OCASO DO MONTEPIO DOS MUNICIPÁRIOS

Como já foi comentado anteriormente, é no Gabinete Médico que se reencontram as diferentes gerações de trabalhadores do Dmae. Um belo dia de 2010 aconteceu de eu estar no saguão de espera para consultar com a Drª Beatriz, quando sentou ao meu lado um aposentado, um ex-colega não só de trabalho, mas também de militância político-sindical e de aprendizagem de vida.  Logicamente que nossas reminiscências comuns passaram por reconsiderações críticas de nossas antigas ideologias políticas: ele um brizolista ferrenho e eu, naqueles remotos tempos de 1994, ainda era um petista “lulista-olivista” quase fanático.
Fizemos, então, uma releitura conjuntural do grave confronto que vivenciamos de lados opostos, após uma longa militância sindical em que atuamos conjuntamente. Refiro-me ao episódio em que fiz parte de uma Comissão de Intervenção, decretada pelo então prefeito Tarso Genro, que destituiu a diretoria do Montepio dos Funcionários Municipais de Porto Alegre (MFMPA). Acontece que este meu ex-colega exercia a presidência do Montepio justamente naquele momento histórico, havia assumido o cargo apenas 17 dias antes (eu nem sabia!); era mais um que ingenuamente servia de “Testa de Ferro”  ao grupo mafioso. Que azar, fiquei muito surpreso ao saber em pleno front! Relembramos a dramaticidade da estratégia do ato de posse da Comissão de Intervenção, que se deu através de invasão de surpresa do prédio (acompanhados apenas de dois guardas municipais desarmados!) e pela ocupação da sala da diretoria da instituição com o Decreto do Prefeito em mãos. Recapitulamos juntos a longa agonia da diretoria deposta, que se viu forçada a buscar a reintegração de posse na justiça comum, o que só foi conseguir cerca de seis meses depois de iniciada  a intervenção.
Aqui faço um remake  dando asas ao livre relembrar de alguns aspectos deste  episódio ocorrido a partir de maio de 1994, que talvez tenha sido o mais controverso em que me envolvi em toda a minha vida. Nesta ocasião, através do Decreto Nº 11.003/94, foi formada uma “tropa de elite petista” para constituir a tal Comissão  Administrativa Provisória, com especialistas designados em cada área: um economista na presidência (Everton da Fonseca), um procurador na Diretoria Administrativa (Rogério Favreto, que depois seria o Procurador Geral da Prefeitura e hoje é desembargador!), um economista  na Diretoria Financeira (Roger Keller), na Tesouraria uma fiscal da Fazenda Municipal (Marilene Iurkfitzg), e eu do Dmae na Secretaria Geral, como especialista na política sindical da categoria dos municipários. Nos sentíamos como o grupo do Fidel Castro tomando Sierra Maestra para libertar a Ilha e devolvê-la ao povo. – Doce ilusão!...
A comissão foi investida com o objetivo de fazer valer a Lei Orgânica que determinava a realização de Eleições Diretas para a Diretoria do Montepio, e cumprir a Lei 751/94, recém criada pela Câmara Municipal, que estabelecia as Eleições Diretas para a Diretoria e também para uma Assembléia Constituinte a fim de elaborar um novo Estatuto para o Montepio. Até então a eleição da Diretoria sempre fora realizada indiretamente pelo Conselho cuja renovação era lenta e gradual,  1/3 a cada dois anos. O fato é que várias gerações de municipários ensaiaram chapas de oposição ao Conselho,  mas com o uso feudal do voto à cabresto, o mesmo grupo se manteve sempre no poder, por décadas desde a  fundação da entidade.
 Foi um cerco total para acabar com o castelinho dos “Donos do Montepio”, onde a Comissão de Intervenção foi o Cavalo de Tróia que invadiu o território dominado pelo inimigo. Com contribuições compulsórias de todos os servidores  e outro tanto dos cofres públicos, arrecadando cerca de 810 mil dólares mensais, O Montepio era nesta época uma poderosa instituição financeira. Era uma verdadeira mina de ouro, por mais besteiras e trampolinagens que os administradores fizessem, sempre entrava mais dinheiro para tapar os rombos. Eram folclóricas as filas que se formavam em torno da quadra da sede da entidade todos os inícios de meses, onde se realizavam cerca de 4 mil empréstimos mensais aos servidores municipais.  Portanto, eu entrei nessa briga consciente que para devolver o Montepio ao controle democrático dos barnabés e arigós, era necessário um plano radical de tomada do poder.
Justamente neste período da Intervenção a Diretoria do Montepio estava construindo o Shopping Olaria, o que foi um banquete para se pegar falcatruas de arrepiar  e de superfaturamentos, tudo a partir de auditorias que deram origem a várias ações ajuizadas e liminares. Uma dessas liminares foi suspendendo o repasse de milhões para a maior de todas as loucuras que pretendiam cometer: o tal de Projeto SISA (Sistema Integrado de Saúde e Assistência) que envolvia a construção de um hospital (megalomaníacos!), para entrarem no ramo de assistência médica e quebrar com a AFM e o Hospital POA, com vista de abocanharem a arrecadação compulsória destinada para a Previdência prevista pela nova Constituição, antes da criação do PREVIMPA.

O fato é que realizamos a maior de todas as eleições já promovidas dentro da classe municipária, com mais de 10.000 votantes no primeiro turno e com seis chapas concorrentes. Daí em diante foi uma guerra de liminares na justiça, a primeira devolvendo a direção da entidade para antiga diretoria. Esse foi um período difícil que, sem a máquina do Montepio, tivemos que bancar o segundo turno da eleição na clandestinidade (apenas com um apoio encolhido e assustado do governo municipal) e ainda com a diretoria irada procurando minar e desacreditar o processo. Aos trancos foi concluído o segundo turno da eleição em que disputaram as chapas do Darvin Ribas e a do Paulo Müzel, resultando vencedora a chapa alinhada com a Adminstração Petista. A partir de então ocorreram outras brigas de liminares judiciais, travadas para que a diretoria democraticamente eleita pudesse tomar posse num montepio que, a estas alturas, já estava literalmente tomado de seguranças (capangas realmente armados) para não possibilitar invasões no latifúndio que o grupo considerava de sua propriedade particular.
Durante este período de intervenção, que durou seis meses, não recebemos nenhum centavo dos cofres do Montepio (ao contrário do que faziam as Diretorias anteriores que se presenteavam com altos salários adicionais aos seus de servidores). Com o cargo de Secretário, além de assumir a função do “Tio Hugo” (onde havia filas no chamado “beija mão” para a concessão de empréstimos além das margens de disponibilidade dos servidores); eu fiquei também encarregado da “comunicação com a Categoria”. Sozinho escrevia, editava, publicava (tiragem de 15.000 exemplares) e distribuía (nos gabinetes dos Secretários e Diretores de Departamentos para re-distribuírem) o Boletim Informativo do Montepio em quatro páginas A4... Durante esta batalha do exército de um homem só eu realizei completamente o meu lado de jornalista (mais do que nos tempos da AMPA).

Ao final de dezembro/94, demos por concluída com êxito a Comissão de Intervenção, uma vez  cumprida a missão de promover as Eleições Diretas no Montepio. Porém, com muito puxa-e-empurra judicial, a nova diretoria e o novo Conselho Deliberativo Estatuinte, conseguiram tomar posse somente através de liminar em 10/janeiro/1995;  mas foram depostos por outra liminar menos de trinta dias depois. Foi um mandato relâmpago que consistiu no último sopro de vida antes do “Ocaso do Montepio” que resultou na sua agonizante morte por “insolvência judicial”. Foi o fim dessa pseudo entidade de previdência (posto que pagava apenas e precariamente as “pensões das viúvas” sem arcar com as aposentadorias dos municipários)!
 A decantada fortaleza do Montepio era, na verdade, um castelo de areia, não restou nada aproveitável, nem mesmo o seu patrimônio em imóveis. A entidade resultou como um buraco negro que engoliu tudo o que arrecadou da família municipária; com a gangue operadora do esquema se metamorfoseando em “cooperativa financeira de crédito” (COOPERPOA) para continuar engambelando os mais incautos e necessitados.  Avalio que a intervenção valeu a pena, pois sem essa devassa realizada na caixa preta que era o Montepio não se criariam as condições objetivas para a concepção do PREVIMPA, órgão criado como uma instituição independente daquela estrutura totalmente corrompida e falida a ponto de implodir; ao contrário do que até então a forte propaganda do Montepio fazia a categoria acreditar. Graças à desmistificação e ao “Ocaso do Montepio” é que as gerações atuais e futuras de municipários podem usufruir e planejar uma aposentadoria com maior confiabilidade na competência da gestão dos fundos de pensão e previdência  geridos pelo PREVIMPA.
-Valeu Membros da Comissão Administrativa Provisória do Montepio!


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