DO VOTO NULO AO VOTO VERDE PARA PRESIDENTE

          Superando as expectativas previstas nas pesquisas eleitorais, a candidatura da Marina Silva obteve 19% dos votos válidos do Brasil inteiro e acabou determinando que houvesse um segundo turno entre Dilma (47%) e Serra (33%) na disputa pela sucessão de Lula na presidência da República. Não foi ainda a Grande Onda Verde, mas também não dá pra chamar de “marolinha” a votação da Marina pelo PV, pois os seus 19% se somados aos 18% de abstenções com mais os 5% de votos nulos e os 3% de votos brancos, temos 45% do eleitorado que não optou por nenhuma das duas candidaturas que vão para o segundo turno da eleição.
       Lembro que o resultado geral do pleito eleitoral de 2006, que re-elegeu Lula Presidente, foi anunciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e por toda a mídia como um fracasso da campanha pelo voto nulo que havia se alastrado pela Internet. Como uma bola de neve geleira abaixo, a campanha pelo voto nulo havia crescido tanto que acabou por arrombar espaços nos jornais, nos programas de televisão e nos pronunciamentos públicos de autoridades, políticos e formadores de opinião para desacreditá-lo enquanto um movimento sociologicamente válido.
        O que mais confirma o êxito da campanha do voto nulo naquela eleição é que, ao contrário do que todos esperavam, em todos os Estados a quantidade de votos nulos foi no mínimo o dobro dos votos em branco, apesar de toda a facilidade e até indução com a existência de um botão exclusivo escrito “voto em branco” e de toda a dificuldade operacional imposta pela urna eletrônica à execução do voto nulo, o qual só era aceito depois de uma emissão de erro em letras miúdas, anunciando que, caso fosse confirmado, este “erro” seria computado como voto nulo.
       Até aí, tudo bem. Afinal a política é um jogo de interesses pessoais e grupais, e cada tribo naturalmente trata de defender o seu status desqualificando os céticos que questionam a eficiência destas jogatinas. O TSE resumiu conclusivamente que os votos brancos ficaram em 2,73% e que os votos nulos atingiram apenas 5,68% dos votos válidos. Mas o TSE não informa que os votos válidos corresponderam a 83,2% do eleitorado com direito a voto, posto que houve 16,75% de abstenções, mais de 21 milhões de brasileiros que nem se animaram a ir até o circo das urnas eletrônicas. Quantos destes viajaram para a praia deliberadamente para justificarem a abstenção e não desperdiçarem o domingo? Só agora compreendo porque não realizam as eleições numa sexta ou segunda-feira, promovendo um feriadão (o quê seria recomendável para propiciar que as pessoas se desloquem das capitais até seus colégios eleitorais no interior), pois a abstenção seria gigantescamente maior! Imaginem o que aconteceria se votar, que conceitualmente é um “direito”, não fosse paradoxalmente um “dever” obrigatório sujeito a penalidades...Se votar resolvesse, seria proibido!
        Esta questão da maquiagem dos dados só me despertou a atenção quando, na divulgação pela televisão dos resultados do segundo turno para governadorda eleição de 2006, informaram rapidamente que o total dos votos nulos no Rio de Janeiro havia sido de 13% e os brancos 2,86%. Ouvi bem, 13%? Fiquei intrigado e resolvi pesquisar na página do TSE na Internet todos os resultados, os quais são dispostos da maneira mais dispersa possível para dificultar uma visualização global.
        A verdade é o seguinte, no primeiro turno para Presidente, tanto em 2006 como agora em 2010, somando os votos brancos (2,73% e 3% ) com os nulos (5,68% e 5%) e com as abstenções (16,75% e 18%) totaliza mais de 25%, ou seja, um em cada quatro brasileiros (30 milhões) não votaram em ninguém nestas duas eleições!!!!
      Num regime que se proponha democrático, eleição é submeter candidaturas à aprovação popular. O procedimento lógico nestes casos, como em concursos públicos, é a condição dos candidatos obterem a aprovação da maioria da banca julgadora que os analisa conforme os seus aparentes dotes políticos de honestidade e comprometimento com suas próprias propostas, observando os méritos e as viabilidades práticas de suas idéias e se têm idéias. É natural que se o conjunto de candidatos não obtiver aprovação de 50% mais um do eleitorado, ou seja, se forem reprovados, o concurso deverá ser anulado por falta de qualificação dos pretendentes aos cargos públicos e, para suprir as vagas, é usual que se realizem novas inscrições de candidatos para um novo pleito. Só depois de satisfeitas estas exigências mínimas é que se pode passar para a fase classificatória de qualquer concurso lícito e transparente.
      Mas o sistema eleitoral brasileiro é tão distorcido e manipulado, segundo a vontade inescrupulosa dos políticos que legislam em causa própria, que ao invés de eliminar os candidatos que não satisfizerem as exigências da banca julgadora, o TSE elimina os avaliadores mais exigentes, invalidando os votos nulos, os votos em branco e as abstenções, nivelando por baixo. Por absurdo, mesmo que 99% dos votos sejam invalidados (como nulos ou brancos), a eleição dos candidatos (por pior que sejam) estará garantida. Só interessam os votos válidos, melhor dito, só são válidos o votos que interessam ao simulacro de democracia, da lógica que diz “escolha o menos pior mesmo que este seja péssimo ao seu ver”. Você não tem escolha, sua opinião é o que menos interessa, o sistema só precisa que compactue com a farsa, participando para garantir a sua continuidade em harmonia, sem rupturas. Não há possibilidade de aperfeiçoamentos: é isso ou isso mesmo, cada vez pior!
Com Tiririca, pior fica!
          Compactuar com este simulacro de democracia é tido como um “dever cívico” e aos que se rebelam taxam de anarquistas alienados, de anti-democráticos, são acusados de todas as piores infâmias e traições contra a pátria-amada, salve-salve!.
        É...pensar causa solidão por eliminar as fronteiras tribais aconchegantes dos partidos, mas possibilita uma visualização global para se perceber que os partidos são como as religiões, sem racionalidade, meros propagandistas da fé na retórica: são os garganteadores do povo!
       É assim desde que o mundo é mundo, desde o nascimento da democracia na Grécia Antiga, com os sofistas que tanto indignaram Platão com suas oratórias vazias de conteúdo mas convincentes na forma. Este formato do “ser político” populista acabou prevalecendo e se aperfeiçoando até os tempos atuais, com a demagogia superando a filosofia e relativizando ao interesse de cada um a determinação do que é falso e do que é verdadeiro, e do que é ou não justo.
     Depois de ter entendido o mecanismo da democracia do voto à cabresto obrigatório na eleição anterior, nem me dou mais ao trabalho de corcovear a favor do voto facultativo, troquei o voto nulo pelo voto de semear o verde de uma nova esperança que possa tornar a política novamente contagiante. E funcionou, pois nesta eleição voltei a sentir a adrenalina da competição de idéias e da contraposição de projetos antagônicos sobre a concepção do que seja o progresso sustentável de uma nação.
     A ocorrência do segundo turno vai proporcionar uma discussão com maior profundidade por parte dos dois partidos que exerceram e disputam entre si o poder central do Brasil nas últimas duas décadas:
- Valeu Marina Silva do PV por nos proporcionar uma terceira via!

2 comentários:

  1. Em tempo:Marina Silva venceu a eleição presidencial no Distrito Federal e superou o Serra em Pernambuco, Amazônia, Amapá e Rio de Janeiro.

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  2. Parabéns pelo artigo! Muito esclarecedor!
    Marina realmente foi um sopro de vida,
    nesse mar de podridão e morte que é a
    política brasileira.

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