Jogos Infantis: Futebol, Religião, Política e Carnaval

          Anos atrás, antes de eu me aposentar no Dmae, no meio de uma discussão acalorada com um amigo petista que continuava politicamente engajado (que não reconhecia que o “sonho acabou” e que só ficou a remela), eu usei um argumento que achei interessante desenvolvê-lo melhor, por apresentar um bom potencial (pelo menos literário). Dizia eu que a política é um dos entretenimentos sociais, assim como a religião e o futebol. Todos pertencem ao gênero dos gostos humanos e, como se sabe, gostos não se discute! Se diz que gostos não se discute porque não têm racionalidade, não exigem razões para se gostar mais do vermelho do que do azul (apesar de eu achar o vermelho bem mais bonito!). A gente gosta simplesmente por ser mais agradável aos sentidos ou ao entendimento de cada um. Entretanto, por futebol, política e religião as pessoas até se matam umas às outras em defesa de seus gostos.
         Na verdade, os gostos são as coisas que mais gostamos de discutir, são as que geram as discussões mais acaloradas e até explosivas, tanto no futebol quanto na religião e, especialmente, na política. Por mais que se queira ser condescendente, não dá para admitir que existe alguma racionalidade entre o que se diz e o que se faz na ação política, assim como na religião e no futebol. Estas atividades envolvem uma mera questão de fé cega para levar alguém a acreditar e continuar se envolvendo institucionalmente na defesa de seus indicadores de realizações e benefícios na vida das pessoas.
          Na ação política, em particular, todos os governos, sem exceção, sempre têm longas listas de “grandes realizações” sociais, com números e percentuais que comprovam que “nunca neste país se fez tanto”... E o país, coitado, se afunda cada vez mais na primitiva violência urbana da “guerra de todos contra todos”, incrementada pela corrupção e pela crônica falta  de crescimento econômico.
          Mas o enfoque que literariamente me fez reproduzir este tema foi o sintetizado pela metáfora das “brincadeiras infantis” que utilizei na ocasião, para justificar a alienação política. Disse que tanto as discussões de interesses político-partidárias, como as análises dos campeonatos e méritos futebolísticos, bem como as desavenças sobre quais cultos religiosos conduzem mais almas ao paraíso, são filosoficamente como brigas de crianças, em que aos adultos não convém tomar partido.
Para quem se move dentro destas esferas sectárias do entretenimento humano (futebol, religião e política) é difícil perceber que existem outras esferas mais abrangentes, tais como a literatura e a filosofia. Dentro desta metáfora de “jogos infantis”, caberia aos adultos, por serem (em tese) filosoficamente mais esclarecidos, fazer com que as crianças não briguem, lhes explicando que estas disputas acaloradas fazem parte proposital das brincadeiras, para torná-las mais vibrantes e envolventes. Caberia aos adultos orientar as crianças que tudo não passa de puro entretenimento e diversão, recursos que culturalmente utilizamos enquanto esperamos que a consciência humana evolua lentamente, através dos milênios de história da humanidade, até atingir sua absoluta realização cósmica. Caberia exemplificar que há pouco tempo atrás jogávamos gladiadores para os leões na arena, hoje já nos divertimos em apenas vibrar com um belo gol a favor do nosso time, com um emocionante sermão do pastor da nossa seita ou com um discurso inflamante de um político de nossa facção partidária. Como adultos, nos caberia confortá-las, em suas naturais ansiedades infantis, dizendo-lhes que há grandes progressos cênicos, a partir da Revolução Francesa e, agora, com a falta de água em São Paulo, com o “efeito estufa” e o “buraco na camada de ozônio”, há forte tendência no sentido da liberdade da razão, de sua maturidade e predominância nas ações humanas no planeta.
Mas esta metáfora suscitou em mim o problema colocado no filme “A Cidade de Deus”, em que as crianças se organizaram em gangues armadas e cresceram dominando com esta lógica as favelas... daí as cidades, as nações e o mundo. Assim, as gangues que se dedicaram às brincadeiras de poder político (oriunda da antiga brincadeira ingênua de polícia e ladrão), estão por aí, desde a Casa Branca até o Palácio da Alvorada e o Piratini, brincando de convencer todo mundo, pela retórica de distintas dialéticas, que se trata de uma realidade séria e única, que a coisa é pra valer. Seguem viajando na maionese virtual e convictos de suas razões irracionais, seja de Esquerda, de Centro ou de Direita.
De minha parte, atualmente prefiro brincar com as gangues das Escolas Carnavalescas, que têm mais consciência que atuam no mundo dos espetáculos. Apesar de também haver fanatismos entre as diferentes comunidades, em geral as gangues carnavalescas ainda costumam reconhecer a importância dos adversários, sem os quais não haveria o lúdico das brincadeiras e das suas manifestações artísticas. Digo “ainda” em função da polêmica criada pela Escola de Samba Beija Flor do Rio que este ano aceitou promover a divulgação de uma ditadura cruel da África em troca de um patrocínio milionário. Já vão longe os tempos em que a contravenção do Jogo do Bixo é que bancava os desfiles cariocas que se tornaram o maior espetáculo cênico do mundo. Mas, convenhamos, a vida seria muito entediante sem as acaloradas discussões sobre futebol, religião, política e carnaval. Discussões que, sabidamente, não levam a nada, mas que tanto nos divertem nos nossos jogos infantis: Sou vermelho e branco, sou Imperadores do Samba, sou bicampeão do carnaval!




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