O QUEBRA-CABEÇA DA VIDA

A vida é como um grande quebra-cabeça em que de início as peças são desconhecidas, mas que aos poucos vão se revelando e se encaixando, na medida em que vamos descobrindo quem somos realmente e  nos aceitando tal como somos.
Ao entrar no curso de Letras da UFRGS encontrei mais uma peça importante do tabuleiro da minha existência. Finalmente tive por tema de estudo a leitura dos “clássicos dos clássicos”, cheguei  no filão de ouro da literatura poética da civilização ocidental. Tive que ler nada menos do que Ilíada e a Odisséia  de Homero, Eneida de Virgílio, além da Divina Comédia de Dante e o Dom Quixote de Cervantes, e muito Shakespeare. Tudo de bom! Todas estas leituras estavam prometidas desde a minha juventude, desde aquela época eu tinha certeza que estava escrito nos astros que isto ia acontecer ao natural, no momento em que eu estivesse  pronto para receber esta overdose do mais puro alucinógeno na veia.
Mas antes de chegar nesta que julgo ser a minha praia, tive que minerar como engenheiro em outras jazidas menos literárias, jazidas de carvão e  de ferro em estágios, e de água no Dmae. Passei pelo filão também de ouro da Filosofia Ocidental, estudando as obras de Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel e Nietzsche. Literatura-poética e filosofia são duas peças que se encaixam perfeitamente e me complementaram uma necessidade primordial, a qual eu nunca consegui entender a sua origem em mim (será de encarnações anteriores?). Só me restou acatar e me aceitar confuso tal como sou.
Ao completar 56 anos de idade e 39 anos de venda da minha força de trabalho, construí as duas  peças que juntas somaram o cabalístico número 95. Número este que me abriu a passagem para o portal do domínio do tempo, com o ganha-pão garantido pela aposentadoria do engenheiro que fui. Sinto-me como quem passou a vida toda em stand-by esperando aquele momento.
O mesmo fenômeno cósmico vejo acontecer agora com a minha mulher, que acabou de conquistar as peças do número cabalístico trabalhista que lhe dá direito à alforria da sina de ter que cumprir cargas de trabalhos diários para garantir o seu sustento, podendo a partir deste mês de agosto se aposentar  a qualquer momento que queira.
 Contudo, para a Magda querer sair tranquilamente, faltava ainda ela conseguir encaixar a peça da priorização da qualidade de vida do momento atual (se libertando do relógio de ponto),  com  a peça de melhorar o rendimento financeiro futuro, coisa que demandaria mais doze meses para incorporar a tal gratificação GDAE aos salário. Afinal, o Dmae para o qual ela trabalhou por mais de vinte anos já não existe mais; e com esta nova estrutura ela não mais se identifica e nem se sente estimulada a permanecer mais tempo na ativa em troca de um pouco mais de grana (cerca de meio salário mínimo) nos seus proventos.

Os astros conspiram a favor da soltura das amarras trabalhistas fazendo surgir demandas familiares emergenciais. Ao que tudo indica,  poderemos  acrescentar logo logo mais uma peça no quebra-cabeça de nossas vidas: a de um casal de aposentados do Dmae. E isso, pelo jeito, é pra já.
 Estamos sendo exigidos pelas circunstâncias e precisamos propiciar maior dignidade aos nossos pais que, caducando, se dirigem para a fatal barreira dos noventa anos de idade. Estão no triste purgatório da falta de autonomia da quarta idade (jovem, adulto, idoso e velhinho), em que penam antes de caírem no abismo dos desmanches dos quebra-cabeças das vidas de todos nós: no além.  
Estaremos todos condenados a cumprir sentença numa cela solitária de uma casa geriátrica antes de nos aposentarmos desta vida?...

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