AAA: AUXÍLIO AOS APOSENTANDOS ANÔNIMOS

05/07/2010

        A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, cujas estimativas é de que nos próximos seis anos se aposentem seis mil funcionários, cerca de mil por ano, sendo que somente no DMAE deverá se aposentar em torno de trezentos servidores por ano nos próximos três anos, está promovendo uma espécie de curso preparatório para os seus aposentandos. É o denominado ‘Programa de Preparação para Aposentadoria (PPA), que promove encontros quinzenais com três turmas de trinta funcionários em vésperas de se aposentar, onde são realizadas palestras com uma temática específica em cada um dos quinze encontros programados de abril até meados de dezembro de 2010.
        No primeiro encontro houve a tradicional rodada de apresentações, típica das reuniões da “AAA” (Associação dos Alcoólatras Anônimos), porém num formato mais interativo. Em duplas, cada um se apresentava para o colega ao lado e depois cada um apresentava para o grande grupo o colega a partir do que acabara de ouvir de sua auto-apresentação. Resumindo, a minha colega ao lado é funcionária da SMED e está decidida a se aposentar por livre e espontânea vontade até o final do ano, para poder sair pelo menos seis meses antes que ela seja expulsa do trabalho pela compulsória. Quer sair, apesar de contrariada, por suas próprias pernas... Quanto às suas expectativas sobre o curso, disse que esperava espantar os fantasmas desta transição para a aposentadoria, durante a qual muitos colegas partem desta vida ou logo após se aposentarem...

         A coisa mais chocante deste primeiro encontro ocorreu durante o preenchimento de um formulário de informações gerais sobre hábitos e práticas pessoais, quando me deparei com a seguinte pergunta: - Quantos dias por semana ingeres bebida alcoólica: 1,2,3,4,5,6 ou 7?...Deixei a questão em suspenso e a levei ressoando como um sino na minha cabeça, prometendo a mim mesmo ter uma resposta socialmente adequada para dar até o final do curso.
        No encontro da quinzena passada a temática era “O Aspecto Familiar na Aposentadoria”, em que cada membro devia levar um familiar para participar da reunião e onde duas especialistas em Terapia Familiar abordaram (na presença da minha mulher!) os aspectos de ansiedade, medo e apreensão quando um casal se aposenta e tem que compartilhar e ficar se olhando durante muito mais tempo...
        O tema de hoje foi “Aspectos Psicológicos da Aposentadoria”, onde um psicólogo novamente iniciou a reunião promovendo a rodada de auto-apresentação, para salientar depois as relações do trabalho com a identidade da cada um: eu sou engenheiro do DMAE, eu sou professora, eu sou arquiteto...Nós nos identificamos com aquilo que a gente faz. Se o “fazer” nos estrutura uma identidade, o ócio pode nos desconstituir. Ao nos aposentarmos, quem somos nós quando não somos mais o engenheiro do DMAE, a professora da SMED ou o arquiteto do Meio Ambiente?...
         O psicólogo estava abordando as diferenças culturais entre o homem e a mulher, as quais vão repercutir em posturas bem diferenciadas frente à aposentadoria, quando uma colega do curso puxou da bolsa um recorte de jornal e comentou sobre a coluna do Juremir Machado do Correio do Povo de hoje, intitulada “A Mulher de 70 anos”. O palestrante achou oportuno e solicitou que ela lesse a coluna para o grande grupo, cujo conteúdo resumidamente nos aspectos de contraponto feminino-masculino, dizia o seguinte:
        O homem é prosaico. As mulheres são poéticas. O homem é diurno. A mulher é noturna. O homem é apolíneo. A mulher é dionisíaca. Felizmente, há homens com alma feminina.
       Um homem de 50 anos quer ficar no sofá vendo jogo de futebol e bebendo cerveja. Não vê mais razão para sair, dançar, seduzir e divertir-se. Aos poucos, fica com a aparência e o cheiro de um lobo-marinho em cima de um rochedo. Com homem é assim: ou sai para caçar ou coloca pantufas e aposenta o rifle. Há os que saem para trair. A idade e os hábitos, contudo, os tornam invisíveis. Recuam para a frente da televisão e ali ficam.
       O homem mediano organiza sua vida em torno de quatro elementos que, depois de levá-lo ao topo, terminam por derrubá-lo: a racionalidade, o utilitarismo, o trabalho e o tempo como valor econômico. Só as mulheres conhecem realmente a importância do supostamente inútil: produzir-se, em vez de só produzir, consumir, em lugar de se consumir, gastar e gastar-se, buscar o prazer até o fim.
       O sonho de um homem de 50 anos é ter uma Copa do Mundo a cada seis meses para ver a bola rolando sem parar. As mulheres de 70 anos até sonham com futebol, mas é para ver as pernas do Messi, do Kaká e do Cristiano Ronaldo. A única alternativa para o homem de mais de 50 anos com a vida econômica encaminhada é a política, que permite brincar de estratégia com os amiguinhos parecendo útil e racional. As mulheres de 70 anos encontram coisas mais agradáveis para fazer.
        Não há melhores leitoras do que elas. Captam o essencial. Homens querem saber da mensagem, do conteúdo e da ideologia. Mulheres de 70 anos percebem a forma, o jogo, a fórmula, as figuras de linguagem, as nuanças e os estilos.
       Talito, aposentando do DMLU
Como fechamento conclusivo de sua palestra, o psicólogo Regis Caputo Krug (que vai criar cavalos de raça quando se aposentar da PMPA daqui a dois anos) ressaltou que a tendência à invisibilidade  de um aposentado (quando ninguém mais presta atenção e nem sequer respondem aos seus pedidos, quando vira um móvel da casa ou uma mala sem alça e sem rodinha) no meio familiar e social é uma conseqüência direta da pessoa não se adequar aos novos papéis que estão colocados para ela exercer nesta nova fase da vida e, principalmente, dela não ter projetos de atividades criativas em coisas que gosta muito de fazer. Considera que todos somos potencialmente loucos com fortes dispositivos de controles que nos permitem operar dentro da normalidade social, mas que com o avanço da idade os controles vão se afrouxando e vão aflorando as neuroses de cada um. E o quadro se agrava no cenário do chamado “sentimento de impunidade da velhice”, quando o velho passa a se dar a liberdade de fazer e dizer tudo o que bem entender, por conta de já estar se sentindo cada vez mais com o pé na cova. A internet e a própria correria da vida moderna tem agravado  a invisibilidade entre pais e filhos e multiplicado a invisibilidade entre netos e avós vivendo dentro de uma mesma casa. Reafirma o palestrante que a identidade é “fazer” trabalhos, mas não mais fazer por obrigação e sim por prazer; caso contrário há desistência, irritabilidade e depressão. Estudos mostram que um homem aposentado que não se interessa por fazer nada com gosto e brilho nos olhos, fica invisível, cai no alcoolismo (ingerindo bebidas alcoólicas “socialmente” sete dias por semana) e morre em quatro anos!...



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