OS APOSENTADOS PRÉ-DIGITAIS & OS PÓS-MODERNOS

        Ontem  encontrei um aposentado da velha guarda da Prefeitura, digamos que já tenha uma década e mais alguns poucos aninhos usufruindo do benefício, mas daqueles que se aposentou lá pelos 60 anos. O cara era um engenheiro que manipulava com maestria desde a régua de cálculo até a calculadora eletrônica, mas que quando a revolução da informática estava pegando pra valer, ele já estava arrastando as botinas pra se aposentar e sem pique ou interesse para querer se reciclar. Convenhamos que muita gente ainda hoje, que continua arrastando as botinas batendo ponto para não se aposentar, não conseguiu se reciclar para acompanhar o ritmo de mudanças que a informática está exigindo, virando tudo o que se fazia antes de cabeça pra baixo. Muitos velhinhos vão empurrando com a barriga e com a ajuda dos colegas mais jovens, ficando com as  reduzidas tarefas que não se envolvam com as infinidades de sistemas gerenciais informatizados, sistemas que povoam os órgãos públicos feito vermes de geração espontânea.
        Quando encontrei este meu ex-colega da ativa, fiquei empolgado em pegar o seu email para lhe enviar um link de acesso do blog, pois há várias matérias em que ele esteve envolvido pessoalmente:
- E aí, meu antigo colega da ativa e agora meu novo colega nos inativos, firmeza?
- Firmeza. Tu te aposentou?
- Entrei para o Clube dos Inativos, a aposentadoria finalmente chegou, caí na ociosidade! Mas me diz uma coisa, tu acessas estes troços de internet e emails de computador?
- Não, por quê?
- É que estou escrevendo num blog umas historinhas sobre nossos tempos de trabalho, e agora também sobre as questões de aposentados, e queria o teu email para te enviar um link...
- Pois é...Mas tu podes me dar o endereço que eu peço para a minha filha abrir pra mim, lá na casa dela...
       Fiquei a princípio surpreso e desconcertado, desconversei dizendo que depois a gente faz isso e saí apressado para assimilar o real significado daquela revelação que me comoveu tanto. Segui caminhando e profundamente penalizado com o grau de limitação que ficam as pessoas que vivem excluídas da internet.  Percebi que há um divisor de águas profundas entre os antigos e os novos aposentados, que é o cyberespaço!
      Só agora compreendo o real sentido do medo da aposentadoria que tem os filhos da minha geração e adjacências, posto que antes do advento da globalização WWW realmente só restava a televisão e o  sofá da sala, o Windows era literalmente a janela pra rua restrita onde se vivia. Ouço falar muito das políticas públicas de inclusão digital dos jovens da periferia e sempre achei meritória e fundamental esta preocupação, tendo como referência os nossos filhos que mal deixaram de  engatinhar e já  brincavam com jogos didáticos no computador. Sei que tem também várias iniciativas de inclusão digital para a terceiridade, para quem são cada vez mais excludentes as novas tecnologias que norteiam os procedimentos cotidianos das pessoas.
Cada vez que vou pagar uma conta num terminal de auto-atendimento, ou simplesmente sacar dinheiro, ficou pensando na minha mãe diante daquelas telas pedindo senhas de números, de  letras e de sílabas que ficam trocando de lugar para te confundir mais do que aos ladrões...Com quase 90 anos, mesmo estando bem lúcida, ela está completamente excluída  de exercer as triviais atividades de receber seu salário de aposentada e de pagar suas próprias contas. Precisa que alguém faça isso por ela, por ser uma deficiente digital!
         Certamente este não é o caso do meu colega engenheiro aposentado, como não é o de muita gente de meia idade, que constitui um universo significativo de pessoas que conseguem dominar satisfatoriamente estas operações básicas de sistemas bancários informatizados envolvendo senhas e códigos de barra. Gente que se viu forçada a se adaptar aos procedimentos comerciais da modernidade, mas não aderiram ao chamado computador pessoal (PC) com seus emails e chats. Também há muita gente que conseguiu dominar as comunicações pelos emails corporativos das empresas onde trabalham (ou trabalhavam), onde foram forçadas a se adaptarem aos PCs em suas rotinas de trabalho, mas que não acompanharam as revolucionárias mudanças comportamentais no meio digital provocadas pelas redes de relacionamentos, tipo Orkut, Facebook e twitter.

        E pensar que a maioria da população ainda desconhece que se pode produzir blogs pessoais, não sabe que se pode assistir aos vídeos que se quiser no Youtube e, a mais sacana das injustiças, não sabe o que é dispor do maior oráculo de todos os tempos para responder às suas dúvidas através da enciclopédia universal do Google...
        Desde então, eu que felizmente me apropriei minimamente destas ferramentas digitais, passei a ter uma compreensão mais contextualizada do porque é tão temido pelo pessoal da era pré-digital o “tempo ocioso” da aposentadoria, justamente este pessoal que atualmente está tendo que se aposentar. Só agora compreendo melhor este temor, pois até então achava que tudo se resumia a se ter ou não uma vida interior para ser desenvolvida prazerosamente no tempo ocioso. Contudo, com o envolvimento de tempo que o cyberespaço demanda da gente para as meras funções básicas, tais como ler e enviar emails, se informar da agenda cultural e de notícias, além de teclar online com os filhos, cônjuges e amigos, reconheço que o tempo ocioso da era pré-digital poderia ser muito longo, especialmente se nem blogando aqui  eu estivesse!
       Mas a boa notícia aos aposentaNdos que, como eu, dominam minimamente as ferramentas digitais da pós-modernidade (nem tanto como os nossos filhos que fazem isso tudo no celular!), é que não há tempo ocioso na aposentadoria, pelo contrário, falta tempo. É preciso esforço para nos desgrudarmos do computador e buscarmos atividades aeróbicas e socializantes fora de casa. Os aposentados pós-modernos tem, portanto, dois mundos para povoar: o cyberespaço da vida virtual e o espaço mundano da vida real. Acreditem, falta tempo!

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