polêmicas à parte, mas nestas cascas de banana do Alvinho eu não caio e nem vou mais escorregar, contudo vou sentir falta. Como ele próprio costuma dizer, “preteou os olhos da gatada!”, pois terminou o meu tempo de dmaeano, estou entrando na reta final da última semana nesta tribo que tem figurinhas raras como o “Alvneto” (famoso logon do Álvaro Silveira Neto).
-Valeu Mestre Álvaro!
DIREITO DE RÉPLICA:
-----Mensagem original-----
De: Alvaro Silveira Neto
Enviada em: quinta-feira, 28 de abril de 2011 19:51
Para: Celso; Celso Afonso Machado Lima
Assunto: Bolg do Aposentado e não mais aposentando.
Celso tentei e não consegui postar o comentário no Blog. Sendo assim aí vai ele entre aspas:
"Parabéns. Já consultei cigana, botei as cartas e nunca fui tão bem explicitado. As bananas eu comi todas, as cascas ficam ao meu redor para me proteger. As fotos foram bem escolhidas, a do brinde com espumantes tiramos em um determinado dia útil, após as 17:30. Só faltou dizer que não sou mentiroso."
Alvaro Silveira Neto
DIREITO DE RÉPLICA:
-----Mensagem original-----
De: Alvaro Silveira Neto
Enviada em: quinta-feira, 28 de abril de 2011 19:51
Para: Celso; Celso Afonso Machado Lima
Assunto: Bolg do Aposentado e não mais aposentando.
Celso tentei e não consegui postar o comentário no Blog. Sendo assim aí vai ele entre aspas:
"Parabéns. Já consultei cigana, botei as cartas e nunca fui tão bem explicitado. As bananas eu comi todas, as cascas ficam ao meu redor para me proteger. As fotos foram bem escolhidas, a do brinde com espumantes tiramos em um determinado dia útil, após as 17:30. Só faltou dizer que não sou mentiroso."
Alvaro Silveira Neto