Engenharia Sociológica nas Vilas

  -Conta aquela!...Pediu-me por e-mail um amigo leitor deste blog, tipo aqueles “bebuns” em boteco com música ao vivo, pedindo para o vocalista cantar uma das antigas:
  - Conta da ASSEC e de como você me deu as primeiras dicas de EXCEL...pediu ele.
         Esta postagem vai, à pedido, para o meu amigo Konrad.

        Quando terminou a grande epopéia da Intervenção postada neste blog como Ocaso do Montepio, encerrou-se também o meu estar à disposição da Comissão de Intervençaõ. Então, feito o personagem Ulisses da Odisséia de Homero que ficou à deriva quando retornava vitorioso da Guerra de Tróia, ao tentar retornar para o DMAE fiquei três dias sobrevoando sem ter teto para pousar, mais precisamente sem um local para trabalhar e nem uma cadeira para sentar. O Nerci, que era o Superintendente de Operações da época, também oriundo da Divisão de Manutenção, autorizou que eu ficasse em casa e que telefonasse diariamente até que ele conseguisse um ancoradouro onde eu pudesse atracar. No quarto dia lancei âncora numa salinha apertadinha com mais três colegas na ASSEC.
       A Assessoria Comunitária (ASSEC) era um apêndice da estrutura operacional do DMAE na Era Petista. Este órgão, na verdade, era extra-oficial, pois nunca existiu no organograma da empresa. A Assessoria Comunitária, porém, vem de antes do PT, foi impalntada pelo primeiro prefeito eleito, Alceu Collares, no início da redemocratização do país, quando a administração pública percebeu a importância de se estabelecer um relacionamento mais sociologicamente profissionalizado com as comunidades carentes da nossa cidade. No início, na gestão pedetista e sob a coordenação da Drª Alpha, este serviço comunitário era denominado de PROSAVI (Programa de Saneamento de Vilas).
       Meus novos colegas de sala eram dois engenheiros civis (Marcos Scharnberg e Weber) e um arquiteto (Konrad), mas em seguida o Weber foi transferido e ficamos em três, por cerca de dois anos. Soube que pouco tempo antes de minha chegada já tinham passado por lá os engenheiros Souto, que hoje é o Superintendente Operacional, e a engenheira Sônia, que posteriormente foi minha diretora quando transitei por breve tempo pela Divisão de Planejamento. Foi um período de intensos aprendizados mútuos através de trocas de experiências profissionais e culturais. Com os meus colegas da sala aprendi a dominar a elaboração de projetos de redes públicas de água e de esgoto cloacal, período em que inclusive cursei disciplinas de saneamento no curso de Engenharia Civil da PUC; em contrapartida, como eu era recém saído da universidade, já estava mais familiarizado com os recentes computadores pessoais (PCs), pois já tinha o meu particular a algum tempo para fazer os trabalhos da faculdade, de forma que pude auxiliar na introdução dos colegas na nova geração de programas da Microsoft, especialmente o Excel. Trocamos muitos disquetes e fitas cassete com músicas da preferência de cada um: eu com MPB, o Konrad com rock da antiga e o sociólogo Jorge Maciel Caputo com o repertório cubano, argentino e, sobretudo, o uruguaio.
 Éramos um grupo técnico de engenharia cercado por sociólogos por todos os lados: tinha a Fátima Silvello, a Antônia, a Lea Maria, a Enid Backes e o figuraço do Roque, um ex-seminarista da velha-guarda, oriundo de movimentos igrejeiros junto aos colonos sem terras, um radical defensor raivoso de soluções imediatas para as comunidades carentes dos serviços de água e esgoto, independente dos estudos de viabilidades técnicas. O “Padre Roque” achava um absurdo o departamento gastar dinheiro com aparelhos de ar condicionado para os seus funcionários, ao invés de gastar este dinheiro com as pessoas carentes da periferia...
        Vivíamos o período de ouro da Orçamento Participativo, cuja implantação e coordenação geral no âmbito de toda a prefeitura foi feita, durante os dois primeiros mandatos petistas, pelo meu irmão Gildo Lima, em cujas noturnas reuniões temáticas nas mais humildes vilas e inimagináveis comunidades, era exigido a presença dos técnicos, para não deixar que os sociólogos viajassem demais na maionese de seus devaneios teóricos de realização das demandas reprimidas dos mais pobres. Éramos os faróis do realizável, por sermos técnicos também petistas ou simpatizantes. Aliás, a princípio, ser no mínimo de esquerda era um perfil necessário para compor a equipe da ASSEC, já que este era o órgão que fazia o corpo-a-corpo com as comunidades em nome da Administração Popular. Mas, por mais contraditório que possa parecer, o coordenador geral da Assessoria Comunitária nesta época era o farmacêutico Alceu, oriundo do PDS do prefeito Dib e que migrou para o PFL quando Wilson Ghignatti assumiu a Direção Geral do Dmae. Estando prestes a se aposentar, o Alceu estava transitando bem até entre os pele-vermelhas petistas que ocupavam territorialmente a ASSEC; e foi coordenador até sair atrás de seu sonho de ficar rico com a venda de produtos da Amway na sua aposentadoria.
        O trabalho da assessoria técnica era o de receber as demandas de extensão de redes de água, captadas pela linha de frente dos assessores infiltrados nas favelas, geralmente de extensões de rede morro acima, devido às novas construções de casebres em alturas topográficas onde a pressão da rede de água não alcança. Pelo menos não como determinam as normas técnicas, qual seja, de ter pressão de 10 metros de coluna d’água nos hidrômetros de entrada das casas (para poder acionar devidamente os chuveiros elétricos). Qual hidrômetros, que nada!...Nossa função “politicamente correta” era a de ter consciência que a água e o esgotamento sanitário são uma necessidade essencial que precisa ser garantida pelo serviço público para as pessoas, mesmo que elas não possam pagar. Assim, contrariando o senso comum do corpo técnico do DMAE, elaborávamos projetos de extensão de rede de água mesmo sem as condições mínimas das normas de abastecimentos, de modo que os usuários ficavam sujeitos a só terem abastecimento durante a noite, quando baixa o consumo de água pela população e a pressão consegue alcançar locais mais altos. Com certeza era infinitamente melhor para estas populações ter um abastecimento com interrupções diárias, de modo que pelo menos pudessem encher os seus reservatórios durante a noite, do que não ter nada dia e noite em respeito às normas técnicas, e ficarem dependendo de caminhões pipas. Era um posicionamento técnico politizado de nossa parte.
        Segundo depoimento do Konrad, que ficou mais tempo por lá juntamente com o Luiz Fernando Albrecht, depois que eu saí em 1997 e vim para ser Diretor da DVM, a ASSEC foi extinta no início do governo Fogaça, sob a alegação que o seu papel poderia ser desempenhado por outros setores da Estrutura do DMAE. Mais tarde se viu que isto não se realizou, pois a ASSEC não era simplesmente uma Assessoria Comunitária, ela agregava outros valores de atuação integrada com educação ambiental e participação comunitária no planejamento das ações do DMAE.
                    Eu sei que durante este meu trabalho na ASSEC, além de comer os suculentos e inigualáveis churrascos de ripa de costela assados pelos colegas Coelho e Paulo Melo da topografia, secretariados que fomos sucessivamente pela colegas  Kátia da Costa,  Lauren Taís e Elizete dos Santos, tive a oportunidade de vistoriar e fazer levantamentos em becos, vielas e vilas que me marcaram muito, que me deram consciência das péssimas condições de vida em que vivem parcelas significativas da população portoalegrense. Vi muitas crianças brincando de barquinho em esgotos à céu aberto, mas pude projetar e determinar também a construção de muitas redes de esgotos...Conforme quantificações que fazíamos na época para justificar o recebimento da Gratificação de Incentivo Técnico (GIT – que foi uma espécie de introdução ao “ganho por performance” dos PGQPs atuais), eu projetei a execução de mais de 5.000 metros de pequenas extensões de rede de água, possibilitando o acesso a esse bem vital a milhares de pessoas:

-Valeu companheirada da ASSEC!

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