OUVINDO AS JOVENS VOZES DAS RUAS

O nosso mundo está grávido de outro, disse o Eduardo Galeano, autor do lendário livro As Veias Abertas da América Latina; e eu complemento: Vamos ser vovôs!  Nós, os pais dos até então maiores movimentos de massa,  Diretas Já! & Fora Collor!, assistimos boquiabertos os nossos filhos, que até ontem eram tidos como uma geração de alienados do vídeo game e da Internet,  agitarem as ruas como nunca ocorreu antes na história deste país.
O gigante acordou espontaneamente, sem a intervenção dos partidos e sindicatos, órgãos que a nossa geração branqueou os cabelos construindo para serem ferramentas de lutas, e que se revelaram agora como instituições obsoletas, por se amalgamarem no jogo dos interesses políticos e econômicos. A moçada tecnológica, se articula com multilideranças horizontalizadas e, numa nova linguagem de comunicação entre eles pelas redes sociais, estão reinventando a política, sem entrar no jogo de cartas marcadas dos marqueteiros políticos tradicionais.
Ninguém estava entendendo nada, nada do que os jovens queriam e diziam... Quando eles furaram o boneco inflável (mascote da copa do mundo) alguns meses atrás, ou quando algumas semanas atrás eles acamparam na praça pública para impedir a derrubada de dezenas de árvores para as obras da Copa. Mas a repressão militar (que agora é a nossa geração que está comandando) simplesmente repetiu contra os manifestantes a mesma violência que havia aprendido a executar com maestria durante o regime da ditadura militar: baixou o pau até sangrar!
O mesmo aconteceu quando os  jovens portoalegrenses se mobilizaram contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, ocasião em que a repressão “naturalmente” exerceu a sua especialidade tática de dispersar a multidão através da violência indiscriminada, exatamente como nos velhos tempos ditatoriais. Foi assim até que, com a conquista da suspensão do aumento das passagens dos ônibus na Justiça, a bandeira de luta dos gaúchos ganhou âmbito nacional e começou a pipocar nas redes sociais no centro do país.
 Passeata não é uma procissão nem um desfile de escola de samba num “protestódromo”; implica necessariamente numa rebelde sublevação explícita. A primeira grande vitória do movimento nacional contra o aumento das passagens dos ônibus foi fazer com que as polícias militares começarem a se reciclar para lidar com manifestações democráticas: não darem tiros com balas de borracha covardemente contra quem está pacificamente fazendo a história do despertar da cidadania dos brasileiros! As tropas precisam respeitar a autonomia do movimento e se resignar a intervir pontualmente em casos de “vandalizações” graves, mas com habilidade para não tornar pior a emenda que o soneto.
No terceiro dia de âmbito nacional, o movimento já havia conquistado o apoio da população em geral, apesar dos transtornos causados pelas passeatas gigantescas, algumas com mais de trezentas mil pessoas, e se espalhou como um estopim revolucionário por todas as capitais e por centenas de outras cidades, não só das regiões metropolitanas, se interiorizando de norte a sul do país.  Foi então que os prefeitos começaram a declarar a vitória da bandeira inicial da mobilização que gerou este fenômeno de cidadania que assombrou o mundo, colocando nas ruas mais de um milhão de brasileiros. Gradativamente todos foram cancelando os aumentos de vinte centavos que tinham decretado em suas respectivas cidades...
Mas as vozes das ruas diziam em seus cartazes que a luta não era apenas pelos vinte centavos: queriam mudanças democráticas, respostas aos serviços públicos precários (educação e saúde), aos gastos com estádios para a Copa do mundo da Fifa, atitudes contra a corrupção e a impunidade (contra  a PEC 33 & 37). Os jovens continuaram na rua gritando suas outras palavras de ordem, tendo como alvo a crise de representatividade do sistema político, econômico e midiático; e  criticando a atuação repressiva das forças policiais durante as manifestações, continuaram fazendo resistência...




Como eu dizia, o nosso mundo está grávido de outro: Vamos ser avós!  A nós, os pais dos gestantes, nos cumpre agora ficar ouvindo as vozes das ruas, colocar vinagre na mochila deles contra o efeito das bombas de gás, e sair na calada da noite para resgatar de carro os nossos filhos quando eles ficavam cercados pela cavalaria que fazia cargas com sabres em punho contra eles!...Nas manifestações, a nós pais dos gestantes coube ficar acompanhando pela televisão as movimentações das tropas de repressão, e funcionar como informantes pelo celular, orientando os filhos de onde vem o inimigo e pra onde correr dos vândalos fardados como servidores públicos e pagos com o nosso dinheiro. Ou, quando o celular não responde, ficar se angustiando diante da TV ao ver que as tropas arrebanham feito gado os manifestantes para o centro da cidade, que é uma ratoeira sem saída, e fecham  o cerco com as tropas de choque, cavalaria e infantaria com cães e, acreditem, apagam as luzes  públicas  e tocam o horror para torturarem, antes de dispersarem definitivamente o movimento...
Enfrentar o militarismo repressivo das forças de segurança ainda é o maior desafio de qualquer movimento popular. Esta agressividade que a classe média percebe nestes episódios das manifestações públicas, é a mesma que o povo da periferia pobre sofre diariamente, como uma discriminação social e racial. Cabe a nós, avós de pijama, que já corremos muito da polícia pela democratização do país, e sabemos a adrenalina e catarse que provoca este enfrentamento desigual, ficarmos torcendo para que os nossos filhos voltem para casa sãos e salvos de ocorrências de incriminação, feitas aos moldes do famigerado DOPS, por terem se indignado contra as atrocidades cometidas por armas não letais nas mãos de homens treinados para serem letais.
 Nosso mundo está grávido de outro, tomara que não seja grávido por estupro, mas se for, que pelo menos nos reste o direito de fazer o aborto, sem sermos condenados ao fogo do inferno pela jesuscracia política, ou seja, pelo movimento fundamentalista dos infelicianos crentes religiosos que estão se  tornando politicamente majoritários no Brasil, através de seus vários partidos e pastores no Congresso Nacional.
Estou ouvindo as vozes das ruas, como de uma nova geração de lideranças surgindo na luta. Uma gurizada que está mostrando que os tempos mudaram, que nossos ídolos morreram de overdose do poder que corrompe, e que as intervenções de massa por mudanças sociais podem ser auto-convocadas e a pressão política pode se dar por ações diretas pautadas na vontade coletiva. Daqui pra frente, os políticos saberão que o gigante poderá acordar novamente a qualquer momento, por algum motivo inesperado, podendo ser por razões bem maiores do que os vinte centavos do aumento das passagens.
As vozes das ruas precisam ser ouvidas...E a hora é agora, aproveitando a atual quadratura astrológica de Urano com Plutão, em que os astros predizem radicais mudanças sociais, como de fato está ocorrendo em todo o planeta.  O mundo grávido de outro precisa dar a luz enquanto nós, os avós, estamos aqui vivos para assistir e curtir online as fotos dos nossos filhos (que não fogem à luta!) no Facebook:


- Curti meninada medonha!



2 comentários:

  1. Parabéns pelo bonito texto e pelas imagens conjugadas. Um abraço fraterno.

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  2. Ótimo texto! Parabéns...é isso aí devemos nos manifestar.

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