O IMPERADOR, O HIPPIE E O MENDIGO

Semana da pátria, dia 7 de setembro com direito a parada militar e protestos dos jovens contra o militarismo, em homenagem à independência do Brasil proclamada contra o Império de Portugal. Dentro da Manutenção tem uma placa indicativa de nome de rua, fixada na esquina que as paredes dos pavilhões formam no pátio da Divisão. “ Rua D. Pedro I - Primeiro Imperador e Proclamador da Independência em 1822”, é o que está escrito na placa. Segundo relato do pessoal remanescentes da época do meu ingresso na Manutenção, a tal placa de rua está  ali desde quando eu entrei em 1978. Quantos de nós nunca perceberam a existência desta placa? E quantos de nós que notamos a placa, nunca nos perguntamos porque ela está ali?
Pois ocorreu de eu ter notado a placa e de ter me impressionado com o envelhecimento do mendigo Rodrigo, que vive pelas redondezas e que, por tão longa convivência com o corpo funcional da região da Princesa Isabel,  é praticamente um funcionário do DMAE.  Segundo a Engª Catarina, que tudo viu e tudo sabe, entre a Seção de Veículos e o Depósito, muito antigamente, tinha uma rua que unia a Rua Gastão Rhodes com a Rua São Francisco. As casas desta rua foram desapropriadas pelo DMAE, e a comunidade que constituía esta vila foi removida desta região. Com a demolição das casas, a placa do extinto logradouro público foi resgatada e preservada como parte da história da Divisão de Manutenção.
 O mendigo Rodrigo é, pois, como uma alma penada daquela comunidade da extinta rua D. Pedro I, alma que ficou perambulando com suas tralhas no entorno. O velho Rodrigo passou a vida inteira morando na rua, dormindo nas calçadas ao relento, delirando na sua demência geralmente amistosa, como que procurando sua possível família e casa  destruída. Rodrigo é louquinho, mas não rasga dinheiro: -Me dá cinco contos! – costumava me intimar sempre que me via. Mas o envelhecimento do Rodrigo reflete o nosso próprio envelhecer, ele em condições infinitamente mais hostis do que as nossas de estáveis funcionários públicos, vivendo das escassas esmolas que lhe jogamos. Ele é um heroico sobrevivente, como nenhum de nós se imaginaria conseguir viver no reino dos seres famintos como ele viveu.

           Assim, perambulando rotineiramente pela extinta rua, eu que entrei no Dmae com pinta de hippie e me tornei um barnabé, e o Rodrigo, um portador de deficiência mental tornado mendigo, envelhecemos como vidas paralelas no mesmo tempo e espaço, até que as paralelas se toquem no infinito de cada um, e todos voltem a se irmanar no pó de onde viemos, nos misturando inclusive com o primeiro imperador D. Pedro I do Brasil.

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