RELATO DE UMA EMOÇÃO FORTE

       No último semestre de 2010 cursei a disciplina de Produção Textual no curso de letras que estou freqüentando na UFRGS, no qual me foi solicitado relatar um caso de emoção forte que eu tenha vivido:
       Um caso de emoção forte aconteceu comigo quando um exame de sangue serviu de sinal de alerta, o qual foi seguido de uma biópsia que me arrastou feito um tsuname “por mares nunca dantes navegados”...
       O primeiro impacto do anúncio da má notícia diagnosticada como sendo a difamada doença incurável denominada câncer, foi de experiências em estreitos canais dolorosos que nos arrastam e nos debatem em suas margens feitas de pontiagudos diagnósticos rochosos. Com rapidez alucinante me arrastaram do pacífico oceano da vida saudável, em que até então eu velejava em suaves ondas de calmarias, no rumo certo de um grandioso horizonte ensolarado, e me levaram até o agitado oceano do instinto de sobrevivência, em que se rema contra tudo: a correnteza, as ondas e o horizonte, e contra o rumo certo e inevitável do grande final de tudo o que é mortal.
       O diagnóstico de uma doença incurável divide a vida em dois: a alegre naturalidade do antes e a angustiante resignação do depois.
           No primeiro dia do resto da minha vida, que se delineava como sombria a partir daquele momento divisor de águas, naturalmente que uma profunda tristeza se instalou no íntimo da minha família, onde desandou uma avalanche de lágrimas convulsivas de desolação. Com a mente e o corpo doídos e os ossos moídos por me sentir suportando pessoalmente a finitude humana, desesperadamente busquei me resignar com a minha sorte e os meus azares, e passei a compartilhar a alegria de ainda estar junto, no aqui e agora, com os amigos, amores e familiares, aproveitando para ensinar e aprender a dizer adeus...
         Pela primeira vez em minha vida a morte e o medo da morte se colocaram como uma questão real e objetiva, não mais apenas como uma poética metáfora de quem encontra uma pedra no meio do caminho, mas como quem cai inesperadamente num abismo e precisa encontrar uma saída durante o curto período de queda livre que dispõe antes de se despedaçar no chão.
        Por isso, no segundo dia do resto de nossas vidas passei a viver uma segunda vida com hiper-realismo, onde cada detalhe do dia, da paisagem e cada pessoa ganhou especial significação e transcendental poesia. No segundo dia do que restou da minha vida a sentença diagnosticada já nem parecia tão fatal...
      Foi assim que no terceiro dia dos restantes da gente, após ter batido com a besta de frente, esse monstro de sete cabeças virou um moinho, um obstáculo a ser removido do caminho, um alvo de guerra neste quixotesco enfrentamento que exige perícia e rapidez nos movimentos. Ao terceiro dia desta andança de triste figura tocou de decidir o local, a data e a postura. Tocou de encontrar um escudeiro treinado em operar, um médico especialista que inspirasse confiança, domínio e tino, nas mãos de quem, cegamente, devia apostar a sorte do meu destino...
          Outras questões e medos povoam, como fantasmas, nossas mentes e corações aflitos nesta conturbada passagem, onde cresce o medo do desconhecido além pós-morte, na tensa expectativa de que mal possa ser curável e não fatal...
        No meu caso, a opção adotada foi pela intervenção cirúrgica através da técnica de “videolaparoscopia”, sem cortes, por apresentar melhores condições de pós-operatório e maiores possibilidades de minimização de possíveis sequelas.
        Concluído o procedimento, após o período de hospitalização, em que fiquei como um ser do filme “Matrix”, entubado no soro, no dreno e na sonda que se carrega pra casa como uma cruz; e sobretudo com uma ansiosa expectativa no resultado do exame laboratorial anatopatológico, que indicaria se o bicho tinha sido totalmente extirpado ou se o danado já havia se espalhado para outras regiões do corpo; voltei para casa com a recomendação que é preciso convalescer...
       Agora, completando três anos de pós-operatório, uma vez constatado o êxito da extirpação radical e total do câncer que estava absolutamente confinado, ainda que haja a recomendação de um monitoramento em exames periódicos ao longo de dez anos, a medicina finalmente diagnosticou a cura em definitivo do câncer deste organismo vivo denominado Celso Afonso Machado Lima.
- Vocês vão ter que me engolir!...

        Link  para a  versão original que é contada em versos:

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