PITINGA, O TEU POVO TEM ÁGUA!

        Após o gozo da Licença Prêmio, tendo entrado na reta final rumo à bandeirada da aposentadoria, estou dando início ao processo de “feng-shui” oriental, que mais ou menos equivale ao “Sistema 5S” do PGQP, ou seja, de examinar as tralhas guardadas e engavetadas a fim de desovar as cargas desnecessárias, caducas e inúteis. A cultura milenar do feng-shui visa otimizar as energias, evitando-se o desperdício energético despendido para carregarmos nas costas coisas sem uso e sem previsão de serventia.
       Sozinho eu tenho ocupado em meu local de trabalho dois módulos gaveteiros, de 4 gavetas em cada um, e mais um armário com 5 prateleiras, atrolhadas de papéis (relatórios, polígrafos, manuais, etc.); isto sem contar que já repassei no ano passado um outro armário, com duas prateleiras, ao colega Álvaro, que retornava a ocupar a nossa sala, depois de exercer na sala ao lado a função de Diretor da Manutenção por cerca de três anos.
        Como o Jack estripador, resolvi começar por partes, tendo por meta chegar ao final do ano com todas as gavetas e prateleiras dos armários totalmente esvaziadas para o momento da despedida da minha sala, da minha mesa e dos meus colegas de trabalho. Começando de baixo para cima nas prateleiras do armário, decidi atacar de imediato uma caixa que contém uma tarja de identificação escrito PITINGA.
         Nesta caixa estão arquivados cópias dos estudos e projetos de um trabalho pioneiro no âmbito do DMAE, que foi o de exploração de águas subterrâneas. Com apenas dois ou três meses decorridos da minha formatura na Engenharia de Minas da UFRGS, antes mesmo de ser nomeado como Cargo em Comissão (CC) no DMAE, recebi a incumbência do Engº Valdir Flores, então diretor da Divisão de Planejamento, de preparar a licitação de um estudo geológico  visando um mapeamento e identificação de locais propícios para a perfuração de poços artesianos, bem como a contratação da execução destes poços com as suas respectivas redes de distribuição para a comunidade da Vila Pitinga.
Os ânimos estavam exaltados naquela região da cidade devido à falta de água, como se pode verificar no recorte que estava guardado na caixa com a seguinte reportagem publicada na Zero Hora em 10 de março de 1992:
       Geologicamente a cidade de Porto Alegre situa-se sobre o Escudo Cristalino Sul-Riograndense, que é formado por rochas ígneas plutônicas; simplificando, por rochas graníticas ( no popular, os granitos dos paralelepípedos dos calçamentos).
      Para a utilização de água subterrânea captada em rochas cristalinas, que não são tão boas produtoras de água como as rochas sedimentares, os poços tubulares profundos visam a obtenção de água nos locais e profundidades em que o substrato granítico apresenta falhas e fraturas geológicas, gerando vazios propícios para o acúmulo das águas do lençol subterrâneo.
     Para podermos localizar o local exato onde há maior ocorrência de falhas geológicas (regiões em que a rocha está fraturada e com grandes fissuras), contratou-se um Mapeamento Geológico de Prospecção Geofísica na região da Vila Pitinga. O método de prospecção geofísica consiste basicamente de, uma vez identificado num mapa geológico as áreas mais propícias da região em estudo, se cravar eletrodos metálicos de 50 em 50 metros e medir a resistividade elétrica da rocha entre eles, traçando um perfil que permite a identificação das zonas de rochas fraturadas e da presença de água. Portanto, não é mais com a lendária forquilha de galho de árvore que metafisicamente se faz a localização onde perfurar os poços; se bem que ainda há muitos prefeitos do interior que querem escolher o local onde o poço de abastecimento de água da cidade deve ficar, para que possa ter maior visibilidade política.
       Foi uma experiência muito interessante eu poder usar de imediato os meus conhecimentos acadêmicos de Engenheiro de Minas e ficar por semanas inteiras fazendo expediente nos matos e morros da zonal sul, junto com o pessoal da empresa que foi contratada para executar o serviço sob minha fiscalização técnica.
      Resultou que perfuramos três poços de cerca de 80 metros de profundidade dentro e no entorno da Vila Pitinga, localizada no final da Lomba do Pinheiro, próximo da Restinga; sendo dois poços com capacidade de produção de 3m3/h e um de 10m3/h de água captada de aquíferos confinados nas rochas, com isso podemos passar a dizer:
- Pitinga, o teu povo tem água!
       Com o sucesso desta experiência, no ano seguinte, em 1993, o DMAE contratou o mapeamento hidrogeológico e prospecção geofísica da Estrada das Quirinas, Beco do Lageado e Estrada Afonso Lourenço Mariante, todos estudos também da zona sul da capital gaúcha, que era carente de abastecimento de água na época. Resultou que perfuramos mais dois poços tubulares nas Quirinas (um com vazão de 15 m3/h!) e construímos um reservatório no sistema, que passou a abastecer regularmente com água subterrânea a comunidade de 100 lotes do Jardim Monte Carlos, e também podemos passar a dizer:
- Quirinas, o teu povo tem água!
      Um sistema de abastecimento por água subterrânea, para manter o equilíbrio ambiental que permita a recuperação cíclica do nível estático do manancial de água do aqüífero, não pode operar 24 horas por dia. Ocorreu, então, que na região da Pitinga, que inicialmente tinha 200 ligações cadastradas, (tomando uma média de 4 pessoas por residência, cerca de 800 pessoas passaram a ter água regularmente), com a novidade da regularização do fornecimento de água na região, naturalmente houve um explosivo aumento da população. Em 1995 foi necessário perfurar mais um poço e ainda conceber um “Projeto de Setorização e Alternância no Abastecimento do Sistema de Poços da Vila Pitinga”, que consistia em fazer manobras de 12 por 36 horas (alternando o fornecimento hora para a zona baixa (Vila Pitinga- 250 lotes) e hora para as zonas altas ao longo da Rua João Antônio da Silveira (170 lotes) e, ainda, no período noturno parar o sistema para recuperação do aqüífero. A ingrata incumbência de fechar e abrir a água diariamente, que era hostilizada pelos respectivos setores da comunidade que iriam ficar sem água nas próximas horas, ficou a cargo do saudoso colega Telmo da DVT (falecido na ativa).
- Valeu Telmo!
       O abastecimento público com água de captação subterrânea na zona sul foi adotado como uma solução emergencial provisória, até a realização das obras projetadas pelo DMAE de Interligação da Restinga com a Lomba do Pinheiro. Como de fato, a região passou a ser abastecida (tanto a Pitinga quanto as Quirinas) com água captada em Belém Novo. Mas por mais de dez anos estas comunidades foram abastecidas através de poços tubulares de água subterrânea, até que estes poços foram desativados e, a partir daí podemos passar a dizer:
- Porto Alegre, 100% do teu povo tem água!

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