EU & OS MINEIROS SOTERRADOS NO CHILE

terça-feira - 12/Out
      Enquanto engenheiro de minas que sou, me sinto não apenas solidário por humanidade (feito toda a aldeia global que está acompanhando pela mídia mundial e torcendo por um final feliz) com os 33 mineiros que estão há mais de sessenta dias sobrevivendo soterrados numa mina subterrânea no Chile; me sinto irmanado com a aflição deles como sendo de companheiros de trabalho. Digo isto por ter tido a experiência de ficar oito horas por dia durante um mês numa mina semelhante, e portando saber muito bem a sensação que a gente sente ao estar lá embaixo, trabalhando entre vultos humanos tisnados que mais aparecem assombrações e sob a ameaça constante de um soterramento  inesperado.
      Quando jovem busquei compreender geologicamente os sedimentos fósseis da terra, sua ígnea formação magmática e suas metamorfoses através do estudo da exploração de suas jazidas minerais, ou seja, assumi a condição de um aprendiz de mineiro ao me tornar um aluno de Engenharia de Minas da UFRGS.
A minha decisão de qual o curso superior deveria optar no momento de fazer o concurso vestibular, a bem da verdade, inicialmente se deu pela escolha tática de um menor grau de dificuldade de acesso entre os cursos de engenharia, uma vez que pretendia o  curso de enganharia elétrica que naquela época era concorridíssimo. Mas,  depois de conseguir migrar para a área de elétrica-eletrônica, através de outro vestibular, acabei me decepcionando com o conteúdo do curso (talvez por já ter a formação básica de eletrônica da Escola Técnica Parobé),  e decidi retomar e concluir o curso de Engenharia de Minas.
Realizei  dois estágios práticos durante esta experiência de aprendiz de mineiro, um na terra do Drummond, nas jazidas de ferro a céu aberto nas montanhas de Itabira, nas minas da CIA Vale do Rio Doce em Minas Gerais (antes da imperdoável privatização da Vale pelo FHC!); e o outro estágio nas Minas do Leão I, de exploração de carvão em galerias subterrâneas da Cia CRM do RGS, a cerca de 120 metros de profundidade.
Salvo o ganho cognitivo que adquiri sobre o planeta em que vivemos, compreendi que naquela vida de mineiro, que mais se assemelhava a trabalhar no inferno (em minas subterrâneas) ou no purgatório (em minas a céu aberto),  não seria possível acessar nenhum Paraíso, até porque não há mineração nas nuvens.
Sem esta perspectiva de almejar um paraíso, tratei logo de buscar novas atividades que me oferecessem pelo menos um oásis, e durante os últimos vinte anos me tornei um aprendiz de jornalismo na PUC (enquanto durou a bolsa de estudo que a empresa onde eu trabalho me fornecia), depois novamente na UFRGS passei a estudar filosofia (até o ano passado, às vésperas do jubilamento) e agora sou um aluno de Letras, sem a mínima pretensão de conquistar outro canudo de formatura.
Mas sempre reconheço como “bendito” o canudo de Engenharia de Minas, pois aproveitei ao máximo o título de engenheiro para ganhar “o pão de cada dia” trabalhando no DMAE, por  mais de 35 anos, com a fabricação de água potável, que não deixa de ser um minério líquido aflorante a céu aberto e que ocorre em jazidas denominadas rios ou lagos,  cuja gênese se dá nas nuvens.
Mas sou, como os mineiros chilenos, um sobrevivente do inferno dantesco que é o ambiente de trabalho de uma mina subterrânea, apenas que por sorte consegui sair antes que qualquer soterramento me aprisionasse neste suado ofício de ganhar o pão que o diabo amassou. Pude assim ganhar a vida “só na sombra e na água fresca”: no escritório de uma fábrica municipal de água fresquinha em plena capital gaúcha. Sou, portanto, um urbano engenheiro de minas soterrado apenas pelo tempo, sendo que finalmente está chegando a cápsula que irá me resgatar em 2011 para a superfície livre da aposentadoria.

2 comentários:

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  2. Belo texto. Apreciei intensamente as metáforas. Também estou envolvido no assunto. Estudo engenharia de minas na UFOP.

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