A BOLA DO JOGO NA COPA DO MUNDO

       Os nomes mais pronunciados durante as transmissões do Mundial foram certamente Vuvuzela e Jabulani. As cornetas vuvuzelas passaram a ser vendidas até pelos nossos camelôs e estão inseridas no cotidiano de nossas casas, na vizinhança, pela cidade, pelo país e pelo mundo afora fazendo barulho. A Jabulani é a bola dos jogos da Copa do Mundo FIFA de 2010, realizada na África do Sul. Foi produzida pela Adidas (empresa alemã) e o nome da bola significa "Celebrar". As 11 cores da bola, de acordo com a Adidas, foram escolhidas para representar os 11 jogadores de cada seleção, os 11 idiomas oficiais da África do Sul e as 11 tribos que formam a população sul-africana.

        A bola foi muito criticada por jogadores, como sendo muito cheia de (d)efeitos especiais (realmente parece aquelas bolas baratas de plástico compradas em supermercado para as crianças). Muitos analistas classificaram as críticas como sem fundamento, e desconfiam que estas podem ter surgido da rivalidade econômica entre empresas de material esportivo, já que muitos dos jogadores que criticaram a bola são patrocinados pela maior rival da Adidas, a estadunidense Nike. Cabe registrar que atualmente a Adidas é a segunda maior empresa de equipamentos esportivos do mundo, atrás da maior rival a Nike, mas é a líder na Europa onde a Nike é a segunda.
        No jargão futebolístico, a expressão “a bola do jogo” significa uma chance cristalina de gol que pode decidir a partida. Dizer que “esteve com a bola do jogo”, portanto, significa dizer que teve a chance cristalina de vencer o jogo, mas que não conseguiu aproveitar. Nenhuma definição de “a bola do jogo” é mais explícita de que a bola do jogo, com as dimensões continentais de ser a última esperança de todo o povo africano, que foi a cobrança da penalidade máxima marcada a favor da seleção de Gana contra o Uruguai, no último minuto do segundo tempo da prorrogação pelas quartas de finais: era fazer o gol e correr para a consagração de classificar pela primeira vez uma nação africana para as semifinais! Gyan, o craque de Gana, desperdiçou a bola do jogo quando a partida estava empatada em 1x1, a qual ficou para ser decidida pelo critério da cobrança de pênaltis...
        Este mesmo lance também foi a bola do jogo para a seleção celeste do Uruguai, que há quarenta anos não se classificava para a fase de semi-finais de uma Copa do Mundo. Com o jogo empatado até os 15 minutos do segundo tempo da prorrogação, Suárez, o artilheiro do Uruguai na Copa, salva o gol em cima da linha com o pé. Não sendo o suficiente, salva de novo no rebote, mas dessa vez utilizando as duas mãos. É expulso e há marcação de pênalti. Gyan, principal nome de Gana, cobra forte e acerta o travessão. Num mesmo lance que envolve a “bola do jogo” para duas nações, Gyan passou de herói a vilão do povo africano (que inclusive passou a sofrer ameaças de morte e até pediu proteção policial) e Suárez passou de maldito, por ter provocado o pênalti que poderia ter dado a vitória ao adversário, ao herói que foi ao sacrifício de provocar a sua própria expulsão para propiciar a chance de sua equipe decidir e acabar realizando o sonho uruguaio de obter a classificação para a próxima fase do Mundial...
        Nesta copa eu torci pelo Brazil, é claro, mas também pelos africanos e pelos latino-americanos, nesta ordem de preferência. Portanto, nesta fase mata-mata (onde em cada partida um tem que morrer) sofri com a derrota da África, mas vibrei com a vitória e classificação do Uruguai como a única seleção da Ámerica Latina para as semifinais, com o gostinho especial de ter sido a última a se classificar para a Copa, tendo que pegar a repescagem das Américas pra chegar lá. Depois do grande feito de colocar 6 selecionados (México, Chile, Brazil, Argentina, Paraguai e Uruguai) pra disputar as chamadas oitavas de finais (que envolvem dezesseis equipes disputando oito vagas), os cucarachos foram caindo um por um: o México caiu para a Argentina que caiu para a Alemanha, o Chile caiu para o Brazil que caiu para a Holanda (que depois derrubou o Uruguai por 3x2 nas semifinais e que pela terceira vez morreu na praia da grande final), e o Paraguai caiu para a Espanha depois de ter a sua “bola do jogo” com a cobrança de penalidade máxima desperdiçada aos trinta e cinco minutos do segundo tempo; dois minutos depois foi a vez da Espanha ter a sua “bola do jogo” e conquistar pela primeira vez a sua classificação para as semifinais cobrando pênalti com sucesso contra o Paraguai. Cardozo, o atleta do Paraguai que desperdiçou a “bola do jogo” de sua equipe, chorava inconsolável após o término da partida, comportamento comum entre os atletas das equipes derrotadas e também nas respectivas torcidas nas arquibancadas, demonstrando as emoções extremadas próprias dessa competição esportiva mundial entre as nações. A Fúria espanhola depois derrubou a Alemanha e entrou para o seleto grupo dos campeões do mundo vencendo a Holanda (que também teve a sua “bolo do jogo” desperdiçada por Robben) na grande final por 1x0. Final de Copa do Mundo que pela primeira vez não foi disputada por nenhuma das quatro seleções “gigantes do futebol”: Brazil, Alemanha, Itália e Argentina. E o mais curioso é que reuniu duas monarquias, contando com a presença no estádio do príncipe herdeiro da Holanda (com a suas esposa argentina) e da rainha Sofia, esposa do rei Juan Carlos da Espanha; coincidência que deve indicar que as repúblicas democráticas ou ditatoriais estão em baixa futebolísticamente.
      Como torcedor eu não sou adepto do sectarismo futebolístico, cultura que muitas vezes conduz a práticas preconceituosas. Confesso com orgulho que torci até pelos “hermanos argentinos”! Gosto de futebol como uma mera bobagem de jogos de crianças, é o nosso lado lúdico que exercitamos como torcedores de futebol. Gosto de futebol como tal, como mero futebol. Assim, vibro com um gol bonito até contra o meu próprio time, o Internacional; grito “feito!” igualmente para os gols contra a seleção brasileira. O gol é o momento máximo do futebol, a sua magia tem que ser admirada pelo verdadeiro torcedor universal, seja a favor ou contra a equipe de sua preferência. No Grenal torço pelo Inter, nos campeonatos nacionais torço pelos gaúchos, inclusive pelo Grêmio; nos campeonatos mundiais torço pelos sul-americanos, inclusive pelos argentinos, apesar de preferir os uruguaios num confronto entre eles. De qualquer forma, desta vez os alemães provocaram um humilhante “adiós muchachos” aos argentinos, dando uma goleada histórica de 4x0 neste confronto de titãs multi-campeões do mundo.
          Faço meu o critério do meu amigo Konrad: se um jogador, tido como diferenciado, não brilhou na copa, não é craque! Se o Messi, eleito o melhor jogador do mundo do momento, não brilhou e nem sequer fez um gol nesta copa, o polêmico treinador Maradona, que também já foi em sua época o melhor jogador do planeta, foi certamente a “figurinha” mais marcante deste mundial, fazendo o seu espetáculo na beira do gramado e nas entrevistas coletivas (mais do que o Mick Jaeger tido como o“pé frio” da copa, mais do que a modelo peituda torcedora do Paraguai que fez fama mundial instantânea devido ao seu celular guardado entre os seios à vista das câmeras e a sua promessa de ficar nua caso fosse campeã; e mais até do que o polvo Paul, transformado em oráculo e vidente alemão por acertar os vencedores das partidas da seleção alemã e a da final – sendo que o pobre do polvo sempre escolhia a mesma caixinha da direita, a dona do polvo que colocava as bandeiras das equipes das caixinhas é que era vidente!). A pérola de frase do Maradona, desta vez, foi provocativa ao nosso eterno rei do futebol: “O Pelé deveria ficar num museu, que é o seu merecido lugar”. Pensando bem, sem preconceitos e bairrismos, acho que o cara não deixa de ter razão. O nosso rei vive há décadas das glórias obtidas a meio século atrás, vive de vender uma imagem de ídolo asséptico (não bebe, nã fuma, não cheira e nem fede no papel de politicamente correto; só faltava ser crente e bonito que nem o Kaká - o nosso atual rei que também já foi o melhor do mundo - e também a exemplo do nosso rei da música Roberto Carlos). Convenhamos, eu simpatizo mais com o tipo dos reis argentinos (Gardel, Che Guevara e Maradona), que fazem o papel de anti-heróis latino-americanos, feitos de malandragens e vivacidades e também de posicionamento político e muita pegada e garra. Com a eliminação de los hermanos o mundo perdeu a oprtunidade de ver o Maradona desfilar pelado (conforme prometeu fazer se os argentinos fossem campões do mundo) em torno do obelisco no centro de Buenos Aires, perdemos de ver a tatuagem de Che Guevara que dizem que o cara tem no corpo, ele que é amigo do Fidel Castro, não é o máximo?...
       Se esta foi a copa dos erros de arbitragem calamitosos (como o gol da Inglaterra contra a Alemanha não assinalado), também foi a dos erros dos locutores e mancadas dos comentaristas (como o Falcão que não acertou nenhum prognóstico). Sócrates, não o filósofo, mas o ex-jogador daquela seleção maravilhosamente ofensiva de 1982 (Zico, Falcão, Sócrates, Cerezzo e Éder) que perdeu a final, podendo empatar, para a Itália na Copa da Espanha, ao criticar os critérios de convocação e de estilo de jogo e método de trabalho do treinador Dunga, criou uma polêmica tupiniquim ao afirmar que estas características defensivas são próprias do povo gaúcho, que é reacionário. Na verdade a máfia futebolística da CBF, que nem o Clube dos Treze (formados pelos maiores clubes do Brasil) conseguiu desbancar, depois da gandaia que foi a também potencialmente maravilhosa seleção da copa de 2006 na Alemanha (com Cafu, Lúcio, Juan, Roberto Carlos “da meia”, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Ronaldo Fenômeno), tentou ressuscitar a famigerada “Era Dunga” para colocar ordem na Casa da Mãe Joana, que é no que estava virada a Comissão Técnica do escrete brasileiro sob o comando do Parreira e Zagalo.

         A campanha “Cala Boca Galvão!” que ganhou faixa na arquibancada do jogo inaugural da Copa, e que se espalhou como uma onda de tsunami numa campanha internacional na rede de twitter, bem que poderia solicitar imperativamente que também o Sócrates calasse a boca! Nem o Dunga encarna a concepção de futebol dos gaúchos, nem somos reacionários; politicamente somos até revolucionários. Dunga pode ter pisado na sua “bola do jogo” que o consagraria definitivamente, jogou suas principais fichas em jogadores pesteados (saindo de lesões graves: Júlio César, Kaká e Luís Fabiano) e temperamentais (Felipe Melo), mas teve um mérito, este sim característico dos gaúchos: Dunga brizolou, peitou a Globo! Botou pra correr da concentração do selecionado a primeira dama do Jornal Nacional, Fátima Bernardes, com o seu carteiraço de exclusividade sobre a CBF, e ainda disse um monte de xingamentos monossilábicos para os prepotentes repórteres da Rede Globo numa entrevista coletiva transmitida ao vivo mundialmente. Talvez mais do que a derrota na Copa, esta tenha sido a causa de sua demissão imediata do cargo, cujo comunicado em primeira mão foi dado pela televisão, antes mesmo do próprio Dunga saber, o qual só pode se manifestar através de carta pública acatando a decisão do todo poderoso Dono da CBF, Don Ricardo Teixeira. Eu até que tentei calar a boca do Galvão assistindo um jogo da seleção na TV Bandeirantes mas, com todo o respeito ao Luciano do Valle que é muito bom, fala sério, ter que aguentar os comentários fajutos do Neto com aquele sotaque de caipira paulistano é pra matar! Tanto Sócrates “não sabe que não sabe o que diz” que o treinador mais cotado para substituir o Dunga-Zangado é outro gaúcho com o qual a seleção foi pentacampeão do mundo em 2002: o Felipão Scolari (e acabou sendo outro gaúcho, o Mano Menezes!).
         A propósito dos narradores e comentaristas da copa, que passam o tempo todo fazendo campanhas apelativas para provocar o envolvimento emocional e patriótico do público, dando dimensões de extemas relevâncias existências e metafísicas a conexão dos brasileiros com a sua seleção: Todos juntos, vamos pra frente Brasil, salve a seleção...No Brasil, para se assistir a um jogo da seleção pela copa do mundo há todo um cerimonial, é um evento quase religioso como o natal ou simbólico como o reveillon. É como nestas ocasiões em que as famílias se reúnem, sendo considerada uma coisa muito deprimente ter que assistir a um jogo do Brasil sozinho, sem ter com quem confraternizar na hora do gol e da consagração da vitória, sem ter com quem chorar vendo os nossos heróis levantarem a taça e ouvindo tocar o Hino Nacional...Daí a nova tendência tribal planetária de multidões se reunirem em praça pública, onde ninguém assiste nada, mas todos compartilham das emoções por efeito cascata, a partir dos que estão mais próximos dos telões televisivos ou dos palcos de shows nas festas de entrada de ano novo.
        Mas, diante da derrota dos nossos heróis, que passam a ser perebas e vilões mercenários, diante da eliminação da seleção canarinho da competição, que invés de canarinhos se tornam amarelões, os mesmos narradores que faziam a exaltação carismática, com todo o apoio do marketing publicitário comercial, agora têm que lembrar explicitamente aos seus telespectadores que todo este circo é apenas uma partida de futebol, um mero jogo lúdico para entretenimento e para divertir as pessoas. Os narradores têm que tentar tirar todo povo brasileiro do transe hipnótico que eles mesmos criaram, pois literalmente o país pára na hora do jogo e ficam todos olhos-ouvidos-coração na televisão, alertando que não há motivo algum para haver uma comoção nacional, que não é nenhuma tragédia a derrocada futebolística, e clamar para que as pessoas não se exacerbem para não terem nenhum colapso ou ímpetos de quebra-quebra ou suicidas. Não cortem os pulsos, é tudo brincadeirinha, daqui a quatro anos tem mais!

      A bola do jogo da próxima Copa vai picar para nós, é a nossa Copa, é o Mundial 2014 no Brasil acontecendo aqui no Estádio Beira Rio. Ao menos um jogo desta competição eu vou querer assistir com os meus filhos. Afinal, vou estar aposentado e fazendo sessenta anos, entrando definitivamente na terceiridade, e esta será a minha bola do jogo para assistir ao vivo uma partida valendo pela Copa do Mundo.

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