O PARADOXO DO TEMPO

        Eu lembro ainda de cabeça um poema (mas não lembro do autor) que aprendi quando estudava no SENAI, eu tinha uns dezessete anos, que dizia assim:

Deus pede estrita a conta do tempo
É custoso do tempo se dar conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo
Oh vós que tendes tempo sem ter conta
Não gastai o seu tempo em passatempos
Para não chorar como eu o não ter tempo...

       Volta e meia estes versos me voltam à mente agora que me vejo atrapalhado para do meu tempo dar estrita conta. Eu sempre tive vida dupla, a que eu buscava uma formação escolar e profissional para poder me auto-sustentar, e a que deixava dentro do armário em casa, para soltar apenas nos finais de semana, que era a de viver o mundo da literatura: ler e escrever. Ainda hoje esta minha outra vida continua fechada no armário, com direito a escapadelas furtivas somente nos períodos de férias estudantis e do trabalho, como agora que estou em Licença Prêmio escrevendo estas postagens para o meu blog-livro-diário-memorialista.
       A dupla vida, com distribuição desproporcional do tempo entre elas, se tornou mais traumática na medida que até hoje eu nunca parei de ser formalmente aluno universitário, de maneira que continuo ocupado na minha formação e no ganhar o meu sustento, sem ainda ter tido tempo suficiente para os meus voos literários.

       Mas agora é justamente o momento da virada, em que estou ensaiando não para deixar de ser estudante e sim deixar de ter o meu tempo ocupado diariamente com expedientes de trabalho. Finalmente está chegando o esperado momento de abrir o armário e soltar o poeta e aprisionar o engenheiro em casa como um aposentado.
       Ser um aposentado parece fácil, é só não ter que fazer nada (o que é bem diferente do que não ter nada pra fazer!). É como a corneta vuvuzela que azucrina os jogos da Copa2010 dos africanos, parece fácil ficar tocando ela a partida inteira, mas não é. Comprei uma vuvuzela e até agora só consegui fazer uns sons chochos e, na melhor das hipóteses, algo parecido com sons emitidos por elefantes perdidos. É preciso treino e pulmão, até o final do Mundial devo ganhar habilidade e fôlego para a vuvuzela; e até o final desta Licença Prêmio pretendo ter desenvolvido o domínio do que eu chamo de paradoxo do tempo: o fato que eu consigo fazer mais coisas quando estou trabalhando do que quando estou em férias ou em licença.
         Um exemplo notório do paradoxo do tempo foi a descontinuidade que ocorreu com a rotina de caminhadas que eu vinha relatando no início deste blog. Revelo agora que os presentes de natal (tênis e cronômetro) ainda não chegaram a ser inaugurados, pois a prática de realizar caminhadas aeróbicas (que a Drª Beatriz tanto me cobra para baixar o meu colesterol) na pista no CETE foi interrompida quando entrei em férias visando estudar para o vestibular em janeiro passado. E quando quis retomar a prática, com a chegada do frio e com e o escurinho da noite chegando mais cedo, fiquei sabendo pelo meu “instrutor” Álvaro que, nesse cenário de outono-inverno, as caminhadas devem ser feitas nas esteiras domésticas ou de academias. O que já é outra rotina que precisa ser instituída, que é a de finalmente eu dar uma utilidade para a esteira ergométrica que tenho em casa, e que foi uma aquisição feita justamente com este propósito de uso pós-aposentadoria. Academias, nem pensar: é muita perda de tempo.
        Acontece que para instituir esta nova rotina estou enfrentando dificuldades, pois este horário após o expediente em casa é preferencialmente destinado às atualizações do blog e preparo de novos textos para futuras postagens, além dos estudos acadêmicos, é claro. Na verdade, quando não estou trabalhando tenho dificuldades até de manter a minha prática de fazer alongamentos matinais por 20 minutos antes do banho, coisa que há vários anos eu passei a acordar mais cedo para isto. Mas como em férias naturalmente a gente acorda mais tarde, não dá tempo para fazer os exercícios físicos de alongamentos, no máximo consigo fazer algumas séries reduzidas: eis de novo o paradoxo do tempo!

        A propósito desse tema de exercícios físicos, é uma elogiável iniciativa da atual Administração do DMAE possibilitar a prática de ginástica laboral para os funcionários que quiserem participar, por 15 minutos três vezes por semana, sob orientação de estagiários estudantes da faculdade de Educação Física.
        Recentemente as “lindas professorinhas de laboral” nos aplicaram um questionário de avaliação do projeto, onde numa das perguntas havia uma figurinha humana para que indicássemos em quais locais do nosso corpo era “com dor” (já que grande parte dos praticantes do nosso grupo já está na “Idade do CONDOR”), ao qual pude responder a opção “sem dor” e acrescentar, “por enquanto”.
        Também por isto preciso resolver o mais rápido possível o paradoxo do tempo!...

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