FAROESTE MATUNGO

13 de maio/Zumbi

      Tem vivente que é contador de história nato, que sabe levar o suspense e manter o ouvinte atento, mas geralmente estes proseadores têm o defeito de alongarem e enfeitarem com detalhes demais o causo. E, pior do que isto, costumam emendar uma história na outra, num prosear sem fim. Este é o caso do Gervásio, mais conhecido como o Matungo, colega eletro-mecânico da DVM e morador do topo da Vila São José, criado no alto do Morro da Cruz, que é um conhecido ponto de tráfico em que nem a polícia entra, onde o faroeste corre solto, e que se tornou célebre por ser o tradicional local da crucificação do Cristo na encenação da via-sacra da procissão da Semana Santa.
       Quando o Gervásio puxa conversa e engrena, eu costumo delimitar de antemão: um causo por dia! Hoje ele me contou rapidinho um dos seus infindáveis causos inéditos. Relatou o causo de um tal Fulano (a fonte solicitou que omitisse nomes), sujeito que morava na vizinhança e que teve a sua mãe agredida durante um assalto por um vagabundo cheirador de crack do morro. Conta o Matungo que, conforme o próprio Fulano lhe contou, uma vez localizado o malandro num boteco das redondezas, enfiou o cano do seu revólver calibre 38 na boca do ladrãozinho agressor de sua mãe e detonou, sem dó nem piedade, depois virou as costa para ir embora quando foi questionado pelo seu irmão, que ajudava na vingança: E se o danado não morrer do tiro? - O Fulano não teve dúvida, voltou e degolou a agonizante vítima, depois virou-se respondendo ao seu mano: esse vai morrer com certeza! Depois saíram a passo... – E o corpo, eu perguntei? - O defunto foi dado como queima de arquivo pela polícia, pois o cara tinha longa ficha corrida, complementou o Matungo narrador.
Matungo, o Sombra do Jalba.

         O Gervásio também é um aposentando, fechou recentemente as condições para se aposentar, mas não consegue se decidir, por não saber o que vai fazer depois. Concluiu que os seus antigos biscates de consertar refrigeradores e televisores estão em baixa no mercado. O cara era do tempo dos aparelhos de rádios e TVs valvulados e, como eu também fui “fuçador” em eletrônica, denominei de “vulcão” o monte de peças e sucatas de chassis que ele tinha no pátio de casa, o qual funcionava como um depósito a céu aberto, para serem aproveitadas em seus consertos. Conta que ficou “engatado” com tantos refrigeradores e televisões, de clientes que mandaram consertar e que não foram buscar, que estava pensando em abrir um brique em casa; mas que nem pra isso dá mais, pois os eletrodomésticos se tornaram descartáveis, com o incentivo do governo para que as pessoas troquem os aparelhos velhos por modernos com menor consumo de energia elétrica, reconhece ele próprio.
         A exemplo dos “coiotes” que servem de guia aos “cucarachos” que tentam imigrar clandestinamente nas fronteiras do Tio SAM, o Matungo também nos serviu de “coiote” quando recorremos, em desespero de causa pela enxaqueca crônica da Magda, a um tratamento espírita com o Dr. Queirós, médium incorporado que atende justamente no “olho do furacão” do Morro da Cruz. Somente acompanhado de um nativo da vila para nos arriscarmos a subir à noite até o centro espírita do renomado médium, onde sempre tem fila de pessoas para serem atendidas, feito o SUS. As enxaquecas da minha mulher continuam até hoje, mas para nos valeu muito a experiência vivida no território de faroeste do Matungo.

        Atualmente, num dia ele arruma novos argumentos para continuar na ativa e, no dia seguinte, arranja novos motivos para sair como inativo; mas em todos os dias sempre tem mais uma tragédia pessoal ou de terceiros para contar.
        Mas o causo mais pitoresco, que ele não se cansa de contar, é o susto que ele deu num guri no banheiro de um camping da Barra do Ribeiro, onde costumava passar as férias pescando. Percebendo que o garoto ficou assustado com o lance dele retirar a chapa dentária da boca para escovar os dentes na pia, só de sacanagem, ele retirou também o seu olho de vidro (prótese que usa no seu imperceptível olho cego), e pediu para que o guri o ajudasse segurando o seu olho um pouquinho; o menino saiu correndo apavorado!...
- Valeu Matungo, exímio narrador da “realidade fora da lei” que viu de perto, enriquecida pela sua oralidade dramática, sem nunca se deixar amedrontar ou envolver pela bandidagem!

-Valeu Negão Gervásio!

Um comentário:

  1. Prezado Celso
    Parabéns pelo blog e já tens um belo relato sobre vários momentos profissionais entre outras coisa.
    []s Maria Beatriz CCC Silva

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