OS NOSSOS MORTOS


          O incêndio na boate Kiss, que deixou 231 pessoas mortas e mais de 200 pessoas feridas, a maioria jovens estudantes de Santa Maria, a cidade universitária, chocou o estado, o país e o mundo. Mortes prematuras em circunstâncias evitáveis por responsabilizações técnicas sempre nos causam um misto de comoção pela dor dos familiares, e de revolta pela lógica capitalista de evitar despesas  com dispositivos de segurança. Assim é no lazer e no ambiente de trabalho das pessoas.
          Hoje, com toda esta tensão apreensiva decorrente da cobertura sensacionalista da mídia sobre a tragédia dos jovens mortos da verdadeira “câmara  de gás” na boate “Kiss da Morte”, ao ver uma equipe de manutenção da CEEE trabalhando na rede de alta tensão, me arrepiei só de lembrar das vezes que eu próprio exerci esta atividade de alta periculosidade... 

Com tanta consternação mundial, passei a  me lembrar de acidentes fatais ocorridos no meu ambiente de trabalho, como o caso do jovem eletricista Ubirajara Teixeira, o Bira, lá pelos anos oitenta e poucos. Na ocasião do acidente do Bira, eu era o técnico industrial de plantão da DVM durante o final de semana, quando fui acionado em casa, no turno da noite. Ao chegar ao local, fiquei sabendo que a equipe da manutenção tinha se retirado do local para levar um dos colegas ao Pronto Socorro, o qual tinha sofrido uma descarga elétrica.
 Sem maiores informações técnicas de qual defeito estava ocorrendo na estação, tomei os procedimentos para tentar colocar em funcionamento os grupos de bombeamento de água; de modo que sozinho resolvi fechar as chaves seccionadoras de alta tensão no poste de entrada de energia. Quando bati o último elo-fusível pude ter a dimensão da gravidade do acidente de trabalho que vitimou o Bira, pois o prédio ficou parecendo um dragão agitado, cuspindo fogo e soltando baforadas de fumaças pelas portas e janelas, até que novamente queimassem os fusíveis de alta tensão do poste onde eu estava trepado na escada e apavorado com o “cagaço”.
 Na minha prática profissional de manutenção eletro-mecânica levei muitos cagaços com altos riscos de morte, em alguns salvo pela sorte e pelo acaso, para poder estar aqui contando causos. Como o que ocorreu certa feita, quando eu e o Seu Oswaldo (vulgo Cerração, falecido pai do colega Neblina), capataz de equipe e meu primeiro mestre no trabalho de campo da manutenção. Estávamos consertando uma chave de partida de um motor de grande porte da antiga USINA quando, por sorte, no momento em que fomos testar o funcionamento do quadro de comando elétrico, ao invés de ficarmos com a portinhola aberta para observarmos o acionamento dos dispositivos internos, resolvemos fechar a portinhola para observamos os aparelhos de medição que estavam fixados nelas (amperímetros e voltímetros). Ao apertarmos o botão de liga, ouvimos um grande estrondo dentro do quadro e automaticamente desarmou toda a estação. Depois de corrermos até a rua no cagaço e voltarmos cautelosamente, quando abrimos a tal portinhola, diante da qual estávamos os dois com a cara exposta, vimos que pelo lado de dentro escorria metal derretido que foi projetado em decorrência do curto-circuito que ocorreu, de modo que se estivéssemos com a portinhola aberta,  estaríamos fritos!...
Naquela noite do acidente de trabalho do Bira, logo em seguida chegou o colega Barradas (já falecido), que era o engenheiro plantonista, e juntos colocamos em funcionamento a EBAB Menino Deus. Depois acompanhamos o caso, junto com a capataz Jorjão (que era uma fofura de negão de 180 Kg com “barriga de avental” - também já falecido), então chefe imediato do acidentado. Bira ficou sobre observação médica por vários dias no HPS, por apresentar queimaduras internas,  devido aos gases quentes que inspirou na hora que acidentalmente provocou um curto-circuito com as ponteiras do aparelho com que efetuava medições elétricas (multímetro manual) e que estava muito próximo do seu rosto. Em decorrência destas queimaduras internas o Bira faleceu, creio que poucos dias depois do acidente, sem ter chegado a sair do hospital.
-Valeu Bira! 
 Valeu! – Também para tantos outros colegas que partiram na ativa, sem chegarem à aposentaria, por morte causada por doença ou “de susto, de bala ou vício - num precipício de luzes entre saudades e soluços” ( Parafraseando o Caetano Veloso - Soy Loco Por Ti DVM!):
-Wander (Louquinho), Paulo Ricardo de Freitas (Pé de Vento), Araújo (Fofinho), Juarez da Silva (Lagartixa), Gilberto Santos (João do Pulo), Paulo Rogério (Gato);
            -Gelson Barros (Barrinho), Eduardo Calesso: mortos por doenças.
-Fábio Mentz (Scooby Doo), Roberto Garcia (Poste), Paulo Ricardo Gonçalves (Ratão):  mortos por acidentes de automóveis e afogado no mar;
- Mortos por acidentes de trabalho (por choque elétrico e afogamento, respectivamente): Ubirajara (Bira), Cláudio Martins (Careca - que morreu afogado na EBAB Ilha da Pintada).

Valeu! – Também para o  outro lado, o dos aposentados da DVM,  dos que chegaram a usufruir algum tempo da aposentadoria, mas que já partiram desta vida: o pastor Tio Pedro (o Amiguinho), Seu Oswaldo (Cerração), Jorjão, Bulbós (conterrâneo de Herval), Fernando (Manjerona), Alonço (Ratinho-Miau!), Iracema, Vera (Dona Flor), Hartmut, Joreci (Jacaré), Eny (Pelicano), Noel Lucas (Mazzaropi), Ciríaco (Mangona), Carlinhos (Pai herói), James (Mão Pelada), Mário Bernardes (Pantera Cor de Rosa).

Por último, com as fotos que eu próprio bati, faço minha homenagem póstuma para a Silvia Maria Roque de Barros, que faleceu em outubro de 2012, com 45 anos de serviços prestados ao Dmae, funcionária que optou por não se aposentar e continuou na ativa se  dedicando ao seu trabalho até o último dos seus dias:
- Valeu Silvia!!!


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