O DIA EM QUE VI UM RINPOCHE

            Na Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, diz que o termo Rinpoche é um título do budismo tibetano que se dá a um lama considerado precioso em função de seu conhecimento e prática. Rinpoche significa literalmente "um precioso", e é usado para tratar ou descrever lamas tibetanos que são reencarnações de antigos mestres.
          Enquanto um estudioso iniciante que sou do budismo, ainda não sei bem o significado do título Rinpoche, só sei que após três anos meditando diariamente e assistindo a praticamente todas as palestras do Lama Padma Santem, o nosso trilegal Lama portoalegrense, no dia 08 de novembro de 2010 eu vi um Rinpoche. Não como uma aparição em um transe meditativo meu, mas como um ser real: baixinho e gordinho.

Sogyal Rinpoche, autor do aclamado “Livro Tibetano do Viver e do Morrer”, que já vendeu mais de dois milhões de exemplares em  56 países e em 31 idiomas,  pela primeira vez no Brasil, deu uma palestra em inglês no auditório do Colégio  Rosário. Pra começar, foi uma aula sobre tradução oral, pois durante todo tempo o Rinpoche ficou orientando a tradutora sobre a entonação, pedindo sempre mais vibração e mais ênfase oral em determinados trechos da palestra, conforme a moça ia traduzindo. A guria tradutora sofreu com a exigente preocupação do mestre tibetano em transmitir  para o público, da melhor maneira possível, aquilo que estava ensinando. Ele chegou até a dar uma caminhada lá pelo fundo do auditório, enquanto ela traduzia um trecho do livro, para verificar se todos estavam ouvindo bem a versão traduzida de sua fala. No final, emocionada, a moça foi presenteada com uma  espécie de echarpe tibetano, colocado em seus ombros pelo próprio Sogyal Rinpoche. Para um budista: é a glória! (É como a tatuagem feita pelo Paul McCartney nos braços das suas duas fãs no seu show no Beira Rio).

Sob o título de “A arte do viver e do morrer”, o tema desenvolvido pelo mundialmente renomado mestre budista tratava “da vida e do viver, da morte e do morrer”. Consultada a platéia de cerca de mil pessoas, verificou-se a presença de muitos médicos e de outros profissionais da área médica. O Rinpoche se mostrou satisfeito e esclareceu  que este perfil de público, que vai além dos praticantes budistas, acontece em suas palestras pelo mundo todo. Em todo lugar em que se apresenta há a procura destes profissionais que lidam com a morte dos seus pacientes e familiares, os quais têm consciência de que um dia terão que lidar com a sua própria morte.

E assim falava o Sogyal Rinpoche:
- Dominados e perdidos em nossos pensamentos, a gente desconhece tudo sobre quem pensa, sobre a mente que é uma jóia preciosa.
- Você não é o seu corpo, não é seus pensamentos nem suas emoções. Você é bem maior que tudo isso!
- Como acessar a tudo isso que sou eu? Através da meditação.
- O que é meditar? É alargar gradativamente o espaço entre um pensamento e o próximo, simples assim.
- Meditar é 25% atenção, 25% relaxamento e 50% espaçamento da mente.
- A luz no fundo do túnel de que falam as pessoas que tiveram a experiência de quase morte, é a “clara luz” da própria mente. Quem tiver praticado a meditação a ponto de acessar esta luz, vai reconhecê-la no momento da morte e vai saber exatamente o que fazer, por já estar habituado a transitar por estas esferas mentais.
- No acompanhamento dos moribundos, o importante é estimular para que eles perdoem a todos e a si próprios; auxiliar para que o enfermo se descarregue do carma negativo e possa fazer a travessia da morte de forma leve e solta.
- É preciso promover o desapego profundo na hora da morte.
- Só vive conscientemente bem quem está preparado para morrer conscientemente bem.
- A morte é a parte mais importante da vida, posto que é o seu momento final, onde devemos chegar com os méritos de uma vida bem concluída.
- Desperdiçamos muito tempo precioso ao vivermos como se fôssemos imortais, mesmo sabendo que a morte é a única coisa certa na vida.

           Eu saí da palestra do Sogyal Rinpoche bastante impressionado com a energia viva que alimenta os ensinamentos  proferidos por um tibetano legítimo, é visível que está no DNA de suas células os milênios de vivências meditativas de seus antepassados. Não se trata mais de uma compreensão intelectual dos conceitos e práticas budistas, é o próprio sentido natural e óbvio da vida para quem nasceu e viveu no isolamento imposto pela cordilheira do Himalaia (de antes da invasão dos Chineses).

          No dia em que eu vi um Rinpoche eu entendi melhor o que é que tanto me atrai na doutrina budista. Certamente não é a religião budista, que é uma prática bastante tribal, adaptada conforme a cultura em que esteja inserida (Japão, Tailândia, Índia, Tibete, etc.); também não é só o dogma da reencarnação, pois esta concepção o espiritismo também apresenta e com a vantagem de possibilitar o contato com os desencarnados através dos médiuns. Certamente é a dedicação ao estudo da própria mente o gancho que me pescou para estudar o budismo, mas  sempre foi na perspectiva simples de compreender a vida e o viver. Agora, com o Sogyal Rinpoche, entendi que ao buscar acessar a “clara luz” da mente através da meditação, mesmo que inconscientemente, eu estava buscando dominar o funcionamento do túnel luminoso que conduz a mente da esfera da vida para  o estágio pós morte através do morrer.
         Saí da sessão de ensinamentos convencido que o meu objetivo no budismo é desenvolver “A arte do viver e do morrer”, para tanto vou tratar de comprar o livro do Sogyal Rinpoche, que será mais um item da longa lista de temas de estudos para a minha aposentadoria.
- Valeu Sogyal, pois o primeiro Rinpoche a gente nunca esquece!

Nenhum comentário:

Postar um comentário