De Žižek à Hugo Chaves e aos Coletivos Urbanos


Acabaram de me informar que o Hugo Chávez morreu. Vou iniciar minha conferência aqui em Porto Alegre dizendo que: Hugo Chávez era um dos nossos! Assim falou Žižek, o atual filósofo pop-star da esquerda mundial (uma espécie de novo Sartre), na abertura de sua palestra com o sugestivo título: De Hegel à Marx e de volta à Hegel.
Slavoj Žižek é um tipo esquisito, como o seu próprio nome, com acento na letra z, é cheio de tiques gesticulares e fala como uma metralhadora atirando pra tudo quanto é lado. Nascido na capital da hoje Eslovênia (ex-país comunista do leste europeu), doutorou-se em Filosofia e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Žižek é conhecido por seu uso de Jacques Lacan numa nova leitura da cultura popular, e tópicos como o leninismo,  fundamentalismo e tolerância, o politicamente correto e outros.
É sabido que Marx era um seguidor filosófico de Hegel, e que derivou do mestre achando que o filósofo tem que agir politicamente para transformar o mundo, e não apenas buscar entendê-lo e explicá-lo. Deu no que deu, no violento sistema stalinista. Žižek vivia no olho do furacão comunista quando ele implodiu, mas ainda acredita na utopia marxista, apenas recomendando que se retorne de Marx à Hegel, pra estudar o que faltou no projeto leninista de  socialismo que acabou descambando para a violência.
 Neste vazio de  projeto pós-moderno para aglutinação dos esquerdistas do mundo, Hugo Chávez achou nos ideais utópicos do General Bolívar, que lutou por uma América unificada e libertada do colonialismo estrangeiro, a bandeira de luta para promover a sua Revolução  Bolivarista da população indígena da Venezuela. Revolução esta que se propagou pela vizinha Bolívia, com o indígena Evo Morales. No grito e no joelhaço, contra o democratismo das elites dominantes, Chávez conseguiu socializar a riqueza do petróleo venezuelano, transformando o país no menos desigual em distribuição de renda na América Latina, conforme a ONU. A Unesco declarou a Venezuela  um país livre do analfabetismo. A truculenta revolução bolivarista de Chávez reduziu a pobreza em 50%, e a pobreza extrema se reduziu de 29% para 7%.

 Juremir Machado, em várias colunas antigas sobre o chavismo e os agourentos da morte de Chávez, destacou que mesmo sendo um recordista de ganhar eleições, o cara é criticado e condenado como um ditador, especialmente por ter cometido o pecado mortal de realizar uma reforma agrária, com distribuição de terras aos camponeses, e ter reduzido a carga de trabalho de 44 para 36 horas semanais. Agora o jornalista voltou à carga comparando a semelhança entre Venezuela com o Brasil, onde para as elites qualquer política pública que privilegie os miseráveis é rotulada de populista. Funcionou contra Getúlio e Jango, mas já não colou no Lula. Populismo foi um conceito inventado pela direita como álibi para não se tocar nos interesses dos ricos.  
Chaves foi além, realizou até o sonho de muitos dos seus críticos no Brasil: extinguiu o senado e fixou em, no máximo, três os mandatos permitidos para  deputados. Poucos governantes foram alvos de campanhas de demolição tão odiosas como o ex-presidente da Venezuela, assim como poucos foram tão idolatrados pela sua tribo, literalmente. Chávez, que adorava instigar a ira imperialista dos ianques “donos do mundo”, fez jus à uma emblemática manchete de um jornal norte-americano: Morreu um provocador!
Slavoj Žižek reconhece que o sistema capitalista é universal, funciona bem com qualquer religião ou regime político, como paradoxalmente até na China, país que está demonstrando ser o comunismo o melhor administrador do novo capitalismo. O cara afirma que não estamos vivendo uma crise global, que esta é uma crise estritamente local e européia. Diz que a Europa está perdendo sua função de modelo, o que não é um fenômeno para se comemorar, pois o que está surgindo em lugar do capitalismo europeu é o asiático, um capitalismo mais autoritário.
 Até aqui eu estava concordando em gênero e grau com o filósofo marxista. Mas como ele é um notório polemista, eu estava até achando tudo politicamente correto demais, até ele afirmar que devemos nos livrar dos mitos da democracia direta. Contou que  acompanhou o movimento Ocupa Wall Street, e verificou que as propostas eram totalmente confusas. Por haver revolta não significa que irá aparecer alguma opção séria, e o problema é quando a esquerda não tem projeto que seja aceito pelas pessoas do movimento. Como exemplo, citou o fato de os partidos islâmicos terem tomado conta do Egito na esteira revolucionária da Primavera Árabe.
 O problema é como mudar a vida real depois do êxtase revolucionário, quando tudo volta ao normal. Conclui dizendo que não gosta desta idéia esquerdista de que precisamos de democracia participativa, na qual estaremos todos engajados. A maioria de nós, na qual se inclui, não quer participar o tempo todo de política, quer um Estado eficiente que lhe permita viver em paz. Considera o Brasil  um bom exemplo daquilo que, com uma política inteligente, se pode fazer dentro das coordenadas do capitalismo global.
Pessoalmente, enquanto um esquerdista humanista não marxista, já fui mais encantado com a democracia direta, a partir da experiência do orçamento participativo portoalegrense e do Fórum Social Mundial. Porém, tem bagulho bom aí! O principal fato político da eleição municipal de 2012 foi o episódio surreal das cenas de violência despropositada das forças de repressão contra os jovens que protestavam mobilizados pelo movimento “Defesa Pública da Alegria” no entorno do boneco inflável “Tatu Bola da Copa-Cola”, símbolo da copa do mundo de futebol.  O protesto diante do mascote da discórdia reunia músicos, artistas plásticos e de teatro, e ativistas políticos dos grupos chamados de Coletivos Urbanos, como o Levante da Juventude, Bloco de Laje, Cidade Baixa Livre, Catarse, Comitê Latino Americano, Punks do Coletivo Galera do Bosque, Raiz Urbana e RUA (Rastros Urbanos de Amor).
 Os movimentos sociais, de tanto serem atropelados, como os ciclistas da Massa Crítica, estão passando à frente dos partidos políticos e, PEDALANDO PELADOS, estão partindo pra fazer a democracia direta com as próprias mãos em Coletivos Urbanos que se multiplicam em metrópoles  como São Paulo, Rio,  Florianópolis e Porto Alegre.

 Contudo, nisso eu discordo do Žižek.  Hoje , como dizia o Gonzaguinha, “eu acredito é na rapaziada, que vai em frente e segura o rojão. Eu levo fé é na fé da moçada” dos Coletivos Urbanos, que em vez de protestos promovem intervenções criativas na cidade. Sem vinculações com partidos políticos nem palavras de ordem surradas, estão formando as bases do ativismo cidadão do século 21, articulados em redes tecnológicas e voluntariados em estruturas anárquicas de democracia direta. Os Coletivos Urbanos equivalem ao retornar de Marx à Hegel, ou seja, de fazermos no próprio movimento, aqui e agora, a prática dialética do futuro idealizado.



2 comentários:

  1. É meu amigo Celso, eu também já fui deslumbrado com o socialismo, porém com o passar dos anos a cada dia mais tenho impressão de que necessitamos de um presidente com braço de ferro para condenar toda a corrupção que se alastra neste país... Talvez uma espécie de Hugo Chaves Brasileiro que invista mais em educação e que diminua a desigualdade social.
    Enquanto isto não acontece vamos apoiando os movimentos sociais interessantes e tentando fazer com que os jovens vejam no mau exemplo dos nossos políticos um caminho que eles não devem seguir.

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  2. Celso, vejo nesses movimentos de manifestações fora da ortodoxia um certo retorno ao ativismo contracultural dos anos 60 e 70.
    Na prática, não sei se funcionam. Os interesses políticos, midiáticos e econômicos são muito fortes e enraizados e este tipo de resposta pode soar, apenas, como uma demonstração de vigor juvenil com certo ar anarquista.
    O capitalismo é muito esperto, quando não pode combater uma dissidência ele, capitalismo, a integra e passa a massificá-la, tirando todo o conteúdo revolucionário que aí havia.
    Pode ser que esteja errado, mas não acredito que as estruturas do "estabilishment" se abalem...

    Ricardo Mainieri

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