CAMINHANDO CONTRA O VENTO NUM RETROPICALISMO

Sempre quando ouço os lero-leros políticos-partidários, onde velhos e novos picaretas fazem apologias românticas e ilusionistas da democracia, me lembro dos meus estudos do filósofo Nietzsche, o destruidor de ídolos.
A elaborada teoria nietzschiana da genealogia da moral, resumindo, diz que a modernidade ocidental-cristã derrubou as virtudes pagãs da cultura grega e instituiu uma moral de escravos. É nesta perspectiva que os movimentos de jovens, tanto o estudantil quanto o hippie, se rebelaram contra a moral repressora na década de 60, e por isso são tidos como nietzschianos. O filósofo bigodudo gostava de associar ao deus Apolo ( deus da beleza, perfeição, harmonia, equilíbrio e razão) as pessoas que se têm por politicamente certinhas; e ao deus Dionísio (das festas, do vinho, da exacerbação dos sentidos e excessos) os malucos psicodélicos que se jogam na vida de ponta cabeça.
 Mas a história oficial, como sempre, é contada pelo apolíneos (os politizados), e todas as conquistas de transformações sociais, culturais e de costumes conquistadas naquele período são atribuídas, a meu ver equivocadamente, aos estudantes rebeldes de maio de 68. O saldo histórico que ficou não foi político, está aí o FHC, o Lula & Dilma (ícones da esquerda dos anos 70) e a Rebelião dos Vinte Centavos para comprovar que nada de essencial mudou na política; a grande mudança que houve foi cultural (artes e costumes), que é o campo em que os hippies tencionaram com uma vivência alternativa prática (dionisíaca) e não meramente teórica e discursiva, como o povo que #foiprarua em junho para manifestar indignação geral com a política que não representa mais ninguém, só seus patrocinadores.
Agora, com a avalanche de condenações de jovens que protestavam mascarados em várias capitais do país, enquadrados pela nova lei do Crime Organizado ou pela velha lei de Segurança Nacional;  e com a Ordem de Prisão dos condenados no Mensalão, que está colocando na cadeia nossos apolíneos figurões do panteão da esquerda revolucionária, parei para refletir para compreender melhor a minha própria trajetória de vida: Meus heróis morreram de overdose e os meus líderes estão no poder e na prisão!...
Na década de 60, eu estava no lado dionisíaco da história, com uma pequena mochila nas costas, pegava a estrada pedindo caronas e fazendo artesanatos para sobreviver. Vivenciei comunidades hippies e festivais de música, drogas e rock and roll até no Uruguai, paraíso das drogas livres na época; enquanto a juventude apolínea fazia as barricadas nas ruas de Paris.
 Na década de 70, alienadamente curtia o tropicalismo com “Alegria,Alegria”, dionisiacamente caminhando contra o vento sem lenço e sem documento; enquanto apolineamente a juventude engajada se lançava na luta armada da guerrilha urbana contra a ditadura militar.
 A partir dos anos 80 eu migrei para o lado apolíneo da história, me tornei um militante engajado na construção de um sindicalismo com consciência de classe e de um  partido de luta dos trabalhadores, enquanto o lado dionisíaco virava punk-anarquista...
Na virada de 2000, virada de século e de milênio, voltei a procurar a minha essência dionisíaca, mas o máximo que consegui foi tornar-me um rebelde sem causa: voto nulo! Recorri, então, ao estudo da apolínea filosofia clássica, tribo em que sempre me senti como um estranho no ninho do meio acadêmico apolíneo. Passei a correr, como Proust “Em busca do tempo perdido”, atrás das minhas vinculações dionisíacas com a arte, especialmente com a literatura e a poesia, que se mantiveram minhas fiéis escudeiras contra “a cultura de rebanho” de apenas sobreviver, que é feito um caracol que se enterra em seu próprio casco”, como esbravejava Nietzsche.
  A partir da década de 2010 voltei para o lado dionisíaco do mundo, caminhando contra o vento sem horário e sem cartão-ponto,  como um aposentado libertário em busca do tempo apolineamente perdido...num RE-TROPICALISMO:
 Quando eu soltar as amarras
     E sair singrando
       Pela vida
         Sem horários
           Sem destino
             No caminho imenso
               Do tempo
                 Que me restar...
                    Vou finalmente
                       Caminhar contra o vento
                         Com lenço
                            E com documento
                               Nos bolsos e nas mãos
                                 Pra mostrar
                                   Que ainda sou eu
                                      Que estou a caminhar
                                         Que eu ainda
                                             Estou caminhando
                                               Contra o vento
                                                 E com documento
                                                     Pra provar.

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