A ESTÉTICA DO FRIO: MAIS DE 30 ANOS DE MÚSICA NA REITORIA

          O Projeto Unimúsica  da UFRGS está comemorando 30 anos; foi criado em 1981 com a proposta de abrir um espaço de amostragem para a produção musical. A ideia cresceu rapidamente e possibilitou o surgimento, na década de 80, da chamada Geração Unimúsica, da qual fizeram parte artistas como Nelson Coelho de Castro, Vitor Ramil, Totonho Villeroy, Nei Lisboa, entre outros.
       A programação  comemorativa dos 30 anos do projeto se estendeu desde julho e vai até dezembro, com a participação de Zélia Duncan, Vitor Ramil, Egberto Gismonti, Ná Ozzetti e Renato Borghetti, entre outros.
          
Unimúsica é como uma rede que abriga e embala um grande número de pessoas ligadas entre si por uma experiência comum. Tanto é assim que me encontrei, no show do Egberto Gismonti, com o amigo dmaeano Júlio Brum, e ficamos lembrando de memoriáveis shows que cada um de nós tinha experienciado naquele mesmo palco da Reitoria, no antigo Projeto Seis e Meia ou no Projeto Pixinguinha.
O Egberto Gismonti acompanhado da Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro foi um espetáculo pra lavar a alma de música brasileira, com a sua genialidade de virtuoso no piano. Houve um tempo, até o final do século passado (cruzes, como estou velho!), em que havia espaço para a música instrumental no cenário da música brasileira, e o próprio Egberto Gismonti era  um ídolo popular, produzindo discos de sucesso junto à juventude.
É sensacional ouvirmos música de orquestra e sentirmos a sua brasilidade contemporânea, sem perder o sotaque do legado clássico e folclórico de Vila Lobos, contendo a  negritude dos chorinhos do Pixinguinha e ainda agregando as contribuições dissonantes de Hermeto Pascoal e Sivuca, mesclado com o jazz harmonioso do Tom Jobim.

              Egberto Gismonti é tudo de bom junto, incluído e  misturado com muita criatividade. Foi um privilégio desfrutar de sua presença luminosamente musical!
           Encucado, depois do show, fui pesquisar informações para clarear a memória sobre os três diferentes projetos musicais que vivenciamos na Reitoria, não só o Júlio, a Amagdha e eu, mas grande parte da população portoalegrense, ao longo de mais de 30  anos. A internet é uma maravilha para organizarmos mentalmente o passado da vida da gente, pois tem a história ao alcance da mão:
          Projeto Pixinginha & Projeto Seis e Meia - o Projeto Pixinguinha tinha como inspiração o Projeto Seis e Meia, que desde 1976 lotava o Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com espetáculos acessíveis e um horário que coincidia com o fim do expediente da população que circulava pelo Centro da cidade. O Projeto Pixinguinha foi criado em 1977 pela Funarte em parceira com as Secretarias de Cultura Municipais e Estaduais, e foi interrompido 20 anos depois por falta de verba.

Através do Projeto Pixinguinha (às seis e meia), diversas cidades brasileiras puderam assistir a espetáculos de grandes artistas da música popular, como os veteranos Cartola, Jackson do Pandeiro e Marlene, os iniciantes Marina Lima, Djavan e Zizi Possi e ainda Edu Lobo, João Bosco, Nara Leão, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Vinícius com Toquinho e Maria Medalha, e muitos outros. A iniciativa foi um grande sucesso, com teatros repletos pelo país e desdobramentos como discos e programas de TV e rádio.
No primeiro ano do Projeto Pixinguinha, nenhum espetáculo teve tanto público quanto o de Marlene e Gonzaguinha. Do Rio de Janeiro a Belo Horizonte, passando por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, foram 24.372 espectadores aplaudindo o show que, montado originalmente para o projeto Seis e Meia (como todos os outros do ano de estreia do Pixinguinha), inflamou plateias lotadas nos teatros em que se apresentou naquela temporada de 1977. Eu vi: Valeu Gonzaguinha!
O outro show que fui assistir da programação dos 30 anos do Unimúsica, todos gratuitos mediante a doação de 1 quilo de alimento não perecível, foi o do Vitor Ramil - “Délibab (Ilusão do Sul) ” que é um disco de milongas inspirado nos poemas do argentino Jorge Luis Borges e do poeta pampeano alegretense João da Cunha Vargas. Ramil vai mais longe: “O álbum marca também a posição da milonga como música popular brasileira”.
O Ramil fez um brilhante texto filosófico curtinho (coisa que eu nunca consegui produzir nos meus anos do curso de filosofia na UFRGS), contido num livreto que eu comprei na entrada no Salão de Atos da UFRGS, com o pomposo título: A Estética do Frio – Conferência de Genebra. Resumindo a conferência, que o cara apresentou em 2003 na Suíça (sei lá porque lá!), o Ramil conta que estava em Copacabana suando e tomando chimarrão, quando viu no TV o carnaval fora de época do nordeste, com as pessoas derretendo. Depois passou na TV o frio e os campos com geada no RS. Ele pensou: nada a ver o carnaval, tudo a ver o frio!
Entretanto os nordestinos estão sempre inovando com suas músicas, enquanto a nossa está encarcerada pela doutrina do gauchismo e encarangada pelo frio. Pensou com seus botões: Como seria a expressão livre da estética que nos une no sul e nos diferencia do resto do país? Ora, concluiu o pensador de Pelotas, a milonga!  A milonga já era algo que ele curtia inconscientemente antes, aí se jogou neste filão de cantar a milonga como essência da estética triste do frio da terra dos pampas, los gauchos riograndenses, uruguaios e argentinos. Em contraposição às músicas alegres do Brasil tropical que promovem a festa, a estética do frio provoca a introspecção.
Pra mim, que sou de São Diogo (ou San Diego), terra da campanha fronteiriça com o Uruguai, no fim do mundo entre Herval, Pedras Altas, Jaguarão e Bagé, que com orgulho até hoje não existem nos mapas as veredas que conduzem até lá, a milonga faz brotar recuerdos das raízes e ancenstrais...
            É isso, foi um baita show da estética do frio numa noite fria de agosto na Reitoria da UFRGS!
         Como uma coisa puxa a outra na memória da vida da gente, é bom resgatar que este trabalho com a poesia e música do regionalismo riograndense, feito com abordagem pop e contemporânea da Estética do Frio é, na verdade, um legado da família  do Vitor Ramil, iniciado muito tempo atrás pelos seus irmãos Kleiton e Kledir. Pelos acasos da vida, no início dos anos 70, fui assistir a um Amostra de música no Teatro São Pedro dos alunos do Cursinho Pré-Vestibular IPV do Professor Fogaça, onde presenciei o lançamento de várias músicas dos garotos que formariam os Almôndegas e do próprio Vento Negro, que seria um grande sucesso do grupo.
Aliás, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através da Coordenação de Música da Secretaria Municipal da Cultura, homenageou a dupla Ramil com a menção especial do Prêmio Açorianos de Música 2010. O prêmio está em sua vigésima edição e é o mais importante da categoria no Rio Grande Sul. Os Homenageados do Ano, pelo conjunto da obra, foram Kleiton & Kledir, que apresentaram definitivamente para todo Brasil a nova música produzida pelos gaúchos. Eternizaram nosso sotaque diferente, nossa maneira própria de falar e cantar, com termos até então desconhecidos fora daqui, como “deu pra ti” e “tri legal”. Acabaram se transformando em símbolos do gaúcho contemporâneo, do homem moderno do sul do país, o que fez com que recebessem o título de “Embaixadores Culturais do RS”.
Woodstock...
De fato a música foi como uma rede que abrigou e embalou um grande número de pessoas ligadas entre si por uma experiência comum...enquanto os últimos 40 anos escoaram por entre os dias que contam a vida da gente.
-Fiquem ligados que ainda restam alguns ingressos do POA EM CENA, corram!

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