Odisséia Cotidiana: Os gatos da minha rua


A  manhã de um aposentado passa voando, quando se vê já é hora de sair correndo para se conectar com o restante da família  que continua aprisionada ao mundo do trabalho. Saí caminhando pela  Travessa Pesqueiro e, antes de chegar na esquina com a Rua Barão do Gravataí, do tapume de um terreno baldio, como de costume, saiu um gatão amarelo de rua.
 O bicho foi se esgueirando entre o meio fio da calçada e os carros estacionados, enquanto miava com veemência pedindo ração. Na quadra há vários vizinhos alimentadores dos gatos de rua: naturalmente que os felinos reconhecem de longe os humanos dos quais podem se aproximar amistosamente, e de quais é melhor retornar correndo para a fresta do tapume e se abrigar no matagal do terreno baldio, onde vivem vários gatos ariscos.
 É curioso como os cães de rua desapareceram  do bairro (será que de toda a cidade?), sem predadores os gatos estão tomando conta do pedaço. Quem é da vizinhança e do grupo dos amistosos, de tanto transitar e lidar com os gatos de rua, acaba também lhes reconhecendo  e atribuindo-lhes nomes específicos, geralmente em função da pelagem de cada um: o ruivo, o chumbinho, o malhado frajola (preto e branco)...
Os gatos, como os pivetes de rua, também têm suas gangues e um território que dominam. Do outro lado da Rua Barão do Gravataí o território é dominado por outra turma de gatos, também criados soltos mas com residência fixa e alimentação regular fornecida pelo protetor deles.  Mesmo sendo parte do grupo dos humanos amistosos com as duas turmas de gatos, tenho mais convívio com os gatos da Barão, que vivem no pátio dos boxes de estacionamento de aluguel, onde eu guardo o meu carro e para onde me dirigi.
A população de felinos ali é variável, seguidamente somem alguns, outros morrem atropelados (eu próprio tenho uma morte nas costas, atropelei um filhote inexperiente) e alguns, mas raramente, morrem por velhice.
 Em uma década estacionando o meu carro no território destes felinos, acompanhei várias gerações de crias das crias dos mais antigos, até que recentemente, todas as fêmeas foram submetidas à cirurgia de esterilização e os gatos foram castrados para ficarem mais sossegados. Desde então a população do território vem se reduzindo drasticamente: de mais de uma dúzia para menos da metade.


                   Talvez por isso mesmo, ocorreu um fenômeno de imigração de uma elemento de uma tribo para a outra, que foi justamente este gatão amarelo que me seguiu a pouco até o outro lado da rua, o Boca Grande (nome que dei por ele ficar sempre miando quando me vê). Decerto, vendo que as condições de vida por lá eram melhores, foi se aquerenciando, insistindo numa aproximação sem aceitar as provocações para brigas com os gatos e os esculachos dos humanos.
 Tanto persistiu o gatão amarelo conversador, o Boca Grande, até que conquistou um espaço nas tigelas de rações sob os telheiros dos boxes dos automóveis; ganhou dupla nacionalidade, sem nunca deixar de ser um estrangeiro hostilizado permanentemente pela gata branca, a matriarca e chefe do clã da Barão.
 Eu sou extorquido pelos gatos de rua da Travessa Pesqueiro, numa espécie de pedágio que tenho que pagar para entrar em casa de noite, ao voltar a pé após deixar o carro e alimentar a turma de gatos da Barão, de modo que mantenho uma reserva técnica de ração, como propina, dentro da caixa de correio junto à grade do portão externo do  meu prédio . Faço como muitas pessoas que carregam sempre algum dinheiro no bolso para terem o que fornecer  aos ladrões em caso de serem assaltados, por serem os gatunos coisas de convivência costumeira. 
 Como eu ia dizendo, a manhã de um aposentado passa voando!...

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